Moradores pedem assistência; proprietário do terreno apresenta suas alegações. Já prefeitura afirma que irá se posicionar após laudo
CARATINGA- A madrugada de 7 de dezembro foi tensa para os moradores do Loteamento Silva Araújo, Bairro Rodoviários. Eles foram surpreendidos por um intenso barulho e os danos provocados.
Não era mais uma detonação para retirada de rochas que ficam logo abaixo do muro de contenção, como eles relatam que já vinha ocorrendo há algum tempo e era o anúncio de um incidente. Desta vez, o que eles mais temiam aconteceu: um deslizamento de terra que levou parte de uma residência e alguns veículos.
Bombeiros e Polícia Militar foram acionados. Durante o trabalho de vistoria, várias pessoas que moravam em dois prédios próximos ao deslizamento saíram apavoradas, pois não sabiam como estaria a estrutura dos apartamentos. Posteriormente, elas foram orientadas sobre a necessidade de desocupá-los.
No dia seguinte, a prefeitura encaminhou uma equipe para intervir de forma paliativa no escoamento de água da chuva, que poderia contribuir com novos desmoronamentos. Tiveram início também os trabalhos de apuração e a busca dos moradores por respostas. Ontem, uma lona foi colocada para cobrir parte do talude que se rompeu.
Moradores buscam aluguel social
As consequências do deslizamento incluem uma família (três pessoas) desabrigada; 54 famílias (120 pessoas) desalojadas; três casas interditadas; e três prédios e duas casas geminadas que apresentam fissuras.
Patrícia da Silva Santos, bióloga e professora é moradora do loteamento Silva Araújo. Ela se recorda daquela segunda-feira. “Eu estava acordada, na sala da minha casa, ouvi um primeiro barulho muito parecido com uma carreta grande passando sobre vários quebra-molas. Quando olhei da sacada do prédio realmente vi uma carreta passando, então imaginei que fosse. Depois ouvi um segundo estrondo e um terceiro. No terceiro, subiu uma poeira que chegou até a cozinha do meu apartamento e eu entendi que era realmente o muro de contenção que havia caído. Tivemos que sair durante a madrugada, os bombeiros sugeriram que não era seguro ficar nos prédios. Minha família saiu com a roupa do corpo, pegamos os documentos e fomos para um hotel”.
Agora, Patrícia e sua família estão hospedados na casa da babá de seu filho. Ela enfatiza a angústia de ter precisado deixar sua moradia, além dos prejuízos causados. “Ela gentilmente cedeu a residência dela para nós. Com esse laudo do geólogo, que realmente o terreno está instável e com as chuvas há mesmo risco de ceder, estamos cobrando da prefeitura a disponibilização do aluguel social, porque nós proprietários não temos condições de arcar com o financiamento dos apartamentos e o aluguel. Na segunda-feira, nós, moradores, vamos pegar esse laudo, juntamente com o projeto e autorização dessa obra para cobrar os nossos direitos em relação ao desalojamento, o preço dos apartamentos que provavelmente vai cair, teremos uma desvalorização; sem contar todo esse transtorno que estamos tendo. E ficar aguardando e vigiando o que vai acontecer com nossas moradias”.
A família adquiriu o apartamento em agosto 2019. Restam as dúvidas e o anseio por providências, já que não podem voltar para casa. “Temos praticamente um ano só de pagamento do nosso financiamento e ainda temos mais 15 anos para pagar. Não sei como vai ficar essa situação, temos seguro, mas não sabemos como será essa disponibilização. Está tudo muito incerto, não conseguimos dormir, não conseguimos dormir direito, preocupados. Minhas coisas ainda estão lá, toda a minha mobília, roupa, livros, todo meu investimento acadêmico de décadas está dentro da minha casa e não posso entrar para tirar”.
Patrícia reafirma que há pelo menos cinco meses, as explosões de rochas acontecem, numa frequência de três a quatro vezes por dia inclusive finais de semana e feriados. “Eram explosões muito fortes, que provocavam tremores no prédio, balançavam lustres, jogavam malas de cima do guarda-roupa. Tremores muito fortes, parecia mesmo terremoto”.
A moradora lamentou que ainda não tinha recebido nenhum contato de representantes ou proprietário do terreno.
Síndico afirma: “Nos orientaram a buscar assistência com o proprietário”
Uma reunião ocorreu nesta quarta-feira (9), entre representantes dos imóveis que estão em risco, da Defesa Civil, Secretaria de Meio Ambiente e assistência social do município.
