Eugênio Maria Gomes
Naquela terça-feira, dez dias após o início de outono, dia 29 de março de 1938, em Senador Firmino – uma pequena cidade banhada pelo rio Turvo, localizada no interior das Minas Gerais -, a jovem senhora Maria Aparecida Cabral Gamarano teve as dores recompensadas pelo sorriso no rosto de seu jovem esposo – Henrique Gamarano -, ao ouvir o choro de seu primeiro filho homem e o segundo da grande prole que criariam, no total de catorze filhos, sendo um deles adotivo. Batizaram-no com o nome de José Maria Cabral Gamarano, sendo o primeiro nome derivado do Hebraico – Yosef -, e significa “aquele que acrescenta, acréscimo do Senhor” e, o segundo, derivado do Sânscrito – Maryâh -, e significa “virtude, pureza”.
José Maria nasceu no dia em que a lua se encontrava em sua fase Quarto Minguante, quando o ângulo Terra-Lua-Sol é, aproximadamente, reto. No dia seguinte, a noite seria de Lua Nova no céu. Coincidentemente, a retidão é uma das características marcantes da personalidade desse homem, assim como a capacidade de renascer, de “nascer para o novo”, de recomeçar desse companheiro, nascido no ano em que foi inaugurado, no Rio de Janeiro, o Museu Nacional de Belas Artes; em que foi publicado o livro “A Evolução da Física”, de autoria de Albert Einstein e Leopold Infeld; em que teve início a fabricação em série, na Alemanha, do Fusca; em que foi inaugurada, oficialmente, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e em que Érico Veríssimo lançou o famoso romance “Olhai os Lírios do Campo”, cujo título foi baseado em um dos trechos do Sermão da Montanha.
Sua infância foi feliz, mas, difícil. A vida para os Gamarano não foi nada fácil. Para o pequeno José, também não. Trabalhou desde cedo e, como o homem mais velho entre os filhos, sentiu o peso da responsabilidade de ter de ajudar aos demais, colaborando com o pai – funcionário público municipal -, e com a mãe, que dividia as suas atividades entre cuidar da casa, dos filhos, costurar para a sua prole e para terceiros, em busca do necessário rendimento para o sustento da família. Na medida em que os demais irmãos iam crescendo, também eram incluídos na força tarefa de ajudar e assumiam os desafios impostos pelas dificuldades da vida. Moravam e trabalhavam em um sítio e, diariamente, caminhavam a pé até a cidade para estudar, vender uma verdura ou entregar as encomendas feitas à mãe.
Dos filhos de “seu” Henrique e dona Maria, José Maria foi o único a dar continuidade aos estudos. Não porque os outros não o quisessem, mas, por força das escolhas que, às vezes, precisavam ser feitas: por ser o filho homem mais velho e, em função das dificuldades, ele foi “escolhido” pelos pais para estudar. Uma escolha que encontrou ressonância em seu coração, fazendo com que ele passasse a sentir-se responsável por toda a família. Responsabilidade que, também, ecoou no seio da família, traduzida pelo carinho e respeito que todos lhe dedicam, com alguns, inclusive, o chamando de “Pai Sô Zé”.
Cursou o segundo grau – Curso Técnico em Agropecuária -, na UFV – Universidade Federal de Viçosa, onde também ingressou no Curso de Graduação em Agronomia, concluindo-o em dezembro de 1965. O pai não viu o filho doutor, já que havia partido para outro plano em setembro daquele mesmo ano, mas, dona Maria e seus filhos, ainda tristes com a perda, enxugaram as lágrimas com a toalha da vitória, alcançada pelo “bem aventurado” filho de “seu” Henrique. Uniram-se a ele, no céu, em pensamento e preces, agradecendo e comemorando, felizes, o grande feito daquele querido firminense, que deixaria a faculdade para integrar, dois meses depois, o quadro de funcionários da ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural -, em Caratinga, associação que se transformaria, em 1977, na EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
José Maria veio para Caratinga, enquanto D. Maria, com os seus “Josés” e suas “Marias” – católicos fervorosos, os Gamarano colocaram o primeiro nome de José em todos os filhos e, o de Maria, em todas as filhas -, solteiros, mudou-se para Contagem. Mais vivida, e com toda a sua responsabilidade de mãe e viúva, decidiu que daria prosseguimento à sua sublime missão em uma cidade onde fosse possível exercer e ter mais bem reconhecido o seu ofício de costureira, além de propiciar melhores perspectivas de trabalho aos seus filhos e condições mais adequadas de saúde à família.
