Escrever se tornou algo tão natural e importante para mim que me acostumei a ter todas as páginas em branco rabiscadas com palavras que para muitos não são nada e, para mim, são como um espelho, um espelho metafísico que reflete também o meu interior. Já escrevi de tudo um pouco e encontrei nas palavras refúgio. Muitos momentos cotidianos de distração tornaram-se crônicas e nem mesmo xícaras de café frio deixaram de ser narradas. Mas nenhuma das minhas crônicas tratou sobre a minha maior perda, ou da despedida de quem me incentivou tanto a estudar, ler e escrever, mas que não chegou a ler o meu primeiro conto publicado em um livro.
Tentei escrever algo, por mais simples que fosse, para aliviar a alma da sensação de perda. Falhei. Falhei miseravelmente. Nos momentos mais improváveis, no meio de madrugadas de insônia e até mesmo em viagens, iniciei textos que nunca consegui terminar. Perdi a conta de quantas vezes escrevi “Com amor, Sara!” no topo de uma folha de papel timbrado ou nas notas do celular. Eu não consegui escrever sobre ela. Eu não conseguir escrever sobre a morte de Sara Xavier Gonçalves.
Sara foi minha madrinha, amiga, irmã e, de certa forma, mãe. Enquanto brincávamos no chão da sala durante as férias, ela montou comigo a Torre Eiffel, me disse que a conheceríamos juntos e repetiu a frase que me disse e escreveu inúmeras vezes: gostaria de realizar todos os seus sonhos… Como queria, afilhado do meu coração.
Lembro-me das brincadeiras na piscina, do seu desejo de me ajudar a estudar, aprender a nadar e dos filmes da Disney que me apresentou. Guardei todos os momentos na memória. Guardei também os momentos difíceis: o dia em que ficou internada com a suspeita de um AVC; o dia em que fez questão de me contar, ainda cansada, que havia descoberto um câncer no cérebro; o dia da cirurgia; o dia em que lhe vi pela última vez com vida e, com muita dificuldade, disse que me amava. Esquecer não posso de nenhum momento que vivemos, nem mesmo do dia em que me despedi dela.
Às vezes fico imaginando a reação que ela teria ao ver o afilhado publicando artigos, lançando livros e realizando sonhos. Me perco pensando no que ela diria ao ler tudo o que escrevi. Me questiono sonhando viver uma realidade menos cruel, na qual ela estivesse aqui e eu sequer pensasse em escrever uma crônica sobre a sua ausência. Há exatos dois anos eu perdia Sara Xavier Gonçalves ou, simplesmente, a Madrinha Sara. Dois anos atrás eu e todos que cultivávamos amor por ela sofríamos com a sua partida. Hoje, ainda sem concordar com a forma como as coisas se deram, eu agradeço pela sua passagem aqui na Terra.
Dois anos depois da sua partida eu continuo falhando em escrever um texto sobre a “morte” de Sara Xavier Gonçalves. Ela não morreu. Ela está viva em minha memória e de todas as outras pessoas a amavam. Eu não escrevi sobre a sua morte, escrevi sobre o amor que permitiu que eu seguisse em frente. Escrevi sobre o amor que, como em um trocadilho com seu nome, sarou a ausência física e me mostrou o caminho para plantar boas sementes como ela plantou. O amor cura. O amor sara.
Daniel Dornelas – Estudante e escritor @lendocomdaniel
Um comentário
Solange
Que texto emocionante! Só uma pessoa muito especial desperta sentimentos duradouros. Sara vive!!