Thelma Regina
Alexandre Sales[1]
“Pais e Filhos não são iguais”.
Mas o comportamento daqueles
reflete, indiscutivelmente, na
formação da personalidade destes.
Amor Exigente
O impacto sofrido pela família quando esta toma conhecimento de que um ou mais de seus membros faz uso de drogas é emocionalmente devastador. Esse processo é elaborado em estágios ou fases definidos por um padrão psicológico comum, embora nem todas as famílias o enfrentem da mesma forma.
Na primeira fase sobrevém a negação, um momento de tensão e desentendimento onde as pessoas deixam de falar sobre o que pensam e sentem, não admitem e não aceitam que o fato possa estar acontecendo “justamente na sua família”.
Seguido a esse estágio, que dura à proporção da estrutura emocional da família, essa passa a demonstrar preocupação e a intervir no controle do uso da droga, bem como de suas consequências. Mentiras e cumplicidades relativas ao uso abusivo de substâncias instauram um clima de segredo familiar. Não se fala do assunto entre as relações sociais mais próximas, criando-se a ilusão de que as drogas não causam problemas à família.
Na terceira fase é possível perceber certa desorganização familiar, uma vez que seus membros apropriam-se de papéis rígidos e previsíveis, servindo de facilitadores. Assumem responsabilidades de atos que não são seus, e assim o dependente perde a oportunidade de perceber as consequências do abuso. Não raro ocorre inversão de papéis e funções, como, por exemplo, a esposa que assume a responsabilidade de casa devido ao alcoolismo do marido, ou a filha mais velha que ocupa o lugar da mãe na atenção aos irmãos por esta ser dependente.
O quarto estágio caracteriza-se por exaustão emocional, distúrbios comportamentais e interferência na saúde geral de todos da família. A situação torna-se insuportável, o que causa afastamento entre os membros com risco de ruptura dos laços existentes.
A dependência química funde aspectos biológicos, psicológicos, sociais, laborais, afetivos e comportamentais. A indisciplina, a ausência de regras e limites e a permissividade são comportamentos jungidos à adicção. É comum observar famílias de adictos disfuncionais, no que se refere a serem permissivas e facilitadoras de comportamentos inadequados que acabam por reforçar e perpetuar o vício.
Nesse mesmo contexto é previsto que familiares, sobretudo os pais, tornem-se ao mesmo tempo cúmplices e reféns do problema, uma vez que se sentem culpados, envergonhados e sobrecarregados, julgam-se impotentes, não acreditam em mudanças e melhorias qualitativas de vida; muitas vezes desistem; acostumam-se com o que já está “ruim”; não identificam nem reconhecem o problema; vitimizam-se e aderem a auto piedade, fato que justifica a demora em procurar ajuda profissional. Essas famílias são designadas codependentes, visto que seu padrão comportamental não difere do de seu familiar dependente.
A organização familiar saudável tem posição de saliência no tratamento, recuperação e reabilitação do dependente químico. Sem o entendimento de que ali existe uma doença mental grave – que precisa ser tratada – quaisquer medidas de intervenção estão fadadas ao insucesso. O que ocorre é que o desespero e a fragilidade emocional da família a atrapalha de exercer adequadamente seus papéis.
Como, segundo a legislação (Lei nº 10.216/2001), a família é eleita corresponsável pelo resgate de seu(s) familiar(es) dependente(s), a reabilitação do adicto requer tratamento concomitante ao de sua família. A doença, pelo menos em seu aspecto comportamental, tem gênese em hábitos nocivos, por vezes, suportados e adquiridos dentro do próprio núcleo familiar. Todo comportamento reiterado gera hábito, que por sua vez pode se transformar em vício. O vício, dessa perspectiva, aflora de comportamentos nocivos, que, reproduzidos, tornam–se hábitos viciantes.
A Lei nº 10.216/2001, em seu artigo 3º, estabelece: “É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família…”.
Dessa forma, familiares de adictos deverão perceber que a doença não é só da pessoa dependente, mas também da família. Portanto, deverão ser acolhidos e ajudados por grupos que estão objetivamente focados nas questões da dependência química. Nesses grupos encontrarão pessoas com situações semelhantes, com as quais poderão interagir, trocar ideias e testemunhos, buscar soluções, expor experiências vividas e aprimorar conhecimentos. Naturalmente, formar-se-á uma rede de apoio com vistas à mudança de comportamento.
Mas não é só isso.
Por vezes, há necessidade de terapia cognitivo comportamental individual ou familiar para melhor compreensão e aceitação da dependência, da codependência e das mudanças comportamentais exigidas para reabilitação do dependente químico. Outras vezes, há indicação de intervenção farmacológica na família.
Thelma Regina Alexandre Sales – Nutricionista e Médica – Especialista em Psiquiatria – Especialista em Terapia Nutricional/SBNPE, Nutrição Clínica/UECE e Saúde Pública/UNESCO – MBA em Gestão de Negócios/UNEC – Mestre em Meio Ambiente, Saúde e Sustentabilidade/UNEC – Professora do Centro Universitário de Caratinga. Atua em Psiquiatria no Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAP) do Centro Universitário de Caratinga e no CAPS infantil de Inhapim. Atua ainda em Medicina de Família e Urgência.