Dois anos após a sua formatura, José Maria deixou o coração falar mais alto e se casou com Marisa Mendes de Almeida, uma moça educada, atenciosa, daquelas que todos se sentem bem por estar ao seu lado. E foi com a jovem e bela professora que ele constituiu uma bonita e admirável família, querida e respeitada por todos que têm o privilégio da sua convivência. Do feliz casamento nasceram os filhos Maria do Rosário Almeida Gamarano, Pedagoga, casada com Sandro Soier – Representante Comercial -, os quais lhes deram os netos João Paulo Gamarano Soier e Sofia Gamarano Soier, de 8 anos -, e Clesus de Almeida Gamarano, dentista, casado com a Psicóloga Eleonora Carvalho Assis Gamarano, que lhes deram os netos Pedro Henrique Guimarães Gamarano, 22 anos, estudante do oitavo período de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Itajubá; Murilo Assis Gamarano, de 7 anos e Maria Assis Gamarano, de 4 anos.
Em relação aos netos, José Maria que já havia perdido a sua querida mãe em 1998, experimentou a grande dor de perder seu neto João Paulo, em setembro de 2001. A grande escritora Raquel de Queiroz, que tão bem descreveu os netos ao dizer que “Netos são como heranças. Você ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso. De repetente, lhe caem do céu. O neto é, realmente, o sangue do seu sangue, filho do filho, mesmo. Os netos são filhos com açúcar…”, esqueceu de registrar que, ao perdê-los, os avós perdem a parte mais doce de suas vidas, perdem o néctar que lhes adoça as almas e que lhes aplaca as dificuldades, normais, do caminho sem volta que a todos nós está reservado. Com a força de um guerreiro, o avô esteve presente junto ao neto, de quatro anos, em todos os momentos do derradeiro fim, vítima de uma mortal bactéria, adquirida na última de suas muitas internações por conta da asma e da bronquite, crônicas. O preocupado avô acompanhou o neto em seu transporte aéreo, juntamente com a equipe médica, para um hospital em Belo Horizonte e, no dia seguinte, entristecido, com o coração partido e o peito aberto em chagas de dor, o avô esteve ao lado do corpo do seu menino, no carro da funerária, com destino a Caratinga.
O doutor José Maria teve uma profícua e vitoriosa carreira profissional. Chegou a Caratinga com o firme propósito de implantar e desenvolver a produção de hortaliças no município e região, aproveitando suas características geográficas e climáticas favoráveis, o que acabou por tornar a cidade, na época, uma referência em produção de hortaliças, inclusive abastecendo os mercados regionais e também os do Vale do Aço. Após cinco anos de trabalhos em Caratinga, foi transferido para Governador Valadares, com vistas a assumir a supervisão regional da empresa. Retornou a Viçosa em 1975, para fazer o Mestrado em Produção de Hortaliças, sendo transferido em seguida para Patos de Minas. Retornou a Caratinga em 1978, como supervisor, no momento em que era inaugurado o Mercado do Produtor, hoje, CEASA. Sua atuação, jamais deixou de ser pautada pelos valores de sua origem rural e, principalmente, pelos valores éticos aprendidos com os pais e vividos no dia a dia de sua trajetória de vida. Assim, sempre fez constar, entre os seus objetivos profissionais, a determinação de trabalhar para a fixação e por melhores condições para o homem do campo. Aposentado, hoje o doutor José Maria estuda e trabalha com agricultura biodinâmica, em seu sítio, no distrito de Dom Lara.
“Se eu conseguir ser, pelo menos, a metade do homem que ele é, me darei por muito satisfeito”. Esta frase, dita por seu filho Clesus, exemplifica bem o significado deste Ser Humano, chamado José Maria Cabral Gamarano, para a sua família, para os seus amigos, para Caratinga e região. Um homem de princípios sólidos, de convicções sustentáveis, que em suas incursões políticas, jamais se deixou seduzir pela tentadora tese Maquiavélica de que os “fins justificam os meios”. Pelo contrário, fez prevalecer a constatação de Aristóteles, em todas as suas ações, de que “nosso caráter é o resultado da nossa conduta”. E o doutor José Maria – ex-companheiro do Lions Clube Caratinga Itaúna, engenheiro, funcionário aposentado da EMATER, ex-militante do PT, defensor da qualidade de vida para o pequeno produtor rural, pilar da família Gamarano -, sempre demonstrou, de fato, uma conduta ilibada.
O homem que gosta de reunir os filhos, netos, sobrinhos e irmãos em sua casa, que faz o tempo acontecer para visitar os seus parentes que moram em outras cidades, que sempre está pronto a ajudar e orientar no que for possível os seus familiares e amigos, que se preocupa mais com a procedência dos alimentos do que com a “boniteza” dos pratos, que passou por questões delicadas em relação à sua saúde nos últimos anos, é também, o marido que cuida e protege, o pai zeloso e dedicado, o avô amoroso e “derretido” com os seus netos.
O Doutor José Maria Cabral Gamarano é o nosso amigo “Zé Maria”, um homem simples, sábio e cheio de virtudes. Uma referência para todos nós. Não é por menos que ele é, também, o “Pai Sô Zé”.
Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração do Centro Universitário de Caratinga – Unec. É membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni, do MAC- Movimento Amigos de Caratinga, do Lions Clube Caratinga Itaúna e da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga. É o Grande Secretário de Educação e Cultura do Grande Oriente do Brasil – Minas Gerais (GOB-MG).