Para quem se encontra em um lugar afastado do resto do mundo tudo é mais especial. Os sinais que a natureza, as alegrias, as tristezas, os nascimentos e as mortes. Tudo é vivido com mais intensidade e, ainda que seja difícil, com mais coragem e determinação. Afinal, com o passar dos anos a vivência no campo mostra que muitas coisas nascem, crescem e morrem. Simples assim. A roça ensina a aproveitar os momentos e as oportunidades, ensina a sentir a calmaria da vida mesmo enquanto o coração e a mente gritam.
Durante o ano as lavouras de café, as flores em volta das casas e as demais vegetações que cobriam o solo perdiam o verde intenso e davam lugar a tons amarelados. As bicas de água, o rio e os poços que esbanjavam vida pouco a pouco perdiam-se, e a nós, que dependíamos de tal recurso, restava somente o medo e a preocupação. Todos moravam nas partes mais baixas, o mais perto possível de fontes de água e os morros ficavam reservados para as lavouras que contrastavam com fragmentos da mata atlântica.
Seca. Quando a água parecia fugir do campo a vida brincava de deixar de ser alegre. Pela boca daqueles que enfrentavam a mesma batalha há anos e, provavam tal feito com as marcas do tempo cravadas na pele, só se ouvia o clamor de quem pedia por chuva.
A religiosidade sempre esteve presente nos corações de meu povoado. Cruzeiros faziam parte da paisagem; alguns eram espalhados pelos cafezais, outros pregados nas portas e janelas das casas. Quando a estiagem se prolongava demasiadamente recebia de minha avó a missão de derramar uma garrafa de água benta, obtida através de uma oração transmitida pelo rádio, nos pés de um cruzeiro na lavoura de meu avô. Na minha cabeça não fazia muito sentido e, confesso que até hoje não faz, mas de alguma forma a confiança de que a chuva chegaria deixava os dias mais calmos e de fato, uma hora ela chegava.
O tempo seco parecia mexer com o consciente de todos nós, principalmente daqueles que não tinham outra opção senão vencer na vida a base da enxada. Ainda pequeno ficava preocupado ao ver a vermelhidão na pele dos homens que sempre foram exemplos a serem seguidos, meu pai e meus avós voltavam do trabalho abatidos, procurando aliviar o corpo e a mente.
A estiagem era desafiadora e cruel. Finalmente, quando a chuva chegava todos faziam questão de abrir as janelas para ver o dançar das gotas que apagavam a poeira das estradas e devolviam a alegria ao povoado. Caindo levemente, como quem não tem pressa pareciam fios de diamante, tão valiosos como tal. Quando a chuva chegava durante a noite poucos eram capazes de percebê-la devido ao cansaço, mas ao amanhecer levantavam-se maravilhados, com o sorriso de quem foi agraciado com um milagre.
O melhor de tudo era ir visitar minha avó alguns dias após o seu pedido ter sido atendido e ouvir sua voz doce e cansada dizendo “viu, meu filho? O céu tarda, mas não falha. Veja só as plantas, como estão alegres!”, de fato, as plantas estavam muito mais belas, assim como o sorriso de minha avó. Dona Maria me ensinara muito sobre a vida com pequenos atos. Com seu jardim me mostrou que não se planta uma flor senão para vê-la crescer e florescer, levando felicidade para quem a cultivou, porém, um dia a flor irá cair e secar; assim como tudo e todos nesse mundo. Tudo na vida tem início, meio e fim. Assim como os dias bons, os dias ruins também terminam.
Aos poucos eu descobria que as pessoas mais felizes do mundo são as que enxergam vida no que para alguns é cotidiano e monótono. Com a roça e as pessoas que dividiam aquele espaço comigo, aprendi que assim como o campo é melhor ter um espírito vivo do que seco e, para permanecer vivo é preciso aprender a deixar chover lá fora e chover cá dentro.
Daniel Dornelas