José do Carmo Veiga de Oliveira
Esse termo é novo no mundo dos negócios em termos de Brasil. E para muitos ainda tem um sentido único e ignorado, dada exatamente à sua natureza e, especificamente, a ausência de um conhecimento exato e correto do que significa, e, muitas das vezes, os próprios “donos do negócio” ainda não se preocuparam, efetivamente, em buscar uma compreensão do que representa esse novo vocábulo para o mundo dos negócios. E não estamos nos referindo especificamente àqueles “negócios”. Estamos nos referindo ao que ocorre tanto nas empresas privadas como nos órgãos governamentais, nas relações comerciais e de prestação de serviços que ocorrem, em grande parte, de modo recíproco em que ambos os contratantes devem buscar uma linha de contratação compatível com as regras da legalidade, moralidade e, sobretudo, de conformidade. Isso quer dizer, agir de conformidade com as regras internas e externas, sejam em relação às empresas, aos órgãos governamentais e/ou particulares.
O próprio contribuinte está e deve sempre permanecer de modo a atender às exigências governamentais à luz dos dispositivos que a lei estabelece como método de bom relacionamento. O governo, por sua vez, em qualquer dos seus níveis de governança, deve, igualmente, submeter-se às regras estabelecidas, inicialmente, pela Constituição da República e, assim, pelos demais regramentos que normatizam a condução de suas ações em nome do povo, pelo povo e para o povo.
Isso exige, naturalmente, uma conduta ética, responsável e, sobretudo, honesta. Não se pode, definitivamente, à luz do ordenamento jurídico pátrio, mormente o de natureza penal, obter vantagem ilícita para si ou para outrem, em razão do cargo público ou função que exerce, independentemente de qualquer possibilidade que se lhe apresente para beneficiar-se.
É inequívoco que essa “nova” palavra que se insere no vocabulário da Língua Portuguesa e no contexto das relações entre empresas e governos e também entre particulares, indica o modus faciendi desse relacionamento, tendo por desígnio regular as relações comerciais e prestacionais, mormente de serviços e edificações entre público e privado, e, assim, de conformidade com os regulamentos internos e externos às empresas e órgãos públicos, entre particulares e particulares, de modo a se buscar um novo modelo de relacionamento pautado em um conjunto de instrumentos que venham assegurar a fiel observância de todas as regras e políticas que haverão de reger os negócios.
Não há dúvida que instituições públicas, filantrópicas ou sociedades empresárias possuem uma perspectiva no campo de sua “missão, visão e valores”, sempre definidos pelos seus gestores de conformidade com o objeto que move e dirige a sua normatização estatutária ou contratual. Isso se aplica tanto à própria empresa como ao “outro” – para lembrar alteridade – com quem se haverá de contratar.
Restam claro que não se pode considerar simplesmente a instituição por meio de sua “missão, visão e valores”. Há uma necessidade imperativa de aplicabilidade tal que a sua inobservância implicará, naturalmente, na própria desconsideração de parte daqueles que com ela poderiam contratar ou celebrar negócios bilaterais. Todavia, as regras devem ser claras, precisas e exigem fiel observância e cumprimento, seja em nível interno, e, por óbvio, com instituições na ordem internacional, voltando-se o olhar para o mundo globalizado.
A origem dessa modalidade de relacionamento comercial, empresarial e prestacional teve os primórdios como fruto do mercado financeiro que é intensamente regulamentado por normativos de vários países de extraordinário avanço tecnológico, econômico, político e cultural, de modo a garantir o fiel cumprimento de suas regras e legislação. Daí por diante avançou de modo a alcançar as mais variadas modalidades de negócios, máxime em um ambiente globalizado, onde as transações são celebradas depois de intensas negociações, sempre pautadas na segurança jurídica. Assim, há uma necessidade incessante no sentido de redução dos riscos, sob quaisquer perspectivas de suas análises.
Lateralmente, a palavra corrupção, segundo o Dicionário Michaelis, consiste no “ato ou resultado de corromper; corrompimento, corruptela; na decomposição de matéria orgânica, geralmente causada por microrganismos; putrefação; na alteração das características de algo; adulteração; degradação de valores morais ou dos costumes; devassidão, depravação; no ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros; uso de meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para terceiros”. (Disponível em http://michaelis.uol.com.br/busca?id=we1w acesso em 20/04/2019).
Todavia, o fato é que a despeito de tudo quanto sempre se soube é que nunca até então se buscou, efetiva e verdadeiramente, investigar o largo caminho da corrupção no Brasil. Essa é uma vertente nas relações negociais e, nos últimos anos, tornou-se uma “atividade criminosa” que sempre passou in albis.
