CARATINGA- O mês de dezembro, em especial o 1º dia, marcado pelo Dia Mundial de Luta Contra a Aids, traz um alerta sobre a importância do diagnóstico precoce, da prevenção e do tratamento do HIV, vírus sexualmente transmissível que afeta o sistema imunológico, mas que se tratado adequadamente não evolui para a Aids.
Para falar sobre o assunto, o DIÁRIO entrevista Klinger Faíco, que é médico infectologista e coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Municipal de Governador Valadares e do Hospital Casu Irmã Denise em Caratinga. Também é professor de Medicina do Centro Universitário de Caratinga.
Klinger é graduado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com Residência em Infectologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e doutorando em Infectologia.
Como tem sido as transformações do perfil epidemiológico de infectados pelo HIV?
Muito interessante que vemos uma mudança do perfil epidemiológico das pessoas que são infectadas com o HIV. Antigamente, a doença era predominante no grupo de homens que fazem sexo com homens, só que hoje em dia vemos que ela está difundida entre homossexuais, heterossexuais, jovens, temos um aumento muito grande também dos idosos que estão se contaminando com o HIV, que é uma preocupação nossa. E antigamente a gente tinha cerca de 27 infecções de homens para uma de mulher e hoje essa taxa, essa proporção, tá ficando igual, de 1 para 1 também se aproximando. A doença está disseminada, uma epidemia que a gente já vive há 40 anos, em todos os locais, não tem cara.
Como vive hoje uma pessoa com HIV?
Perfeitamente bem. A tecnologia avançou muito, a formulação das drogas também. As pessoas hoje não têm nenhuma repercussão clínica. Elas vão morrer por outras coisas que não pelo HIV.
Sabemos que o vírus tem grande capacidade de mutação, o vírus da Aids mudou muito?
O vírus da Aids faz um escape no sistema imunológico. Isso dificulta a questão de você produzir vacinas e alguma forma de prevenção. Temos principalmente dois tipos do vírus, mas, estamos conseguindo controlar bastante e sem grandes repercussões.
O que há de mais novo nas pesquisas em relação ao tratamento ou até mesmo a possível vacina?
O que temos hoje em dia em relação ao tratamento, hoje existem tratamentos de um comprimido ao dia, coisa que antigamente eram 30 comprimidos por dia. Avançou bastante. As pessoas vivem uma vida normal, não tem nenhuma alteração pelo HIV, é como uma doença crônica, como diabetes, hipertensão, em que a pessoa precisa ter um cuidado diário com a doença que ela tem. Então, em relação ao tratamento avançou bastante, estamos caminhando para uso de duas classes de drogas, mas, que são coformuladas em único comprimido, isso dá uma qualidade de vida muito grande ao paciente. Em relação à vacina, essas vacinas já estão em testes de humanos e acreditamos que para os próximos anos possa surgir essa vacina, mas, que também é uma dificuldade que temos, tanto em busca da cura que é um objetivo dos pesquisadores e a vacina. Mas, antes disso também, hoje em dia temos várias formas de prevenir o HIV. Essa prevenção se dá também, através da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), onde os pacientes que são grupo de risco, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens; os casais que são sorodiscordantes, ou seja, você se relacionar com paciente que é HIV positivo sendo você não sendo infectado e que possuem comportamento de risco, que são relação sexual desprotegida, a gente consegue, através do uso de um comprimido por dia de uma medicação, prevenir quase 100% dos casos a aquisição do HIV. Essa é uma forma de prevenção recente, que está mais institucionalizada nas capitais, mas, já estamos tendo capilaridade para o interior, onde tem reduzido bastante a incidência dessa doença. E estamos caminhando também para ter drogas que vão surgir como se fosse uma pílula, um anticoncepcional injetável, que seria uma droga que as pessoas poderiam tomar de três em três meses e ter uma proteção contra HIV de 100% praticamente. Para os próximos anos é o que a gente espera, já existe em alguns países e esperamos que seja incorporado aqui no nosso Programa.
Quando realizar um exame para saber se está infectado?
Anualmente. Todas as pessoas que têm vida sexual ativa necessitam fazer um rastreio com um teste do HIV. Não existe cara, hoje em dia aquela imagem que a gente tinha das pessoas com HIV, de antigamente, ela não existe mais. As pessoas podem estar convivendo com você no seu trabalho. Todo ano temos que pesquisar.
O SUS oferece o tratamento que uma pessoa com HIV precisa?
Totalmente. O SUS fornece toda a medicação, todo apoio, toda uma rede, que inclusive é exaltada no mundo inteiro, o avanço no tratamento que a gente. Por exemplo, essa PrEP, na América Latina só o Brasil que fornece de forma gratuita. Então, todo acesso à medicação, ao tratamento é gratuito.
A campanha deste ano de 2022 tem o tema “Equidade já”. O senhor acredita que a desigualdade social é um dos principais obstáculos para erradicação?
Com certeza. A população pobre, negra e marginalizada ainda não tem acesso às formas de prevenção, de tratamento e quando falamos de equidade também, precisamos de incentivar as periferias, as regiões mais distantes, para que tenham tanto o acesso à testagem eficaz e rápida, quanto acesso a essas novas tecnologias que estamos tendo, tanto de diagnóstico, tratamento e prevenção. É uma coisa que precisamos avançar muito, aumentar a capilaridade dessa rede.
Nas décadas de 80 e 90 muito se falava em HIV. Hoje o assunto não é muito visto de forma ampla. Faltam mais campanhas?
Não temos tido campanhas eficazes em relação a isso. Como é uma medida comportamental, as ações que precisamos ter são muito comportamentais, como uso do preservativo, que previne contra várias outras doenças; então, precisamos voltar a focar nisso. O ser humano tem uma tendência de ir esquecendo, isso vai decaindo e precisamos sempre voltar com essa lembrança de que precisamos cuidar da nossa saúde sexual, diminuir o estigma, acolher essas pessoas que estão com diagnóstico, porque elas ficam envergonhadas, negam tratamento, justamente por causa do preconceito que a sociedade tem com a doença e que não existe nenhuma justificativa para isso. O objetivo do tratamento é controlar a carga viral do paciente, esse controle deixa esse paciente indetectável, essa indetecção, não consigo detectar o vírus no sangue, me permite falar que esse paciente é intransmissível. Então, quando consigo tornar esse paciente indetectável, ele para a transmissão também para outras pessoas e pode realizar atividade sexual sem nenhuma alteração. Temos uma meta de diagnosticar 90%, prevenir 90% e tratar 90% também desses pacientes nos próximos anos, para diminuir a cascata de transmissão da doença.