Jander Antônio, síndico do Edifício Íris, enfatiza as orientações que teriam sido repassadas por parte da Prefeitura de Caratinga. “Nos orientaram a tentarmos entrar em contato com o proprietário, o Henrique. Vamos ter que fazer um documento, apresentar para ele, pedir uma assistência aos desalojados e ver se ele vai negar. Se ele negar a todos, não só no nosso prédio, a prefeitura vai intervir com alguma coisa. É uma coisa ridícula, sendo que quem está numa situação complicada tem que ficar correndo atrás disso ainda e a prefeitura que tem o poder pra isso não está fazendo. Indignação total”.
Jander destaca que prédio está desocupado, após orientação dos riscos. No entanto, os moradores precisaram buscar os próprios meios para moradia provisória. “Não tem nenhuma trinca no prédio, nada no prédio, mas, por questões de segurança, resolveram tirar todo mundo. A única coisa que a Defesa Civil repassou é que iria arrumar uma escola para levar todo mundo. É o que tinham capacidade de arrumar, mas, ninguém aqui aceitou. Entramos em contato com eles novamente e teve essa reunião, pensamos que ia resolver hoje, porque todo mundo está em casa de parentes, garagem de amigos, pagando aluguel”.
O síndico classifica a situação como “revoltante” e diz que os moradores vão decidir o que será realizado. “Você teve que sair da sua casa e a prefeitura fala ainda que você tem que correr atrás do proprietário para ver se você consegue alguma coisa. Agora, vamos tentar fazer isso, porque não temos escolha. Juntar os documentos, esperar o laudo do geólogo que é o mais importante, marcar uma reunião e buscar uma assessoria jurídica especializada que tem experiência em processos dessa magnitude”.
A respeito dessa situação, a assessoria de comunicação da Prefeitura emitiu a seguinte nota onde comunica que “em relação à situação do deslizamento ocorrido no último final de semana, o município irá se posicionar após o recebimento do laudo feito pelo geólogo”.
O QUE CAUSOU DESLIZAMENTO?
Conforme apurado pelos bombeiros, no local estava sendo feita a contenção de um talude, que já apresentava risco para área, inclusive um deslizamento já havia ocorrido em abril deste ano.
O geólogo Leonardo Souza, de Belo Horizonte foi contratado pela prefeitura de Caratinga para fazer as avaliações. Ele realizou os trabalhos na terça-feira (8) e irá emitir um laudo, com previsão de ser entregue na segunda-feira (14).
Ele destaca que trata-se de um posicionamento não em relação ao projeto realizado, mas, o risco da ocupação do entorno de onde aconteceu o deslizamento, para que os moradores fossem orientados e tivesse a segurança necessária de ficar em casa ou sair preventivamente.
Conforme Leonardo, essa área já havia sido identificada no Plano Municipal de Redução de Riscos. “O risco já havia sido constatado. Estava sendo executada uma intervenção estrutural para estabilizar a encosta, mas, algum problema aconteceu que essa intervenção não foi suficiente e agora aconteceu uma ruptura formada ao longo da encosta inteira com deslizamento, que colocou parte das residências na parte superior em risco”.
Para o geólogo é difícil dizer a causa específica do deslizamento. “Pode ser um conjunto de causas, porque isso vai desde a característica que o terreno tem, um desnível muito elevado, uma angulação muito inclinada em relação às bermas de equilíbrio que estavam sendo geradas. Talvez a intervenção com o concreto projetado não tenha sido suficiente para estabilizar a encosta inteira. Tem um conjunto de fatores que podem ter levado à ruptura, mas, isso depende de uma avaliação mais criteriosa para que se tenha a causa exata”.
Leonardo ainda frisa que, quando se faz um projeto de estabilização, há uma série de estudos para evitar problemas como o que ocorreu, incluindo sondagens e análises do solo. “Para que você remova a parte de baixo, você tem que ter do ponto de vista de projeto, a capacidade de entender como deve proceder para a parte de cima. Claro que o solo se comporta diferentemente da rocha, comportamentos de materiais diferentes tendem a trazer problemas diferentes, mas, isso tem que ser previsto na etapa de elaboração do projeto”.
