* Eliza Cristiane de Rezende Marques
“Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d’água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.”
Parece ironia, o fragmento é um trecho de uma carta que, em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, enviou ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo tentar comprar o território ocupado por aqueles índios. Relatos históricos como esse me encantam e me assustam. Mas o desabafo, feito há mais de um século e meio, do cacique tem uma incrível atemporalidade.
O cacique estava certo e nós, “homens civilizados” sempre com nosso etnocentrismo exacerbado não demos ouvido. Ah!! Quantos ensinamentos são deixados pela experiência vivida em outros tempos e, simplesmente, negligenciados por nós.
Esta é a sensação que tenho ao relembrar os artigos que li, nos últimos meses, nos mais renomados meios de informação bem como noticiado nos diferentes recursos midiáticos. Falta d’água, escassez, esgotabilidade, volume morto, crise ou colapso hídrico? Cenário e problemática vivenciada pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro,…Minas Gerais improvável para uma região rica e próspera como a nossa. Seca nos remete ao Nordeste, como bem apresentou Graciliano Ramos em Vidas Secas. Não é cenário comum à região Sudeste.
Levamos nossa vida sem nos preocuparmos com os recursos que são disponíveis para nós na natureza, como o ar que respiramos, a água que utilizamos para viver, tudo parece inerente à vida humana, não pensamos nela como algo vital, de repente, percebemos com melhor clareza, o distanciamento e até uma certa resistência que temos quando se discutem questões pontuais em que o homem necessita quebrar o fluxo de consumo e de exploração dos recursos naturais.
Água. Que bem é este? A água, esta, sim, doce e límpida me atrai, não existe vida sem ela. O principal componente químico do nosso corpo é um bem imprescindível ao ser humano, aos animais e às plantas, enfim, responsável pela vida no nosso planeta. Nada como um verão seco e escaldante como este verão de 2015 para lembrarmos dela. Um verão intenso, sem chuvas vemo-nos ameaçados pelo seu desabastecimento. Enfrentamos agora o desafio de encontrar alternativas para o consumo consciente planejado e sustentável.
De acordo DENER GIOVANINI, em artigo publicado no Estadão, a falta de água não é uma “crise” apenas por que ela não será passageira. Os fatores que levaram ao esvaziamento das represas não cessarão subitamente. Recuperar as Matas Ciliares que protegem os rios do assoreamento, reflorestar grandes áreas para manter a perenidade das nascentes, cessar o desmatamento da Mata Atlântica e da Amazônia, substituir uma prática agrícola predatória e, principalmente, adotar um novo modelo de desenvolvimento, não são medidas fáceis de serem adotadas. O Brasil está começando a vivenciar o seu primeiro colapso ambiental.
Independente do que estamos vivendo, seja colapso ou crise, comungo com o ilustre e autêntico cientista Albert Einstein quando se refere às crises. “Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor bênção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar ‘superado’. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais os problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência… Sem crise, não há desafios; sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um…”
Somos esperançosos, sim, que este colapso ou esta crise sirva de lição para cada um de nós cidadãos, sujeitos políticos e históricos, no sentido de repensarmos o consumo consciente e sustentável; e aos nossos líderes, esperamos que eles encontrem mecanismos viáveis, pontuais e urgentes, não mascarem dados, não adiem soluções que se apresentam como necessárias e imediatas. Precisamos sim, sair da postura de culpabilização e denúncia para ação. Chega de transferirmos, para o outro, o que é de responsabilidade de cada um de nós.
* Eliza Cristiane de Rezende Marques é professora de Redação e Literatura da Escola “Prof. Jairo Grossi”, docente do Centro Universitário de Caratinga- UNEC, Pedagoga, graduada em Letras pela UNEC-MG. Especialista em Leitura e Produção de Textos pela PUC MG, Pós-graduada em Docência do Ensino Superior e Psicopedagogia UNEC-MG. Mestre em História Social pela USS-RJ.
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