Jovem de Vargem Alegre faz faculdade de Medicina com muito trabalho e ajuda de doadores
VARGEM ALEGRE- Um sonho que parecia distante, mas, que se tornou realidade. Essa é a história de Naassom Israel Corrêa dos Santos, 23 anos, estudante de Medicina. O jovem está cursando o 7° período de um curso considerado como dos mais concorridos e a oportunidade de ingressar na sala de aula se deu através de muito trabalho e ajuda de doadores.
O INÍCIO
Israel, como é conhecido, é natural de Caratinga, mas, mora em Vargem Alegre desde criança. Foi na considerada cidade dos médicos, que nasceu este sonho. “Sempre quis ser médico desde criança, mas, acredito que o que me influenciou mesmo, o que aguçou essa vontade, foi o fato de minha avó nos anos de 2012/2013 ter desenvolvido doença de Alzheimer. Nesse período fiquei bastante abatido, queria cuidar dela a maior parte do tempo, mas, eu não tinha conhecimento para isso. Mas, mesmo muito novo, eu buscava pesquisar na internet sobre a enfermidade, a patologia dela, quais eram as probabilidades de isso ter cura e aquilo me deixava bastante aflito, com vontade de entender um pouco mais. Isso foi o que determinou essa vontade minha de fazer Medicina”.
Conforme o estudante, apesar do objetivo do Ensino Superior, os anos de 2017 e 2018, posteriores ao Ensino Médio, foram difíceis, pois, ele viu a necessidade de custear um cursinho pré-vestibular em Caratinga. “Então, eu dava aulas todos os dias para várias crianças aqui da cidade, dava aula particular, alfabetizava algumas crianças e com o valor eu conseguia pagar o cursinho para ir para Caratinga a noite estudar. Mas, era muito difícil, porque eu começava 7h e terminava quase na hora do cursinho começar. Às vezes eu conseguia pegar o ônibus, às vezes eu perdia, mas, eu sempre ia. E depois de tentar várias vezes passar no Enem, em vestibulares também, vi a oportunidade de ir para o Paraguai, que fica na divisa com o Brasil e iniciar a faculdade lá na cidade de Pedro Juan Caballero”.
Com a viagem se aproximando, Israel começou a se preocupar com outras despesas que precisaria custear. “Foi bem difícil de início, porque trabalhei o ano todo tentando juntar dinheiro com essas aulas particulares, mas, não é somente ir, tinha que pagar as passagens, comprar alguns móveis, porque de início eu ia morar sozinho. Eu precisava comprar livros, apostilas, alguns equipamentos que são necessários na Faculdade de Medicina e, então, quando terminou o período letivo em dezembro de 2018, não tinha ninguém mais querendo fazer aula particular, porque a criançada entra de férias. Eu precisava fazer mais alguma coisa para arrecadar um valor a mais”.
O jovem então ganhou 1.250 livros de amigos da igreja que frequentava, para que ele trabalhasse vendendo-os em cidades vizinhas. “Mandei fazer uma camiseta que diz: “Ajude-me a ser um médico”. E atrás coloquei “Futuro Dr. Israel”. Eu ia de casa em casa, nas cidades, tenho amigos em Caratinga, Iapu, Coronel Fabriciano, Ipatinga… Eu ficava alguns dias, ia de porta em porta entregando esses livros e falando que as pessoas poderiam me ajudar num valor do coração. Esse trabalho que eu fiz nas férias, juntamente com todo o ano trabalhando com as crianças, consegui o valor para iniciar os meus estudos lá na faculdade”.
A SAGA
Já em solo paraguaio, Israel enfrentou mais dificuldades financeiras, tendo em vista as despesas no novo País. Mesmo assim, ele não desanimou e procurou algumas formas de complementar a renda. “O meu primeiro ano acho que o foi o mais difícil, porque foi o começo. Precisei fazer várias coisas na faculdade, graças a Deus, no meu segundo período passei na monitoria de Histologia, comecei a dar aula dentro da faculdade e como os alunos gostavam, me contratavam por fora para dar aula para eles particular, em casa. Eu conseguia juntar um valor que me ajudava também nas despesas da casa. Trabalhei como garçom lá também em alguns restaurantes lá, várias coisas. No meu segundo ano já, precisei fazer alguma coisa nas férias para conseguir arrecadar dinheiro para voltar, então fiz trufas. Na verdade até hoje tenho um pouco de dificuldade de comer chocolate por conta da quantidade de trufas que eu fiz para vender. Eu vendi mais de cinco mil trufas em várias cidades”.
O estudante conseguiu arrecadar o valor para começar a faculdade, mas, anualmente as mensalidades sofrem reajuste e o dinheiro com a venda das trufas já não eram suficientes. Nascia ali uma nova contribuição, por meio de doadores na internet. “Meus amigos fizeram vaquinha online para me ajudar, foi em tempo recorde mesmo, acho que até hoje recebo mensagem de pessoas me pedindo ajuda para fazer vaquinha online para alguma necessidade que elas precisam. Geralmente quem faz a vaquinha online fica meses esperando arrecadar o valor que precisa para poder conseguir aquele objetivo. E minha vaquinha online, em uma semana e meia conseguimos quase R$ 10.000. Foi muito rápido mesmo”.
