Advogado explica o que é este tipo de delito e comenta como a lei pune estes criminosos
CARATINGA – No mês de dezembro, a intimidade de um casal foi exposta para milhares de pessoas. Hackers invadiram o computador do casal e encontraram vídeos e fotos íntimas. Indignado, o casal registrou ocorrência. Em um trabalho rápido, a Polícia Civil de Inhapim identificou Rui Miguel de Carvalho, de Caratinga, José Santana Júnior e Diego Monteiro da Cunha, de Dom Cavati, como os suspeitos de terem praticado o crime.
O advogado Max Capella Araújo representa o casal vítima dos hackers. Ele explica o que é considerado crime virtual e como a legislação brasileira punes estes infratores.
O que são crimes virtuais?
Crimes virtuais são os delitos praticados através de computadores, ou qualquer outra máquina, ligados à internet, que podem ser enquadrados no Código Penal Brasileiro, levando a punições como pagamento de indenização ou prisão.
Quais são os delitos mais praticados através da internet?
Muitos são os tipos penais que podem ser cometidos virtualmente. Até mesmo crimes que parecem necessitar da presença física do autor ou da vítima podem ser cometidos através da rede. Exemplo do furto, da ameaça, dos crimes contra a honra, da apropriação indébita, do favorecimento da prostituição, da apologia ao crime, da pedofilia, dentre muitos outros. Mas o que mais nos chama a atenção, com certeza, é a pedofilia, os crimes contra a honra e agora, acrescentado pela Lei 12.737/12, o crime de invasão de dispositivo informático.
Como estes crimes são enquadrados no Código Penal Brasileiro?
Cada um dos delitos deve ter sua tipificação especificada no Código Penal Brasileiro, ou seja, deve ser previsto como crime. Quando eu disse antes que os crimes podem ser enquadrados no Código Penal, quis dizer que, se a conduta do agente não tiver previsão legal, ele não poderá ser punido. O Código Penal é muito claro em seu artigo primeiro, quando diz que não há crime sem lei anterior que o defina e que não há pena sem prévia cominação legal. Quer dizer que, se o fato praticado não está previsto na lei, não é crime; e que, mesmo definido como crime, se não houver uma sanção específica para tal fato, não haverá pena. Dessa forma, para deixar mais claro, temos a parte especial do Código Penal Brasileiro que se inicia no artigo 121, a partir de onde são tratados os crimes e as penas. A conduta que não estiver ali, não é crime.
Qual sua avaliação da Lei 12.737/2012, conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”?
A referida lei veio como resposta à repercussão que teve o caso da atriz Carolina Dieckmann. Já não era hora, mas acredito que o legislador deixou muito a desejar. Primeiro, quando cominou a pena ao delito de invasão de dispositivo informático. Poderia o legislador, no caso de invasão de dispositivo informático alheio, aumentar a pena quando, através dos dados obtidos pela dita invasão, fossem esses divulgados. Quero dizer: quando uma pessoa invade um computador, obtém dados de outrem e divulga tais dados, merece uma reprimenda maior por parte do Estado Juiz. Está definido na Lei que a pena prevista para a invasão é de três meses a um ano de detenção, e multa. Segundo, quando determinou qual o tipo de ação será necessária para a aplicação da lei. Nos crimes definidos nessa lei, o Estado somente procederá mediante representação da vítima, quer dizer, só haverá investigação ou processo criminal, se a vítima representar contra os autores do delito. Isso dificulta muito a punição, seja por não ser fácil descobrir a autoria delitiva, seja por receio da exposição ainda maior dos fatos. Trata-se da ação penal privada ou condicionada à representação da vítima. Por outro lado, a lei diz que, se os crimes forem cometidos contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos, não é necessária a representação. A ação penal passa a ser pública incondicionada. Quer dizer, para o cidadão comum, que na maioria das vezes, não detém recursos técnicos ou conhecimento necessário, necessita-se de representação. Já para o Estado, que detém todos eles, é desnecessária essa representação.
Agora, se tratando do casal que teve fotografias e um vídeo íntimos divulgados pela internet. Qual crime os hackers cometeram e a quais penalidades estão sujeitos?
Nesse caso específico, os hackers invadiram o computador de uma das vítimas onde estava armazenado esse material e, somente depois, os divulgou pela internet. Dessa forma, foram cometidos dois crimes. O primeiro, quanto à invasão, está previsto no artigo 154-A do Código Penal Brasileiro, denominado Invasão de dispositivo informático, para o qual está prevista pena privativa de liberdade de três meses a um ano de detenção e multa. O segundo crime, quanto à divulgação do material, está previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro, denominado Injúria, para o qual está prevista pena de 01 um a seis meses de detenção, ou multa. A diferença entre as punições está no tocante à multa. Enquanto na invasão a multa é cumulativa com a pena privativa de liberdade, na injúria ela é alternativa, ou seja, o juiz pode aplicar a pena privativa de liberdade ou somente a multa.
