* Eugênio Maria Gomes
“Diálogos sobre o fim do mundo” foi o título de um artigo publicado no jornal espanhol “El País”, no dia 29 de setembro passado que muito me impressionou.
O artigo dá notícia de que, durante cinco dias, debateu-se na Casa de Rui Barbosa no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, algo que, apesar dos sinais cada vez mais evidentes, ainda parece distante das preocupações da maioria: a progressiva e cada vez mais rápida degradação da vida a partir da mudança climática. Pensadores de diversas áreas e de diferentes regiões do mundo discutiram o conceito de Antropoceno – o momento em que o homem deixa de ser agente biológico para se tornar uma força geológica, capaz de alterar a paisagem do planeta e comprometer sua própria sobrevivência como espécie e a dos outros seres vivos. Ou, dito de outro modo, o ponto de virada em que os humanos deixam de apenas temer a catástrofe para se tornarem a catástrofe.
Achei muito interessante o título, pois minha geração cresceu assistindo filmes sobre o fim do mundo, a destruição do planeta e coisa e tal. E, em praticamente todos esses filmes, o planeta era invadido por alienígenas, marcianos, venusianos, seres que nos atacavam com suas armas “laser”, em um momento da evolução da televisão e do cinema onde os efeitos especiais mais pareciam “defeitos” especiais. Perdi a conta de quantas vezes a cidade de Tóquio foi destruída por ET’s. Sim, Tóquio, porque naquela época os filmes que passavam na TV eram produções japonesas do tipo Ultraman, Robot Gigante e Vingadores do Espaço, Jaspion…
O mais curioso, porém, era constatar que o planeta era destruído por seres de outro planeta. Naquela época, e aqui se fala dos anos 60 e 70, ninguém imaginava que um dia o próprio homem poderia ser o responsável pela destruição do planeta em que vive.
É justamente isso que vemos agora.
Em pouco mais de duzentos anos, período que representa uma gotícula de tempo quando consideramos o tempo de existência da Terra, cerca de 4,5 bilhões de anos, a espécie humana foi capaz de uma proeza “planetária”: desequilibrar um sistema eco-climático perfeito. Digo duzentos anos, porque esse é aproximadamente o momento em que se iniciou a Revolução industrial na Inglaterra, e com ela, sedimentou-se o sistema capitalista de produção em escala, que estimula o consumismo desenfreado e não se perturba, nem se abala se para isso, tiver que exaurir o planeta.
Os europeus foram os primeiros a sentir os efeitos da degradação ambiental. A Londres do século XIX era um verdadeiro inferno de poluição; os alemães praticamente dizimaram suas florestas nativas, o Rio Sena em Paris e o Reno eram latrinas a céu aberto.
Mesmo no século XX a ganância humana por dinheiro, e o consequente descaso com o meio ambiente mostrou seus efeitos no grande fog londrino de 1952. É claro, o fog, pode se formar por causas naturais, mas a frequência com que ele surgia na cidade de Londres – a ponto de se tornar uma “marca registrada” dessa cidade – se devia a fatores externos, as chaminés fumegantes das indústrias que despejavam fumaça no ar.
Em 1952, a situação descambou para algo impensável. Algo que ficou conhecido como “The Great Smog” – “A Grande Fumaceira” em uma tradução livre. Um nevoeiro como nunca antes visto desceu sobre Londres e quando se foi, havia deixado um saldo de milhares de mortos. Por volta de meio-dia era noite em Londres…
Mas a solução dada ao problema, foi bastante curiosa. Ao invés desse triste episódio fazer o homem repensar suas práticas econômicas, perceber a interligação entre seus atos e a exacerbação de fenômenos naturais, a inteligência capitalista simplesmente deslocou o problema. Hoje Londres tem um ar bem mais puro e já se pode pescar novamente no Rio Tâmisa. Exportou-se o problema. Hoje, não se respira em Pequim, Cidade do México e São Paulo. O Tietê é um rio sólido. Morto. Como era o Tâmisa há cem anos…
No entanto, a “exportação” das fábricas poluentes e das práticas exploratórias degradantes do meio ambiente, obviamente, não solucionaram o problema. Afinal, a sapiência da natureza fez interligar o desmatamento da Amazônia à seca em São Paulo; as emissões de poluentes pela indústria chinesa ao degelo da Groenlândia; o aquecimento das águas do Pacífico aos furacões…
O homem não percebeu, ou insiste em não perceber, que o sistema planetário é um sistema, um organismo, interligado e interconectado, onde uma ação num lugar, por menor que seja, provoca uma reação em outro lugar. O homem prefere acreditar em profecias Maias sobre o fim do mundo, invasão de alienígenas, do que acreditar que a deterioração da vida que sentem no seu cotidiano – e que em São Paulo chega a níveis inéditos com a seca e a ameaça de faltar água para milhões –, é resultado da ação dele próprio sobre o planeta. É mais fácil crer na ficção do que na realidade…
O homem não percebeu, ou insiste em não perceber, que não se pode ter um crescimento econômico infinito se vivemos num planeta com recursos finitos, e que mais cedo ou mais tarde, teremos que parar de produzir riqueza e pensar em redistribuí-la, já que não é ético e moral continuarmos a aceitar um mundo onde um cidadão americano médio gaste o equivalente ao gasto de 32 cidadãos do Quênia ou da Etiópia ou, ainda, onde 1% da população detenha 50% da riqueza do planeta…
Se não percebermos isso e tomarmos medidas imediatas, em breve, assistiremos, ao vivo e a cores, os piores episódios das séries japonesas, onde não apenas Tóquio, mas todo o Planeta perecerá. Não por culpa de alienígenas, mas por obra do próprio homem…
* Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.