
Coordenadora da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Cibele Brandão
Coordenadora da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Cibele Brandão traça o perfil de quem pratica atos de corrupção
Constantemente ouvimos os termos, “corrupto” ou “corrupção”. Genericamente, eles são ligados aos políticos, devido aos casos que ganham maior notoriedade pela mídia, como desvios de recursos públicos. No entanto, o agir do corrupto, sua mente e como ele vê os seus atos ainda é um assunto muito complexo.
Além do crime e da sua responsabilidade, por trás do corrupto há diversos fatores que desafiam a psicanálise. Por isso, o DIÁRIO DE CARATINGA entrevistou Cibele M. M. Di Battista Brandão, membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), membro do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região (NPMR) e docente dessas instituições.
Atualmente, Cibele coordena a Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Nesta entrevista ela traça o perfil do corrupto e afirma que o ato da corrupção não está presente somente nos grandes esquemas que são noticiados diariamente. “A corrupção não está só nos macros acontecimentos, mas também nos pequenos delitos do cidadão comum, que se desvia da verdade para obter às vezes inúteis vantagens”.
Do ponto de vista da psicanálise, como pode ser interpretada a corrupção?
A corrupção pode ser vista a princípio como um tipo de loucura, de comportamento desviante, antissocial e perigoso. Nesse sentido o sujeito privilegia só a si, até mesmo em situações em que ele foi escolhido ou eleito para trabalhar pelo bem comum. A corrupção se define pela perversão – ao invés de procurar o bem comum ele busca tão somente seu enriquecimento e interesses individuais. A corrupção de objetivos não é só um fenômeno social e nem só um fenômeno individual. Podemos pensar no dito popular que diz “a ocasião faz o ladrão”. Precisamos da ocasião e precisamos do ladrão em potencial. Ladrão de que? Ladrão de uma falsa segurança.
O corrupto age motivado por um fator emocional ou ele é extremamente calculista/racional?
As duas coisas. Ele age motivado por um fator emocional que o faz ser calculista. Ele quer alcançar poder, dinheiro, prestígio. Como o drogadito que necessita da droga, ele não pensa. Age só em busca de seu objetivo. Ele quer o objeto que imagina lhe trará a solução de todas as suas aspirações narcísicas. Ele apenas quer alcançar seu objeto de desejo por idealizá-lo. A droga trará a solução mágica de tudo, assim como para o corrupto o poder, o dinheiro, o prestígio, o salvarão de todos as dores e inseguranças que o viver traz para qualquer ser humano. Ele não prioriza e nem valoriza o aprender pensar, construir recursos, viver uma vida ética. Esses valores tornam-se para ele pueris e ingênuos. A palavra ética deriva do grego éthiké, derivada por sua vez de ethos que significa caráter, hábito, modo de vida. A eticidade constitui-se da formação do caráter de cada indivíduo.
O corrupto tem a consciência de que está cometendo um ato que é amplamente reprovado pela sociedade?
A Psicanálise em sua prática procura compreensão de cada indivíduo como sendo único e exclusivo. Há pessoas que podem ter consciência e outras que absolutamente vivem como sendo natural participar de um esquema vigente. Na base do sempre foi assim e assim será…. Se o corrupto vem de um meio que tenha regras sociais que advogam pela ideia da vantagem, a consciência fica alterada. Ele passa a viver como sendo natural receber vantagens, sempre. É diferente o processo de conscientização de uma criança cujos pais desde cedo ensinam que o que pertence ao outro, ao coleguinha, é do outro… Os traços antissociais de um indivíduo, tais como não entender que seus atos são antiéticos e reprováveis são resultantes de um déficit na estruturação do superego, instancia da mente que tem um papel assimilável ao de um juiz ou censor interno que tem consciência moral na auto-observação, na formação de ideias e princípios. Essa instância constitui-se pela interiorização das exigências e interdições parentais. Esse déficit faz com que a consciência moral e ética não se instalem adequadamente. Não há o medo da autoridade externa. Essa é entendida como inexistente ou permeável conforme o seu desejo.
As pequenas “trapaças” diárias que damos como comprar produto pirata ou apresentar atestado falso, podem ser consideradas como atos de corrupção?
A corrupção deve ser considerada não apenas nas investigações que vemos desfilar toda noite na sala de nossa TV, justamente no nosso momento de descanso após exaustivo dia de trabalho e nos sentamos diante dela para relaxar. A corrupção não está só nos macros acontecimentos, mas também nos pequenos delitos do cidadão comum, que se desvia da verdade para obter às vezes inúteis vantagens. Nessas pequenas situações precisamos pensar que elas (as situações) se bem lidadas trazem sementes de prevenção. É prevenção quando ensinamos um filho a não pagar propinas para favorecer trâmites burocráticos. Tendemos a pensar que é corrupto apenas quem recebe a propina e nos esquecemos de quem dá a propina. Destruímos nesse momento a possibilidade de se ter o contato com a verdade, que pode ser difícil, mas traz o germe do fortalecimento quando é enfrentada.
Se compararmos o corrupto que atua individualmente àquele que atua em conjunto, por exemplo, em uma quadrilha; podemos considerar que o comportamento de ambos sejam os mesmos?
