Caratinguense Júlia Assis relata experiência de quase 30 anos com a doença. Evaristo Costa trouxe repercussão ao assunto após revelar diagnóstico
CARATINGA- O termo “Doença de Crohn” tem se intensificado nas pesquisas na internet, após o conhecido jornalista Evaristo Costa revelar em uma postagem em sua rede social, que tem a doença e precisou ser internado por complicações, na Inglaterra, onde mora.
“Minha ‘querida’ Doença de Crohn me trouxe de novo para o médico com algumas complicações. E agora para a emergência de novo. Estão me perguntando se tenho dor. Sim, tenho fortes dores abdominais”, lamentou Evaristo Costa.
O relato do artista traz grande visibilidade para uma luta que já enfrentada pela caratinguense Júlia Assis há quase 30 anos. Com o diagnóstico da doença e todos os desafios que enfrentou diante da falta de informações sobre o assunto, em 2015, ela decidiu criar a Associação do Leste Mineiro de Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais (Alemdii).
Júlia participou do Diário Cast, com os jornalistas José Horta e Nohemy Peixoto e falou sobre alguns aspectos da doença. Ela destacou que foi diagnosticada em 1997, quando praticamente nada se falava sobre a doença. “Estava fazendo faculdade naquela época. Comecei a passar mal e depois de fazer muitos exames, o saudoso doutor Sinézio me deu o diagnóstico da doença de Crohn Foi um dos primeiros casos da região e a gente não conhecia absolutamente nada. Não sabia do que se tratava, que doença era essa. E é uma doença muito difícil de conviver, principalmente no início, quando está se começando o diagnóstico, porque envolve muitos sintomas. O paciente passa muito mal, não chega à remissão tão fácil. São vários sentimentos, temos que pensar que naquela época não existia nem internet. Você não tinha como ler, procurar ninguém. Tinha que aprender a conviver sozinho, então, dava aquele sentimento de solidão. Aprendi a conviver, tentei pesquisar na biblioteca, pegava livro, pois, naquela época era assim que funcionava e a gente encontrava parágrafos só falando, nada concreto. Hoje, quando a pessoa tem o diagnóstico já consegue procurar alguma informação e encontrar pessoas que sofrem o mesmo que ela”.
Conforme Júlia, alguns sintomas são bastante comuns e persistentes, por isso, acendem um alerta que deve ser observado e investigado. “É uma doença que, para as pessoas entenderem, o sistema imunológico da pessoa por algum motivo está desregulado e vai atacar o trato gastrointestinal, normalmente no intestino, que é o mais comum, mas, no caso da Doença de Crohn, pode se manifestar da boca até o ânus. Então, o paciente tem muita dor abdominal, diarreia, alguns poucos têm até previsão de ventre. Dependendo de onde está inflamado o intestino pode ter sangramentos nas fezes, pus”.
O portador convive com sintomas extremamente desagradáveis e possíveis complicações. “Todo mundo já teve uma infecção intestinal na vida, imagine o quanto essa pessoa fica frágil, isso num dia. Agora imagine uma pessoa que é todo dia. Dá muita fadiga e vem todas as questões emocionais também. A doença também pode ter outras manifestações fora do intestino, como dar nas articulações, problemas nos olhos, na pele. São muitos sintomas, mas, começou com diarreia que passou 15 dias, um mês, ela não melhorou, procura um médico”.
Evaristo Costa revelou ainda aos internautas que estava internado no sistema público de saúde da Inglaterra e que não paga plano de saúde. Júlia Assis explicou a realidade brasileira para o paciente de Crohn. “Aqui no Brasil conseguimos o tratamento pelo SUS. Claro que sabemos das filas, demoras, infelizmente isso é uma realidade, mas, todos os exames e tratamentos podem ser feitos. Interessante falar que os medicamentos, a grande maioria deles também está disponível pelo SUS. Os de base e os de alto custo também. Temos uma pequena diferença no Brasil em relação a SUS e plano de saúde, porque quem tem plano de saúde e tem Doença de Crohn tem direito a todos os medicamentos biológicos que existem no Brasil. No SUS, só tem direito àqueles descritos no protocolo. Obviamente, vamos encontrar dificuldades no caminho, questão de vagas de liberação, mas, medicamento, a partir do momento que você montou seu processo, estará disponível todos os meses. É só se dirigir à farmácia e renovar a receita de seis em seis meses”.
Outro ponto abordado por Júlia foi que é preciso abrir mão de muitas coisas, devido à doença. “Sair muitas vezes, porque a gente não consegue sair de casa se está com uma diarreia absurda, são 20 a 30 vezes no banheiro por dia. Já tive vez de estar pronta para sair e ter que voltar para casa. A pior coisa na rua é você estar andando e não ter onde ir ao banheiro. E se você não for naquela hora vai sair na roupa, infelizmente”.
