Na Apologia de Sócrates, Platão nos narra a defesa de Sócrates contra a acusação que lhe fora feita de perverter a juventude ateniense. No início da primeira parte de sua defesa, Sócrates nos conta sobre a revelação feita pelo oráculo de Delfos, que havia dito que ele, Sócrates, era “o mais sábio dos homens”. Depois disso, Sócrates, surpreendido com a sentença do oráculo, decide avaliar sua pretensa sabedoria junto daqueles que eram considerados sábios, indo ao encontro de pessoas que ele julgava ser mais sábias do que ele, dentre as quais estavam os políticos, os poetas, e os artífices.
Ao se encontrar e conversar com alguns políticos, pensando que esses eram mais sábios do que ele, Sócrates percebeu que ele era mais sábio que os políticos com os quais conversou, pois, segundo ele, os políticos pensavam saber alguma coisa, quando, na verdade, não sabiam de nada, ao passo que ele tinha consciência de que nada sabia.
Depois dos políticos, Sócrates foi aos poetas, considerando que os poetas fossem mais sábios do que ele, mas, ao se encontrar e conversar com alguns deles, Sócrates percebeu que os mesmos não entendiam os seus próprios escritos, tendo menos compreensão do que qualquer outra pessoa sobre aquilo que escreveram. Sócrates também percebeu que, por causa de suas poesias, os poetas julgavam ter conhecimento e serem sábios em outras coisas, nas quais eles não eram.
Por fim, Sócrates vai até aos artífices, os quais ele julgou ser instruídos em muitas e belas coisas, e que eles tinham conhecimentos sobre coisas que ele não tinha, e que eram muito mais sábios do que ele. Mas, mesmo com toda perícia, conhecimento, e sabedoria em sua arte, Sócrates encontrou um erro nos artífices: por serem peritos, profissionais, e sábios no que faziam, os artífices, assim como os poetas, pensavam ter autoridade e conhecimento sobre outras coisas, se considerando sábios em outras áreas de maior importância, nas quais eles não tinham conhecimento, e esse erro, segundo Sócrates, obscurecia o seu saber, a sua real sabedoria.
Assim como os personagens interrogados por Sócrates, vivemos em uma sociedade em que todos nós pensamos ser instruídos e sábios em diferentes assuntos, todos nós consideramos conhecedores sobre temas sobre os quais, na realidade, não conhecemos, e damos opinião sobre assuntos dos quais não temos instrução alguma. De certa forma, o mundo sempre foi assim, as pessoas sempre foram e serão assim; cada um se toma em mais alta conta do que realmente o é. Mas, em nossa sociedade atual, o ato de emitir opinião sem ter real conhecimento de causa recebeu um grande impulso, primeiramente, pelas mídias televisivas, e hoje, em maior escala, pelas redes sociais, de forma que hoje todos opinam sobre tudo, todos dão sua visão e sua opinião sobre inúmeros assuntos, dos quais muitos não conhecem realmente, de maneira que, na atualidade, muitos chegam a pensar que tudo é questão de opinião. Outros, como os poetas e artífices narrados por Platão, por terem conhecimento em determinada área, ou por exercer com maestria determinado papel, se consideram sábios também em outras áreas, quando na realidade não o são, e acabam obscurecendo seu real conhecimento.
Que no meio de tal turbilhão de opiniões e informações desencontradas, no meio de tanta gente “sábia” aos seus próprios olhos, que exalam arrogância e buscam se exibir, venhamos reconhecer que a nossa ignorância e falta de conhecimento sobre as coisas é muito maior do que a pequena parte que realmente sabemos, de forma a nos mantermos humildes, prontos para aprender cada vez mais, tendo a consciência, assim como Sócrates, de que nada sabemos, e de que ainda há muito para aprender.
Wanderson R. Monteiro
(São Sebastião do Anta – MG)