Questionado se há possibilidade de ocorrer outro deslizamento desta proporção naquela área, Leonardo disse que “não dessa magnitude”. “Mas, ao mesmo tempo que aconteceu, um evento grande, de magnitude considerável, atingiu uma base onde, como aconteceu de domingo para segunda não tinha ninguém na parte de baixo. O trecho agora que pode romper, mesmo que seja menor, estamos falando de estruturas de edificação, aquela parte do galpão que ainda ficou pendurada mais um pedaço da casa geminada, então, isso vai trazer uma percepção achando que é um grande movimento, mas, vai ser menor que é o de lá”.
Em relação ao material rompido, que está depositado na base da encosta, o geólogo classifica como “importantíssimo” para garantir uma mínima estabilidade. “Não podemos removê-lo de forma alguma, senão se vai trazer implicações em relação à quem está na parte de cima”.
“Agimos para preservar a estabilidade do local e a segurança”
Por outro lado, o proprietário do terreno onde ocorreu o deslizamento, Hederson Henrique Teixeira, se manifestou por meio de nota encaminhada à imprensa, ressaltando solidariedade e preocupação com a população atingida. “Felizmente, não houve vítimas fatais, nem mesmo feridos, de forma que, embora estejamos falando de danos, os prejuízos sofridos são patrimoniais. Mesmo assim, estamos profundamente consternados com o ocorrido”.
Henrique disse que será preciso uma investigação completa visando apurar a real causa do deslizamento e, sobretudo, a sua origem e localização, como forma de se identificar as responsabilidades sobre cada evento específico. “Registramos que, desde o início de agosto, vínhamos tentando mitigar os riscos daquele local, que já tinha sofrido um abalo em meados de abril, com o deslizamento ocorrido no posto de combustíveis vizinho. Nossa intervenção foi dirigida a um problema que sequer foi causado por nós. Agimos para preservar a estabilidade do local e a segurança, executando ações para impermeabilização do local e estabilização do talude, que era constituído de uma mescla de solo e rochas alteradas e rochas sãs, para cuja contenção foi necessária a retirada das mesmas para acesso e conclusão dos serviços”.
O proprietário ainda disse que confia que as investigações que serão iniciadas irão comprovar que todas nossas ações, naquele local, acabaram por “diminuir” os danos causados, de forma que, sem elas, as consequências do desastre poderiam ter sido bem piores. “Lembramos que é um local complexo, com um loteamento instalado numa faixa de terrenos íngremes, situados imediatamente acima do local e cujas questões estruturais também devem ser investigadas com fatores coadjuvantes, ou como somatórios de potencial evento danoso”.
Para finalizar, acrescentou que todo apoio técnico ao seu alcance seria colocado à disposição dos atingidos, de modo a apurar as causas e as consequências atuais e futuras do desastre ocorrido na encosta. “Iremos empreender todos os esforços para garantir o atendimento adequado para tal intento, bem como para a apuração das responsabilidades por todos os danos causados”.
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NOTA DO PROPRIETÁRIO DO TERRENO
A respeito das providências tomadas pela proprietário do terreno, no final da tarde de ontem, ele emitiu a seguinte nota:
“Contratei um estudo de geologia e de engenharia para analisar as condições do evento.
Como tenho dito, não quero fazer afirmações sem embasamento técnico, mas nossas suspeitas apontam para outras causas do deslizamento.
Estou profundamente abalado e preocupado com todas as famílias que foram desalojadas e as consequências disso tudo. Mas também tenho afirmado que não posso ser apontado como pivô do ocorrido. É precipitada a conclusão de que as pessoas desalojadas e desabrigadas tenham que me procurar para receber assistência, uma vez que não sou o responsável pelo deslizamento. Também não teria condições de atender a todos.
Acredito e tenho fé que, se não fosse nossas intervenções no local, como drenagens, correções em redes pluviais e direcionamento das enxurradas no local, o desastre poderia ser bem maior e com consequências mais drásticas. Mas, como disse, um pronunciamento como este deve vir embasado, também, em dados técnicos. E é isso que vamos providenciar. Acho que esta providência já é um passo que irá auxiliar a todos e clarear os próximos passos. É através dela que iremos ter mais clareza sobre as responsabilidades decorrentes do acidente.
Assim que tiver mais dados entrarei em contato para nos pronunciarmos a respeito.
Novamente, expresso minha solidariedade a todos os afetados.
Atenciosamente,
Hederson Henrique Teixeira”