CARATINGA – Na manhã dessa segunda-feira (16), as delegadas Tatiana Neves e Nayara Travassos, durante entrevista coletiva, deram detalhes o inquérito da morte de Carolina Alexia Ferreira Mota, conhecida por “Saory”, que aconteceu no dia 19 de novembro desse ano, no bairro Limoeiro.
AS INVESTIGAÇÕES
A Polícia Civil de Minas Gerais, através da delegacia especializada de atendimento à mulher de Caratinga, DEAM, finalizou o inquérito policial que investigou o feminicídio qualificado por asfixia.
No local, o investigado relatava que a vítima teria se suicidado. O corpo foi encaminhado ao Instituo Médico Legal (IML) de imediato e após a perícia foi constatada a morte “por estrangulamento”. Em razão disso, o investigado foi preso em flagrante pelo feminicídio. A partir daí a DEAM assumiu as investigações, tendo produzidos as provas objetivas e subjetivas e concluiu que o investigado praticou o crime de feminicídio, bem como fraude processual e lesão corporal.
De acordo com a delegada Tatiana Neves, após a mudança da lei que aconteceu em outubro, o feminicídio é um crime autônomo no Código Penal, pois antes era uma qualificadora do homicídio. “A gente conseguiu chegar à conclusão de que dois dias antes do autor ter matado essa mulher, ele a agrediu, restando lesões corporais. Então, teve o crime de lesões corporais dias antes e também teve o crime de fraude processual. A prova técnica e pericial chegou à conclusão que não se tratou de suicídio e ele teria alterado o local do crime. Então, ele pegou uma corda, simulou que a vítima estaria pendurada, a tirou ela do local e deixou em outro, atrapalhando os serviços periciais e teve ajuda do pai. O importante é a gente deixar bem claro aqui que se trata de um crime muito grave. Ela estava vivendo uma violência doméstica, inclusive, vizinhos filmavam e sempre denunciavam ao proprietário do prédio o que estava acontecendo”, explicou a delegada.
Tatiana deixou um alerta para as mulheres vítimas de violência doméstica que denunciem. “Essa mulher não procurou nenhum serviço policial, não procurou ajuda, então a Polícia Civil vem mais uma vez alertar a necessidade da mulher não deixar para amanhã, o que precisa ser feito de imediato
FEMINICÍDIO
A delegada Nayara Travassos deixou claro que o crime de feminicídio agora é o mais grave que pode acontecer considerado pelo legislador brasileiro, podendo gerar uma pena de 20 a 40 anos de prisão. “Quando nós investigamos um homicídio, nós precisamos apurar somente quem é o autor e qual é a materialidade daquele crime, quais as circunstâncias que ele aconteceu. Mas quando falamos de feminicídio, precisamos trazer à investigação das micro violências que aconteceram antes, durante, na cena do crime, que às vezes podem passar desapercebidas por profissionais que às vezes não estão ligados com o trato diuturno da violência doméstica”.
Conforme a delegada Nayara Travassos, isso é importante, “porque quando nós falamos no tribunal do júri, é preciso que o Ministério Público tenha essas ferramentas para trazer para os jurados que aquela mulher estava vivendo uma violência doméstica. Então quando a gente fala do caso da Carolina, que nós cumprimos mandados de busca e apreensão, nós tivemos um olhar, por exemplo, para apreender uma bolsa dela que estava no local do crime, contendo roupas. Só que essas roupas não estavam organizadas de maneira dobrada para aquelas pessoas que pretendem viajar. A gente encontrou essa bolsa com roupas jogadas, eram algumas peças de roupas aleatórias. Parece que ela não estava tendo muito tempo para escolher o que ela iria levar. São pequenos detalhes que fazem toda a diferença para que a gente demonstre que aquela mulher, ela foi vítima de feminicídio e estava em situação de violência doméstica”.
Ainda de acordo com a delegada, quando a mulher está sofrendo violência, para ela sair de casa, para ela retornar para procurar pertences, muitas vezes ela precisa ir acompanhada de policiais, porque é algo perigoso. “Então, mulheres, se vocês estão nessa situação, não voltem para pegar os seus pertences sozinhas. A lei garante a vocês o direito de acompanhamento policial para retirada de pertences. Então, quando a doutora Tatiana fez essa investigação, ela se preocupou em trazer para o caderno investigatório elementos que demonstravam essas micro violências muito importantes para que o tribunal do júri possa condenar o autor”.
DADOS FEMINICÍDIO CARATINGA
A delegada Nayara Travassos falou ainda sobre os dados de feminicídio em Caratinga de 2019 a 2023. “Diante das situações que nós estamos vivendo, eu tomei a liberdade de enviar um pedido de informações para a superintendência de investigação da Polícia Civil de Minas Gerais e eu obtive esses dados que falam sobre a quantidade dos feminicídios que aconteceram de 2019 até 2023. E nós ainda não tivemos a compilação dos dados de 2024, mas nós sabemos que a gente teve até agora somente o feminicídio da Carolina. Então, dito isso, eu fui explicada pela Superintendência que quando a gente fala de dados estatísticos, não podemos pegar os números absolutos. Para comparar com as demais cidades do Estado, nós precisamos das informações com relação à quantidade de mulheres existentes na população. Então quando a gente pega essa informação, em 2023 Caratinga ficou no 86º lugar em crimes de feminicídio no estado de Minas Gerais.
De acordo com informações, foram seis casos nesse período. “Quando a Superintendência me passou esses números, a minha preocupação foi entender porque esses feminicídios aconteceram. Então, pesquisei vítima por vítima e concluí que nenhuma delas possuía ocorrências anteriores relatando as micro violências que elas passavam até chegarem a serem mortas. Muito menos pediram medida protetiva. Esse é um dado que me preocupa porque da mesma forma a Carolina não pediu essa ajuda, e de maneira nenhuma gostaria de imputar a essas vítimas a culpa por terem sido mortas. A vítima não é culpada porque não procurou ajuda. Nós temos como Estado o dever de entender porque essas mulheres não nos procuraram. Será que elas ficaram inseguras por alguma situação? Ou elas estavam com a autoestima muito baixa e não puderam ter coragem de sair desses relacionamentos? Ou tinham filhos e pensaram nos filhos? Ou uma situação financeira que impedia com que elas saíssem daí? Então, hoje, a minha preocupação é estudar uma maneira de que você, mulher, que esteja passando por situação de violência doméstica, que você confie no Estado para te ajudar. E que nós possamos, de alguma maneira, fazer com que você sinta segurança. Então, mais uma vez, eu quero dizer que a Carolina não foi culpada por ter sido morta, por não ter pedido ajuda, e que nós assumimos também a nossa responsabilidade por ela não ter nos procurado. E de alguma maneira ela sentiu medo de nos procurar e nós não fomos capazes, talvez, de dar essa segurança a ela”, explicou a delegada.