Ela disse ainda sobre a questão social em relação ao principal sintoma da doença, que é a diarreia. “Um impacto bem grande para a pessoa, a autoestima. Até porque falar de diarreia e fezes, não se fala em mesa de bar. O que mais se fala é que tem que ir em casa, eu não posso ir à minha casa, tenho que ir aonde eu estiver. Infelizmente é isso, temos que tentar naturalizar isso no ambiente que vivemos, para não ficar constrangido”.
Hoje, Júlia Assis declara que vive muito bem com a doença, mas, que precisou entender os aspectos da doença e as limitações necessárias. “Não estou tendo aquelas crises horrorosas que me levavam para o hospital, mas, ainda tenho sequelas da doença. Já fui submetida a várias cirurgias. Tenho estreitamento do intestino bem grave, então, não posso comer muita coisa, enfim. Tem uma série de limitações que precisa aprender a conviver. Adaptações precisam ser feitas. É se adaptar e entrar no ritmo para viver bem ou vai ficar se vitimizando, que eu acho que não é a melhor saída”.
“A doença de Crohn existe e não é mimimi”, declarou Júlia Assis, que disse que os pacientes muitas vezes não são compreendidos. “Não é o paciente que está se fazendo de doente. Às vezes você encontra comigo ontem e eu estava excelente e hoje acordei e estou muito mal. Tem as crises. E muitas vezes as pessoas não entendem, os pacientes são julgados no trabalho, no meio social. Isso é exatamente pela falta de informação, as pessoas não conhecem, quando a gente não conhece ficamos com os nossos achismos, com o que a gente pensa. Preconceito mesmo”.
Por isso, ela cita a visibilidade que o assunto ganhou com a publicação de Evaristo Costa, o que contribui ainda para mais informação à população. “Quando vemos artistas como o Evaristo Costa, que está dando uma grande visibilidade para a Doença de Crohn, estamos vendo falar agora em todos os jornais, a gente nunca ouvia falar. Para nós que temos a doença é super importante ter a nossa doença sendo falada. Não é porque a gente quer aparecer, mas, queremos que as pessoas entendam que a doença existe e precisa ser tratada. Quando a gente fala, além de combater o preconceito, ainda leva a oportunidade do diagnóstico precoce”.
Júlia Assis também sofreu com a desinformação. Por isso, ela acredita que a internet e os meios de comunicação se tornam ferramentas importantes. “Sofri muito com a doença, quase perdi a vida, em 2002, ainda numa época que era desconhecido. Eu não sabia que a doença podia ser grave. Não sabia que a doença podia ser grave, se soubesse teria me cuidado mais. Tomei medicamentos que eram proibidos para mim, ninguém nunca tinha me falado, se soubesse não teria feito. E me endividei, passei mais de 10 anos para pagar uma dívida, para comprar remédio e esse remédio estava de graça no SUS. Olha o impacto que a falta de informação pode fazer na vida de uma pessoa”.
A doença de Crohn não tem cura, mas, tem tratamento. “Esse tratamento pode levar ao que a gente chama de remissão, que é quando tudo cicatriza, aquele paciente vai parar de ter os sintomas, faz uma colonoscopia vai estar o intestino limpinho, sem nenhuma inflamação; tudo perfeito, como se aquele paciente não tivesse nada. Só que aí está o perigo, o que te leva à remissão é o tratamento e se você abandonar o tratamento, daqui a pouco a doença vai acordar de novo. A pessoa tem que atender que vai precisar fazer o tratamento dela para o resto da vida, assim como o caso da pressão alta, por exemplo. A doença existe, só está controlada”.
Como presidente da Associação do Leste Mineiro de Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, ela se coloca à disposição para acolher aos pacientes e seus familiares. “É uma associação de pessoas com doença inflamatória intestinal, sendo a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Sempre pensava que eu não tinha morrido porque tinha uma missão, uma vontade de devolver para Deus, para o mundo, a oportunidade de estar viva. Você começa a perceber que a vida pode acabar amanhã. E de que valeu a nossa vida? Os anos se passaram e em 2015 decidir montar uma associação de pessoas com a doença em Caratinga. Com objetivo de reunir, trocar experiências e informações. Hoje desenvolvemos vários projetos de capacitação de estudantes, pacientes, médico e enfermeiros. Mantemos canais de comunicação e estamos aqui de braços abertos para receber absolutamente qualquer pessoa”.
Assista ao podcast completo no canal do Diário de Caratinga no YouTube.
- Júlia Assis, presidente da Associação do Leste Mineiro de Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais
- Júlia Assis participou do Diário Cast com os jornalistas José Horta e Nohemy Peixoto