No entanto e, a despeito disso, estamos apenas diante de pequenos passos, tomando-se, talvez, como ponto de partida, sob o aspecto da política brasileira e de seus “atores”, onde, quiçá, residem os índices mais elevados de sua prática no cotidiano da realidade econômica nacional, em que os “grandes nomes nacionais” sempre ocuparam a primeira e mais alta “estante” desse mostruário, como que numa escala de números elevados que os colocassem no seu podium, o que sempre foi do conhecimento geral, por mais que se buscasse ocultar a sua rotineira atividade pública de apropriação do erário.
Alguns autores podem afirmar que a nossa “origem colonial” tem grande responsabilidade na quadra da nossa “estória” porque sempre contadas pelos vitoriosos e ao seu modo. Outros trazem relatos que indicam que sempre convivemos nesse contexto de corrupção, a despeito da sua prática cotidiana. No entanto, não se pode deixar de registrar um episódio ocorrido em 1543, em apenas 43 anos de “estória do Brasil”, envolvendo um “certo Pero Borges”, Corregedor da Justiça, em Elvas, Portugal[1]. Segundo o relato, esse Servidor da Coroa Portuguesa teria se apropriado de 50% da verba alocada para a construção de um aqueduto, e, ao final, foi condenado a restituir o valor ao erário, além de proibido de ocupar cargos públicos. No entanto, foi nomeado pelo Rei para a função de Ouvidor-Geral da América Portuguesa, percebendo um salário de 200 mil reais por ano e a esposa dele uma pensão de 40 mil reais, para compensar a ausência do marido, já que ela ficou em Portugal.
Todavia, a nossa realidade demonstra que a “convivência silenciosa ou tolerada” com os elevados níveis de corrupção, especialmente na esfera do poder político – com honrosas exceções, claro – , ultrapassando os índices de razoabilidade (???) e, por isso mesmo, tomou os caminhos que todos conhecemos das dezenas de fases da multi-conhecida em todos os âmbitos – nacionais e internacionais – da “Operação Lava-jato”, que já rendeu centenas de anos de condenação à pena de prisão e confisco de bens, como fruto dos crimes praticados, além de alguns personagens específicos que alcançaram essa marca inimaginável nos últimos meses.
Deve-se frisar, ainda, que não é por falta de tipificação penal que não se punia anteriormente a esse episódio criminal instaurado na comarca de Curitiba – Paraná. O Código Criminal de 1830, já tratava do peculato – artigo 170 – pena de 2 meses a 4 anos e com trabalho – e de forma quase que branda considerando as penas estabelecidas pelo Código Penal de 1940. No 2º ano de Direito ouvi o Professor de Direito Penal afirmar que o art. 312 era o que mais se transgredia no Brasil. Isso em 1982…
É de se registrar que o Código Penal, de 1940, ainda em vigor, em seu artigo 317, tipifica a conduta de corrupção passiva como sendo o ato de “solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”, conduta retribuída com a pena de reclusão de 2 a 12 anos mais multa. Também consta do seu § 1º que “a pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional” e do seu § 2º “Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem”, retribuída, nessa espécie de delito, com a pena de detenção que varia entre 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou, alternativamente, com a pena de multa.
Deve-se considerar que não se trata apenas do ato tipificado nesse dispositivo penal que implica em corrupção, mas, todo desvio de conduta diante de uma atividade, pública ou privada. Decorre de imperfeições ou deformação da personalidade da pessoa que, em razão de sua formação ético-moral ou, ausência de formação e/ou até deformação do caráter, entrega-se à prática de atitudes contrárias à ordem que deveria nortear e dirigir a sua personalidade, para o bem geral e não pessoal.
E o que mais salta aos olhos é a possibilidade de se poder aplicar essa tipificação mesmo àqueles que não são funcionários públicos, mas que, em função de sua posição e interesse, será submetido às mesmas consequências, conforme se verifica dos julgados de nossos Juízes e Tribunais.
De outro lado, o artigo 333, do mesmo Código Penal, descreve o tipo relativo à corrupção ativa, ou seja, “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”, retribuída com a “pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”, não se olvidando da disposição inserta em seu parágrafo único ao afirmar que “a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional”. Ora, esse é sempre o modus operandi de quem quer obter uma determinada vantagem em virtude de se encontrar, na esfera funcional de outrem, a facilitação para se alcançar o seu objetivo. Outros, para alcançar esse objetivo, criam dificuldades para vender facilidades…
[1] “Capítulo V – Ética, Direito e Administração Pública – 1. Ética e moralidade administrativa” – Braga, Pedro, in Ética, Direito e Administração Pública, 3ª Edição – Brasília – DF, 2012, Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Subsecretaria de Edições Técnicas, pág. 89.