Mas, a saga do estudante não parou por aí. Ele conseguiu voltar para a faculdade, mas, já no segundo ano letivo, com algumas disciplinas mais específicas, foi necessário comprar alguns materiais adicionais, que também eram caros. “Me ofereci para alguns amigos meus que têm um pouco mais de condição financeira, inclusive tem até um de Caratinga que morava lá e fazia Medicina com a gente, para limpar o quarto deles. Eles moravam em pensionatos, eu limpava os quartos deles, lavava as roupas e conseguia um dinheiro a mais para comprar as coisas que eu precisava e manter na faculdade durante o segundo ano”.
O tempo passou. 2020, ano da pandemia de covid-19. As aulas tornaram-se praticamente 100% online, então, Israel optou por retornar para Vargem Alegre. “Decidi vir para casa para terminar o ano letivo aqui e fazer as matérias que eu tinha que terminar de modo online, assim, eu economizava o aluguel e outras coisas porque eu estaria em casa”.
O mesmo ano foi marcado pela campanha política para o pleito municipal. O que ele não esperava era que a disputa acirrada afetaria também a sua vida. “Aqui sempre tem dois partidos, você está de um lado ou do outro. Decidi me manifestar de um lado que era contrário ao que a minha família sempre esteve. Durante todo o ano na verdade sempre recebi mensagens de algumas pessoas, tanto no Facebook, quanto no Instagram dizendo para mim que minha mãe era empregada doméstica, então, eu tinha que me conformar com uma coisa menor. Eu deveria ser uma pessoa que trabalha em lavoura de café ou um balconista de supermercado, que inclusive não são profissões menores, são dignas e precisas nos dias de hoje. Mas, falavam que eu deveria ter uma dessas profissões ou escolher um curso menor. Sempre me minorizando e as profissões dos outros, eram ataques que eu recebia de forma privada”.
Segundo o jovem, ele excluía a mensagem e seguia em frente. No entanto, uma postagem mudou todos os rumos de sua trajetória até ali. “Nesse período da política, como me manifestei de um lado político, essas mensagens deixaram de ser privadas e passaram a ser públicas. Um fake no mês de novembro fez um post no Facebook e me marcou, falando que não era mais para as pessoas me ajudarem, me darem uma força, fazer doações nas vaquinhas online ou me ajudarem de forma privada, porque eu escolhi um partido e não deveria fazer isso, pois eu vivia de doações. Aquela publicação logo foi excluída, a pessoa deve ter percebido que sou muito querido na cidade e teve uma longa repercussão, mas, outras pessoas foram replicando aquela publicação de uma forma para me ajudar”.
CONSTRUTORES DE UM SONHO
Israel se recorda que a publicação teve um alcance de nível mundial. Várias pessoas, inclusive de outros países, começaram a mandar mensagens, sensibilizadas com a sua história e decidiram começar a ajuda-lo. “Muitas pessoas me ajudam, mesmo que com bem pouquinho, mas, para mim é como se fossem milhões, pois, elas tiram o suor delas para acreditar no meu sonho. Elas vivem o meu sonho junto comigo. A publicação que veio para me diminuir acabou em ajudando a chegar até onde estou hoje”.
A partir desse momento nasceram os construtores do sonho de Naassom Israel Corrêa dos Santos, que passa pelas mãos de várias pessoas, que contribuem financeiramente, mas, também dão suas palavras de apoio ao estudante. “Agradeço muito. Oro todos os dias por essas pessoas, sou muito feliz por elas terem chegado na minha vida e acreditado no meu sonho”.
Ainda há mais caminhos para percorrer até o tão esperado diploma. Para ele não há mais o que temer, basta acreditar que é capaz. “Eu passaria por tudo de novo, porque acredito que isso me ensinou muito, a ser mais humilde, a acreditar que é possível. Acredito que todas as pessoas têm o mar da vida para atravessar, algumas têm o objetivo de se tornar médico, outro de construir a casa própria, se tornar um engenheiro… Cada um tem um mar que quer passar por ele e chegar do outro lado. Deus vai abrir o mar para você, mas, antes você tem que colocar o pé na água e acreditar que é possível atravessar”.
O jovem que saiu de sua cidade do interior de Minas, entrou num ônibus e viajou dois dias atrás de seu sonho, deixa a mensagem de perseverança. “Lembro que os pais levavam os filhos de carro para a faculdade e eu sempre fui e voltei sozinho. Quando você arrisca e corre atrás, você consegue entender que na verdade a humildade é a base de tudo. Tudo isso que eu passei, com certeza me tornou uma pessoa mais humana e com certeza vou ser um médico mais humano. Vou olhar o outro lado do paciente. Serviu para eu entender que a vida é dura, mas, que com fé em Deus, batalhando e acreditando em você mesmo, é possível atravessar o mar”, finaliza.
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