Jorge Folena
Advogado e cientista político
Poder e violência são dois termos que se fundem, como descrito por Walter Benjamin. Para se exercer o poder, há que fazê-lo por meio da violência. A violência se executa pelo poder. As lições e conclusões sobre a natureza do poder e da violência não têm sua origem em meras divagações metafísicas, pois nascem da mais profunda realidade empírica.
O poder não é uma criação da mente humana, é antes uma constatação do que se verifica na vida em si mesma, na qual os mais fortes (física ou intelectualmente) se impõem sobre os demais seres.
A materialização do poder dá-se por meio da violência, que se constitui por meio da força.
Como dito por Marx, o Estado foi a maior invenção da mente humana. E, ao criar o Estado, o homem passou a deter o monopólio do uso do poder e da violência, de forma institucionalizada. Desta forma, o grupo político que controla o Estado determina o que pode e o que não pode ser feito pelas pessoas.
Por isso, como esclarece Gramsci, as classes ou grupos subalternos (que, muitas vezes, estão à margem da sociedade), precisam tomar cuidados ao se inserir no mundo estatal, na medida em que ficam submetidos à ordem violenta do Estado, que lhes dita o que podem ou não podem fazer.
Sendo o Estado uma criação metafísica, é possível afirmar, a partir desta construção, que o Direito é violência, pois, ao mesmo tempo em que concede direitos (determina o que se pode fazer), por outro lado impõe restrições (o que não se pode fazer) às pessoas, sendo sua efetivação final executada pelo aparelho burocrático estatal, que é o detentor do poder de colocar em prática a violência legitimada.
Para a teoria do Direito, este pode se manifestar por meio de sua natureza originária, materialmente real, ao revelar o seu conteúdo de mediação. Isto se verifica quando alguém é chamado a decidir quem está certo ou errado em um determinado assunto. Ao ser decidida a questão, o Direito se realiza.
Para Hobbes, o direito à vida é o elementar direito natural. Apesar de constituir uma aparente construção intelectual, o direito à vida é a base de tudo para o ser humano. Sem vida, não existe homem. Por isso, o direito natural é o direito natural e real de verdade, uma vez que, sem vida, o ser humano, único ser capaz de criar cultura, não pode inventar o Estado nem permitir a sua apropriação pela utilização do poder e da violência.
A concepção do Direito como elemento de pacificação dos conflitos sociais se exerce e materializa por meio do poder e da violência. O Estado, quando pacifica um conflito (causa da criação do Estado moderno, a partir da teoria hobbesiana), o faz por meio da violência institucional, dispondo do poder de impor sanções.
As normas jurídicas são impostas por um rei ou legitimadas pela soberania popular, ou, ainda, constituídas pela livre manifestação de vontade dos seres humanos. Estas normas compõem o Direito Positivo e possuem inegável força e violência sancionadora. Como diz Benjamin, em seus escritos Sobre a crítica do poder como violência: “Todo poder, enquanto meio, tem por função instituir Direito ou mantê-lo”.
Objetivo deste ensaio foi questionar a construção doutrinária denominada realismo jurídico (com base na escola norte-americana), que se manifesta mediante a ideia de que o direito se concretiza por intermédio das decisões judiciais, visto que tal teoria já nasce impregnada de poder e violência e pode ser utilizada para justificar a mais perversa crueldade.
Nesse contexto, não se pode ignorar que os luminares da hegemonia têm propugnado que o século XXI é do poder judiciário, de forma a incentivar juízes a interferir diretamente na atividade política, inclusive se sobrepondo ao direito positivo fundamental, baseado nas constituições políticas, e desrespeitando princípios considerados inafastáveis pela humanidade.
Sendo assim, o direito nunca poderá ser resumido à palavra final de juízes ou tribunais, cujo papel deveria ser o de fazer respeitar a soberania popular, manifestada por meio das leis aprovadas pelo parlamento e pelos atos praticados por governos legitimamente constituídos e que trabalhem em favor do povo. Ou seja, o papel preponderante do judiciário é o de impor reconhecimento e legitimidade às normas jurídicas, como proposto por Hart, e não distorcê-las conforme seu arbítrio.
Daí esta crítica a toda manifestação judicial quando utilizada de forma seletiva e destinada, unicamente, a alcançar determinados cidadãos e grupos políticos que divergem daqueles que estão à frente do poder, bem como para tentar afastar do meio social os indivíduos considerados indesejáveis, a exemplo do que foi posto em prática pelo fascismo no início do século XX e que se tenta restaurar em pleno século XXI.