lldecir A.Lessa
Advogado
No dia 15 de dezembro, comemorou-se o Dia da Mulher Advogada. No Brasil são mais de quinhentas mil advogadas inscritas na OAB no Brasil, um universo considerável, isso implica em dizer que as advogadas militantes estão par a par com os advogados também militantes, sem nenhuma desigualdade ou distinção. Aliás, a Constituição Federal ensina já em seu artigo 5º que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”, completando ainda, em seu inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” e em seu inciso II, com a afirmativa “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, trazendo ainda um extenso rol de direitos e deveres.
Essa estrutura de igualdade e liberdade regulamentada, apontam no sentido de que, os direitos fundamentais são iniciados em tais princípios, que podem ser considerados pilares do Estado Democrático de Direito, sendo certo que sua prática é de extrema importância. Desde os primórdios, em qualquer aspecto da vida, a mulher é tida como sexo frágil, não é diferente no aspecto profissional, e, apesar do nível de instrução que exige a profissão e do status que ela carrega, não é diferente na advocacia. É de notório conhecimento a grande dificuldade enfrentada por advogados em todo o país, seja por ampla concorrência, por falta de experiência, falta de oportunidade, baixos salários para advogados contratados, falta de condições financeiras para montar e manter seu escritório.
Mas, o que não é tratado abertamente nas rodas de conversa Brasil afora é que a dificuldade triplica ao tratar da advogada que além de todos os percalços da profissão, ainda enfrenta o simples fato de ser mulher. Isso é uma realidade apontada em diversas análises e pesquisas sobre a questão. Oportuno fazer um registro na linha do tempo, destacando que, a advocacia é uma das profissões mais antigas existentes, tendo seus primeiros indícios relatados por estudiosos desde milênios antes de Cristo, na Suméria, e como grande berço Atenas, onde surgiram grandes oradores, considerados advogados por sua oratória, persuasão e retórica.
Em terras tupiniquins a advocacia surge com as Ordenações Filipinas, criadas em Portugal, que determinavam como necessários oito anos de curso jurídico mais aprovação para atuar na Casa de Suplicação para enfim exercer nobre profissão. No desejo de que o Brasil, que acabara de se tornar independente de Portugal, possuísse suas próprias leis, surgiu a primeira Constituição do Brasil de 1824, porém, não adiantava possuir leis próprias sem quem pudesse executá-las. Diante disso, Dom Pedro I criou os dois primeiros cursos de Direito do país, em 11 de agosto de 1827, sendo um em Olinda/PE e outro em São Paulo/SP (LÔBO, 2002, p.10.
As primeiras mulheres formadas em Direito surgiram em 1888, em Pernambuco, sendo Maria Coelho da Silva Sobrinha, Maria Fragoso e Delmira Secundina da Costa, porém nenhum chegou a exercer a profissão de advogada (BARRETO, 2019). Mesmo com a criação dos cursos de Direito em 1827 simultaneamente em Olinda e São Paulo, a primeira mulher a conseguir ingressar na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco foi Maria Augusta Saraiva, no ano de 1897, setenta anos após a sua criação. Sendo ainda, Maria Augusta a primeira mulher a atuar no Tribunal do Júri. Maria Augusta foi tão brilhante durante os estudos que, ao se formar em 1902, recebeu como premiação uma viagem à Europa (BARRETO, 2019). A primeira advogada de que se tem registro é Myrthes Gomes de Campos, no ano de 1898 no Rio de Janeiro/RJ, na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais. E teve que lutar bastante ao tentar ingressar no Instituto dos Advogados do Brasil, antecessor da OAB, sendo necessário pronunciamento da Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência, com a tese de que , o livre exercício de qualquer profissão deve ser entendido no sentido de não constituir nenhuma delas monopólio ou privilégio, e sim carreira livre, acessível a todos, e só dependente de condições necessárias ditadas no interesse da sociedade e por dignidade da própria profissão; […] não há lei que proíba a mulher de exercer a advocacia e que, importando essa proibição em uma causa de incapacidade, deve ser declarada por lei […]. Apesar de belíssimo parecer, devido ao preconceito existente, a filiação de Myrthes no Instituto só foi aprovada em 1906, com 23 votos a favor e 15 votos contra, deixando claro que muitos não a queriam ali. E em sua primeira atuação, Myrthes deixou claro a que veio em seu discurso de abertura (O País, Rio de Janeiro, p. 2, 1899): […] Envidarei, portanto, todos os esforços, afim de não rebaixar o nível da justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte, nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada. […] Cada vez que penetrarmos no Templo da Justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, […] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada. […]. Em março de 2013 foi criada a Comissão Especial da Mulher Advogada do então Conselho Federal da OAB, sendo designada como presidente a Conselheira Federal Suplente pelo estado de Alagoas, Fernanda Marinela. No mês de novembro de 2017, Clea Carpi, presidente da OAB/RS em 1989, se tornou a primeira mulher a receber a mais alta honraria da advocacia, a medalha Rui Barbosa, reconhecimento de sua luta pela advocacia, pela mulher e pelos direitos humanos.
Foi dessa maneira que o universo feminino ingressou no mundo jurídico brasileiro, especificamente na advocacia. Hoje não é mais espanto ver mulheres nas faculdades de direito e exercendo a advocacia, mas há de se reconhecer o espaço considerável de tempo para que isso viesse a acontecer, bem como o preconceito ainda sofrido, seja através clientes, juízes, promotores, colegas advogados, o machismo, infelizmente, ainda está arraigado nas dependências do judiciário brasileiro, sejam elas públicas ou privadas.Com todos os percalços e lutas, salve o Dia da Advogada Mulher.