* Laneri Diana da Silva
Um homem negro tomava seu café, parado na porta de um pequeno boteco na esquina daquela rua. Olhava, com olhos vazios, o curto horizonte da rua à sua frente. Ventava frio, e o café preto exalava a fumaça em meio às vozes dicotômicas de seus companheiros em frente o balcão. Alguns passos à frente e ele ainda tomava o seu café. Copo na mão. De vidro mesmo, copo americano, copo brasileiro. Copo sujo dos pequenos botecos das manhãs de segunda-feira, na esquina de uma rua de uma cidade qualquer.
O homem, que aparentava seus 45 anos, trabalharia muito naquela semana. Talvez ganhasse menos do que deveria. Talvez nem ganhasse. Talvez não ganhasse o suficiente para o pão da semana. Já que o pão encarecia e o trabalho escasseava. Muito provavelmente deixara esposa e filhos em casa, e todo esse complexo de ideias atravessava-lhe a mente enquanto fitava o curto horizonte da rua.
Não. Não poderia falhar. Trabalharia arduamente, a semana inteira, num desses serviços que não nos imaginamos a fazer. Sob o sol quente ou sob a chuva fina daqueles dias e, no domingo, levaria sua esposa e filhos à igreja. Crianças bem penteadas e limpas. Agradeceriam. Joelhos no chão, mãos estendidas apalpando o ar. Posso ouvir as preces silenciosas daquela mãe, e os murmúrios indecifráveis daquelas crianças franzinas que no momento da oração, não sabem direito em que pensar. Agradeceriam pela saúde, sim, pela saúde. E pediriam por mais saúde para continuar trabalhando.
Enquanto isso, nos jornais lemos as mesmas notícias: corrupção, lavagem de dinheiro, tríplex. E, no fim, a campanha eleitoral, sempre prometendo as mesmas coisas, sempre as políticas públicas. E sempre os escândalos públicos envolvendo as propinas feitas do dinheiro e dos impostos que saem diretamente dos bolsos dos trabalhadores negros, brancos, professores e doutores que acordam cedo nas segundas-feiras e, tomando um café no boteco da esquina, ou em suas belas casas, lembram-se amargamente das contas do mês. Mas não comprometo-me aqui a tecer comentários políticos sobre coisa alguma. Não faria mesmo a menor diferença. Não sou disso. Aliás, quem teria tempo para folhear esse singelo jornal e sorver a caligrafia rápida desta ocupada trabalhadora?
Apertei o passo e passei em frente ao boteco. Bolsa nos ombros, lenço no frágil pescoço protegido contra o vento e os olhos apertados observando a fumaça do copo do homem que se esvaía desenhando sinistras formas pelo ar. Mas a lufada de vento que se seguiu levou os desenhos consigo, e eu segui viagem. 5 a 10 minutos até o trabalho. E como era cansativo! Pesada aquela bolsa. Bom, acabara o café, a fumaça também e aquele breve momento invisível ficou gravado numa das telas a óleo da convenção do tempo, que atravessa tudo o que foi e o que ainda será.
A realidade era palpável, como jamais o imaginei. A realidade e a poesia têm cor e forma. Têm tato e sabor. Têm cheiro e gosto de café. Café preto, num copo de vidro. De vidro mesmo, copo americano, copo brasileiro. Copo sujo dos pequenos botecos das manhãs de segunda-feira, na esquina de uma rua de uma cidade qualquer. A realidade prostrava-se diante de mim e escapava-me entre os dedos.
Quisera eu que minha primeira crônica tratasse especialmente de alguns dos temas políticos que refletem nosso dia a dia, mas optei por descrever uma cena que se faz presente desde tempos antigos – onde a injustiça começou a florescer em nosso país, fazendo com que algumas pessoas sentissem, na pele escura, toda maldade e crueldade dos poderosos governantes que assolam nosso país até hoje.
A cena que transcorrera perante mim precisava, sim, tomar forma e ganhar o papel, por mais real e concreta que fosse e não tão abstrata e intangível como o quisera toda a minha percepção de vida.
Laneri Diana da Silva Vicente. Pós-graduada em Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa. Professora de Língua Inglesa na Escola Professor Jairo Grossi. Professora do Centro Universitário de Caratinga (UNEC)
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