A polêmica do racismo inverso
Muito provavelmente, você que está lendo a coluna, já ouviu alguma pessoa branca dizer que já sofreu, ou conhece alguém que tenha sido xingado de “branquelo, leite azedo, branca choca” sei lá mas o que, e por isso, teria “sofrido racismo” tanto quanto negros. Como tenho dito desde a primeira coluna no começo de novembro, pra debater racismo, além de uma boa dose de boa vontade e empatia é preciso o mínimo de conhecimento histórico. Racismo não é um tema que permite achismo. Sem estudar, não dá. Antes de qualquer coisa, é preciso entender o conceito. RACISMO Segundo o dicionário Michaelis:
- “Teoria ou crença que estabelece uma hierarquia entre as raças (etnias).
- Doutrina que fundamenta o direito de uma raça, vista como pura e superior, de dominar outras.
- Preconceito exagerado contra pessoas pertencentes a uma raça (etnia) diferente, geralmente considerada inferior.
- Atitude hostil em relação a certas categorias indivíduos.
Sem muitas delongas, definições que deixam bem claro o que é RACISMO. A partir do momento que você ofende, reduz ou bloqueia os direitos de um grupo por conta da sua etnia, isso é identificado como racismo. Mas tem outro fator que deve estar presente neste ato ofensivo. Negros e indígenas, por exemplo, nunca possuíram poder social como grupo que lhes permitissem se impor sobre outras raças. Portanto, para que se configure racismo, seria preciso que negros tivessem em condições de exercer poder sobre grupos de indivíduos brancos, impedindo acesso a direitos básicos por exemplo. Quantas pessoas brancas deixaram de conseguir um emprego pela cor da pele? Quantos são confundidos com bandidos numa blitz? Quantos são seguidos dentro de um shopping ou supermercado pelo segurança? Um dos grandes problemas de se debater racismo no Brasil, é que a maioria das pessoas querem abordar o tema a partir de uma experiência pessoal. Outro grande problema é a confusão comumente que ocorre entre crime de RACISMO E INJÚRIA.
Dia desses, me deparei com um artigo muito bem escrito por sinal, assinado por William Douglas, juiz federal, doutor em direito, e como ele mesmo disse, ativista antirracismo. Portanto, alguém mais que gabaritado (muito mais que eu diga-se de passagem) para abordar o tema com precisão e conhecimento. Entretanto, alguns trechos do artigo me chamaram atenção: Primeiro, a facilidade com que o magistrado discorre sobre o racismo do ponto de vista jurídico. Uma verdadeira aula. Deixando muito bem claro, até mesmo para leigos a diferença entre RACISMO E INJÚRIA. Por outro lado, me chamou a atenção a fragilidade histórica com que abordou o tema, a pouca profundidade na busca pelas razões do racismo, comprometem muito o entendimento dos reflexos que causam ainda hoje na população negra.
Quando sua excelência utiliza exemplos como: ¨um caso emblemático muito reportado sobre a caça aos albinos na Tanzânia e em Malauí, com crimes de mutilação e homicídios dessas pessoas, simplesmente pela impossibilidade de seus corpos de produzir melanina”. Obviamente não são de etnias diferentes, mas sua condição pessoal de nascença impõe um alvo sobre suas cabeças. Permita-me descordar, situação muito diferente da ocorrida por mais de 300 anos no Brasil. O caso citado, era pura barbárie, ignorância e maldade mesmo. Diferente do período de escravidão dos negros, cuja cor da pele, serviu de pretexto para ter mão de obra de graça para enriquecimento de toda uma elite. Uma comparação totalmente descabida.
Mas, o ponto que mais me chamou atenção no artigo, e novamente peço licença pra discordar frontalmente, é a tentativa de dizer que existe um desejo dos negros de “revidar, de vingança”. Obviamente todo movimento, por mais bem intencionado que seja, não está imune a presença de mentes raivosas, pessoas despreparadas e na pior das hipóteses, a presença de extremistas. Porém, a exemplo de Martin Luther King e Nelson Mandela citados no artigo, a maioria dos negros, estudados ou não, cultos ou não, ricos ou pobres, não querem se vingar das atrocidades sofridas por seus ancestrais. A maioria esmagadora da população negra busca apenas uma coisa: DIREITOS E TRATAMENTOS IGUALITÁRIOS. A comunidade negra em sua maioria, não quer colocar nenhum branco á ferros ou no tronco. Esse tempo não existe mais. Portanto, o argumento de vingança, pelo menos entre os conscientes não existe.
Como tenho falado desde a primeira coluna, não tenho formação acadêmica em história, antropologia, e tampouco direito. Mas, pra não ficar parecendo um atrevimento, uma ousadia do Zé da Silva aqui em discordar do excelentíssimo juiz, trago duas opiniões de personagens tão gabaritadas quanto: Racismo reverso não existe. Segundo a doutora em antropologia social e professora da UERJ, Janaína Damaceno, acreditar que o racismo reverso existe é, sobretudo, legitimar as práticas de racismo. “Quem acredita em racismo inverso crê que há um racismo bom e ideal (o anti-negro) e um racismo mau (anti-branco). Ou seja, não vê o racismo como um mal em si. Acha o racismo anti-negro normal e natural. Acha que praticar o racismo ou viver numa sociedade racista é um direito e um privilégio adquirido inclusive para o seu prazer” Por fim, Janaína concluiu que “não há racismo às avessas porque não existe uma estrutura que negue sistematicamente poder aos não negros”.
Pra finalizar, uma das recentes polêmicas, foi quando a empresa Magazine Luiza resolveu anunciar a abertura de vagas exclusivas para pessoas negras, sem a exigência do inglês. Houve uma gritaria enorme e até ação na justiça, argumentando que a empresa estaria cometendo racismo contra brancos. Para muitos, a iniciativa da companhia nada mais é que uma reparação histórica, já que os negros ainda sofrem com violência estrutural, principalmente nas posições sociais, bem como a consciência de que o racismo tem cor. Por outro lado, a Magazine Luiza recebeu críticas e até sinalizações de boicote à empresa. Mas, a pergunta que deixo é a seguinte: Quando anúncios de emprego exigiam “boa aparência’ e curso de inglês, quem vocês acham que estavam sendo excluídos”? Em décadas passadas, quando cartazes de empregos anunciavam vaga, exceto para “pessoas de cor”, a qual cor você acha que estavam se referindo? Oque alguns grupos chamam de “revanchismo e vingança” na verdade é uma reparação. Afinal, não é por acaso que a enorme maioria da população negra vive na pobreza as margens da sociedade. São séculos de déficits em relação ao acesso à educação e ao trabalho. Quanto o fato de negros praticarem racismo, não é novidade que alguns, ao atingirem uma camada social elevada, a grande maioria ás custas de muito estudo e trabalho, por tanto mérito próprio, costumam ignorar a situação daqueles que ainda buscam seu lugar. Alguns, se acham no direito de praticar injúria e discriminação contra brancos e até mesmo negros. Porém, se trata de falha de caráter e não racismo. O famoso “rei na barriga”.
Rogério Silva