Sigmund Freud, em 1930, em seu importante trabalho “Mal-estar na Civilização” descrevia três motivos para o homem ter dificuldade no convívio social e também para a impossibilidade de ser feliz: 1 – Pela fraqueza humana frente às forças da natureza impossíveis de serem dominadas. 2 – Pela fragilidade de nossa constituição física que nos leva a adoecer, envelhecer e morrer. 3 – E por fim, pelo sofrimento advindo da convivência com os outros seres humanos. Nessa constelação proposta, o ser humano está fadado a conviver com o medo, a insatisfação e a insegurança. O corrupto seja individual ou em conjunto, ambos tentam fugir dessa condição. Mas fogem buscando meios mágicos como o enriquecimento ilícito que na verdade os enfraquecem e expõe. Em uma vida assim não há espaço para falarmos em crescimento, transformação ou criação de recursos mentais para lidar com a vida que na verdade não é fácil. A busca pela felicidade tem que passar por algo que não seja só o que venha do externo. Há uns meses, circulou no Youtube uma belíssima entrevista do ator argentino Ricardo Darin a um repórter da TV espanhola. Esse repórter surpreendeu-se com a recusa de Darin a um trabalho que veio de Hollywood. Darin não quis aceitar só porque poderia ganhar uma soma considerável de dinheiro. Ele queria mais do que tudo voltar para casa e estar com a família, com sua rotina… Vale a pena ser vista.
Muitas pessoas dizem que não existe político, que não seja corrupto, pois ao serem eleitos, acabam “caindo” no sistema. Do ponto de vista da psicanálise, como a senhora analisa essa afirmação?
Como dissemos, a Psicanálise em sua prática tenta aproximar-se para conhecer aquilo que é único e exclusivo para cada pessoa. A Psicanálise não generaliza ou rotula. Não descreve afirmando que o corrupto é assim…. Entende que cada pessoa tem uma estruturação própria. Dizer que não existe político correto seria uma generalização preconceituosa. Em qualquer atividade ou profissão há todo tipo de pessoa. Não estamos aqui dividindo em duas categorias os mocinhos e os bandidos. Dentro de todo ser humano há uma gama de bondade e maldade, desenvolvimento e decadência, etc., mas muito importante é a direção que se quer dar para a própria evolução. Todas as pessoas estão sob a égide de uma dualidade instintual por um lado estão imbuídas de amor e construtividade e por outro lado mesmo involuntariamente são constituídas por ódio e destrutividade. O que determinará uma boa evolução será uma boa interação entre o ambiente propiciador de crescimento e internamente seu desejo de se aproveitar do potencial de evolução. Acrescento que um excesso de ambição e desejo de enriquecer muito pode levar o ser humano a um lugar obscuro.
O corrupto acredita que possa ser responsabilizado por seus atos ou ele age pensado na impunidade?
No começo dessa entrevista dissemos que a corrupção é uma espécie de loucura e então como tal ela afasta o indivíduo da realidade. Se uma pessoa é ousada acima do bem e do mal, podemos dizer que sua consciência é deteriorada. Mas o que dizer de uma realidade até recentemente vivida que de fato havia a impunidade? E que essa realidade não era um delírio e sim uma constatação que nos fazia afirmar sempre que a cadeia seria somente para pessoas socialmente desfavorecidas.
A corrupção pode ser considerada uma doença?
Sem dúvida nenhuma e justifico. Tudo aquilo que se afasta da realidade e aproxima do mágico e do idealizado prejudica imensamente a pessoa que assim crê que desse modo estaria encontrando a realização e a felicidade. Penso também ser necessário para responder essa questão, que tentássemos definir o que é uma doença do ponto de vista da mente. A psicopatologia é um termo utilizado para designar os distúrbios do psiquismo humano. Uma das causas desses distúrbios origina-se de um sofrimento intenso, frente ao qual a pessoa não consegue construir recursos para lidar com a demanda da vida. Porém não é só isso. O assunto é muito amplo. Há outras causas para os distúrbios da mente, inclusive causas de desequilíbrio bioquímico que necessitam serem medicadas. De qualquer forma um desequilíbrio leva a uma interrupção do desenvolvimento e evolução da pessoa e essa quebra caracteriza uma doença, pois prejudica o indivíduo na sua aquisição de recursos para enfrentar a vida que a cada etapa torna-se mais complexa. O propósito fundamental de uma relação terapêutica seria o de ajudar a pessoa que busca esse tratamento a fazer mudanças que lhe possibilitem viver sua vida de modo mais plenamente humano, e que a pessoa possa retomar seu desenvolvimento.
Mini Currículo
Cibele Maria Moraes di Battista Brandão nasceu e reside em Marilia-SP. Graduou-se em Psicologia 1975, pela USP de Ribeirão Preto. Formação no Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo entre 1986 e 1994. Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em novembro de 1994. Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em fevereiro de 1999. Membro da IPA – International Psychoanalytical Association, da SBPSP Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, desde 1999.
Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, desde novembro de 2008. Secretária de Currículo do Instituto Durval Marcondes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo 2009 a 2010. Membro da CQAD – Comissão de Qualificação de Analistas Didatas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo de 2011 a 2013.
Coordenadora da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo de março de 2015 até a presente data.
Coordenadora da CQAD – Comissão de Qualificação de Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo de março de 2014 até a março de 2015.
Coordena junto com Carmen Mion um Grupo de Estudos sobre Formação Psicanalítica com membros da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo de 2013 até a presente data.
“Podemos pensar no dito popular que diz ‘a ocasião faz o ladrão’. Precisamos da ocasião e precisamos do ladrão em potencial. Ladrão de que? Ladrão de uma falsa segurança”.
“Tendemos a pensar que é corrupto apenas quem recebe a propina e nos esquecemos de quem dá a propina”.
“Se o corrupto vem de um meio que tenha regras sociais que advogam pela ideia da vantagem, a consciência fica alterada. Ele passa a viver como sendo natural receber vantagens, sempre”.