Ainda sobre estes hackers, cabe indenização ou eles podem ser condenados à prisão?
Os dois casos são passíveis de ocorrer, ou seja, podem ser presos e, ainda, serem obrigados a pagar indenização às vítimas. Ocorre que a prisão dos mesmos, em face do quantum da pena, será situação extrema, tendo em vista que a lei brasileira estabelece benesses para os acusados e/ou condenados, tais como substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito. Exemplo, caso condenados criminalmente por tais crimes, a pena de prisão pode ser substituída por pagamento de pena pecuniária, a mais conhecida como pagamento de cesta básica, a qual será endereçada a entidades, bem como poderá ser substituída por prestação de serviços gratuitos à comunidade. Tudo vai depender da situação pessoal de cada condenado, se o mesmo tem direito a tal substituição ou não, através de diretrizes também previstas em lei. Quanto à indenização, passamos da esfera criminal para a esfera cível, ou seja, deverá ser proposta pelas vítimas, junto ao juízo cível, uma ação de indenização por danos morais e/ou materiais. Dessa forma, o juiz, se julgar procedente o pedido das vítimas, após o regular trâmite do devido processo legal, estipulará o valor da(s) indenização(ões) a serem pagas de acordo com o seu entendimento em razão do quantum da ofensa sofrida por estas.
O mundo virtual tomou conta do nosso cotidiano. Nossa vida está na internet. Ao mesmo tempo, não temos muita segurança neste ambiente virtual. O que fazer quando você vê o seu direito, sua privacidade, sua propriedade intelectual, seus bens roubados por meio da internet?
A primeira providência a ser tomada quando você vê o seu direito, sua privacidade, sua propriedade intelectual, seus bens roubados por meio da internet é procurar imediatamente uma delegacia de polícia e registrar uma ocorrência. Também de imediato, deve tentar descobrir quem é o autor do crime para tentar agilizar todo o procedimento. Caso a vítima não disponha de meios para identificar o autor do delito, isso ficará a cargo da investigação. Dependendo do crime cometido, deve-se também formular uma representação criminal junto à autoridade policial, como eu disse antes, para possibilitar a investigação policial. Após, concluídas as investigações, identificados e indiciados os autores, o Poder Judiciário é quem passará a agir, processando e condenado ou não os, já então, réus. Se for o caso, a vítima deverá também propor a já citada ação de indenização por danos morais e/ou materiais no juízo cível do Poder Judiciário.
Muitos não se dão conta, mas como dito anteriormente, caluniar uma pessoa pelas redes sociais é crime. Poderia falar mais sobre esse assunto.
O crime de calúnia está tipificado no artigo 138 do Código Penal Brasileiro que reza: Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Dessa forma, dizer que alguém cometeu um determinado crime, sem que essa pessoa tenha efetivamente cometido o delito imputado, é crime punido com detenção de seis meses a dois anos de detenção. E o tipo penal não especifica como deve se dar essa falsa imputação. Então, a propagação da calúnia, seja de que forma for, será sempre fato definido como crime, seja de forma verbal, por escrito, pela mídia, pela internet etc. O mesmo ocorre com os crimes de difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos artigos 139 e 140, também do Código Penal Brasileiro, senão vejamos: Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa; Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Tanto quanto ocorre com a calúnia, tais tipos penais não especificam como deve se dar essa difamação ou a injúria. Então, a propagação de tais assertivas, seja de que forma for, será sempre fato definido como crime, seja de forma verbal, por escrito, pela mídia, pela internet etc. Vale destacar que, no caso da difamação, a imputação não necessita ser falsa. Ainda que verdadeira, haverá o delito. Necessário se faz apenas que seja um fato determinado e que haja o dolo do agente em difamar a vítima, ou seja, que o agente esteja munido da vontade de difamar. Entretanto, não haverá difamação se a imputação não chegar ao conhecimento de terceiros, ou seja, é necessário que, grosso modo, a notícia se espalhe. Já no caso da injúria, não há a imputação de um fato, mas a opinião que o agente dá a respeito do ofendido. Na injúria, o atentado é contra a honra subjetiva da vítima, ou seja, o sentimento que cada pessoa tem a respeito de seu decoro ou de sua dignidade. Trocando em miúdos, o que pode ser considerado injúria para uma pessoa, pode não o ser para outra. Há de existir o dolo específico e, diferente da difamação, não necessita chegar ao conhecimento de terceiros. Basta que a vítima tome conhecimento da injúria. Vale lembrar que no caso de injúria, não se admite a retratação do autor. Ainda que ele tente se retratar, o delito estará consumado. Por fim, devemos estar cientes de que quaisquer dos crimes citados podem ser cometidos via internet. Deve-se ainda ficar a tento que, dependendo do meio utilizado, haverá o concurso de crimes, ou seja, além dos aqui citados, injúria, difamação e calúnia, podemos estar diante também do crime de Invasão de dispositivo informático, tal como ocorreu contra o citado casal que teve fotografias e um vídeo íntimos divulgados pela internet.