Perdão, Barbosa!
Infelizmente não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente. Quem teve, não poupa elogios a sua cordialidade, generosidade e cavalheirismo. Ainda assim, nem todos esses adjetivos positivos atribuídos a ele, evitaram que passasse a maior parte de sua vida, sendo responsabilizado pela maior tragédia esportiva do nossa história, antes dos 7 a 1 da Alemanha na Copa do Mundo de 2014 no Mineirão. Por isso, preciso começar a coluna, pedindo desculpas à memória de Moacir Barbosa. Eu não estava entre os mais de 200 mil brasileiros que super lotavam o Maracanã naquela tarde de domingo do dia 16 de Julho de 1950. Também não fiz parte de grande parte de torcedores, imprensa, políticos que o acusavam de ser o responsável por ter feito o Brasil chorar. Mas, como apaixonado por futebol e sua história, e principalmente alguém de detesta injustiças, me sinto na obrigação de pedir desculpas ao grande Barbosa, goleiro da seleção brasileira na Copa de 1950 e um dos maiores de nossa história. Perdão, Barbosa!
Pouco se sabe dos primeiros anos de vida de Barbosa no interior de São Paulo. Apenas que nasceu na rua Major Sólon, número 27, em Campinas, filho de Emídio Barbosa e Isaura Ferreira Barbosa e tinha dez irmãos. Começou a carreira no Clube Atlético Ypiranga, de São Paulo, onde passou a jogar profissionalmente nos anos 1940. Porém, virou ídolo mesmo com a camisa do Vasco, sendo o goleiro titula do “Expresso da Vitória”, timaço campeão invicto cinco vezes na década de 40. Chegar a seleção Brasileira e assumir a titularidade foi só uma questão de tempo. Era incontestável como dono do gol para a Copa de 1950.
A Copa
O Brasil desejava sediar uma Copa desde a década de 30. Porém, com o evento da segunda guerra, conseguiu apenas em 1950. Neste ano, teríamos eleições para presidente e 14 candidatos estavam na disputa para comandar o Brasil. Não é difícil imaginar que o clima político teve influência enorme na realização do mundial. Aliás, a própria construção do Maracanã teve muita disputa política. Só pra lembrar, o Rio de Janeiro era a capital do país.
Em campo, 13 seleções vieram para a Copa. Nunca uma seleção brasileira entrou tão favorita para ganhar um Mundial como a de 1950. O técnico Flávio Costa tinha em suas mãos grandes jogadores. Quando goleava por 6 a 1 a Espanha no Maracanã, dando show de bola, e a torcida cantava esfuziante “Touradas em Madri”, não havia um brasileiro que não considerasse aquele time imbatível. Sem falar no 7 a 1 pra cima da Suécia. Portanto, o Brasil chegou a decisão contra os uruguaios como grande favorito. Aliás, o oba-oba atrapalhou muito a preparação para a partida final. Jornais da época já estampavam que o Brasil era campeão do mundo. Tínhamos o craque Zizinho candidato a melhor do mundo, o artilheiro da Copa com 09 gols Ademir Menezes, o melhor goleiro da Copa Barbosa e toda a torcida a nosso favor. Portanto, cenário perfeito e preparado para a festa. A seleção uruguaia, segundo os próprios jogadores, queriam apenas evitar sofrer uma goleada como Suécia 7 a 1 e Espanha 6 a 1, os dois últimos adversários dos brasileiros.
Decisão: Da euforia e decepção
Segundo relatos de Barbosa e Zizinho, a concentração da seleção virou um palanque para os candidatos a presidente do Brasil. No dia do jogo, vários visitaram os jogadores, fizeram discursos e prometeram de casa a carro para cada um deles. Barbosa disse: “na hora do almoço de domingo, horas antes da decisão, consegui comer uma folha de alface e um pedaço de bife apenas, toda hora tinha que levantar da mesa para ouvir o candidato tal… quase na hora da partida, deram um sanduiche pra cada um já que não conseguimos almoçar direito” Antes da partida, num discurso o prefeito do Rio de Janeiro disse: “Fiz a minha parte e dei um estádio pra vocês, cumpram sua obrigação e ganhem a Copa para o Brasil”.
Uruguai só tinha uma opção: vencer. A seleção brasileira jogava com a vantagem do empate e um país inteiro à espera da conquista do tão sonhado título. Não havia um que não acreditasse. Mais de 200 mil pessoas se espremeram no Maracanã para comemorar mais do que propriamente torcer. O time ainda abriu o placar, com Friaça, aos 02 minutos do segundo tempo, só aumentando a euforia. Mas, sob o comando de Obdulio Varella, a Celeste se agigantou. Tudo começou a mudar com o empate de Schiaffino, aos 21. E depois o gol da vitória de Ghiggia, aos 34, deu início ao Maracanazo, num dos maiores silêncios ensurdecedores da história do futebol. Faltando 11 minutos para o fim do jogo, o Brasil não conseguiu empatar.
O “culpado”
O brasileiro tem uma necessidade enorme em encontrar um culpado para seus fracassos. Quando o assunto é futebol, essa necessidade é potencializada. Afinal, fomos ensinados que somos o país do futebol e melhores do mundo. Temos uma enorme dificuldade em admitir que os outros também são bons, que podem estar num dia mais feliz, jogar melhor e merecer vencer. Estamos sempre atrás de desculpas e culpados. Alguns exemplos depois de 1950: Copa de 78. colocamos a culpa na arbitragem; 82, o culpado foram Cerezo que errou um passe e Telê Santana que era visto como pé-frio; 86, culpamos o pênalti que Zico errou contra a França; em 1990, culpamos o esquema tático de Lazaroni; 98, culpamos o fato de Ronaldo ter passado mal (alguns juram que estava tudo armado para a França ganha); em 2006, culpamos Roberto Carlos por ter se abaixado para concertar a meia no gol de Henry; 2010, a culpa foi de Felipe Melo que trombou com Júlio César; em 2014, os 7 a 1, Felipão levou a maior culpa; e 2018, Fernandinho foi eleito o vilão. Porém, nenhum deles sofreu perseguição, humilhação e pagou até o fim da vida como Barbosa. Depois do gol de Gigghia que decretou a derrota do Brasil, o goleiro mesmo sendo campeão depois em vários clubes, tendo jogado até 1962, durante muito tempo foi lembrado apenas por esse lance. Certa vez, durante uma entrevista disse: “no Brasil, a pena máxima para quem comete crime é de 30 anos, a minha pago até hoje, mais de 40 anos depois da final contra o Uruguai”
O Gol
Perguntado sobre se acha que falhou no lance, Barbosa disse várias vezes que não. Embora o chute não tenha sido forte, era uma jogada que os uruguaios tinham feito o jogo todo. Como o Brasil era melhor, eles estavam apostando no contra-ataque. Mesmo quando a seleção fez 1 a 0, mantiveram a mesma postura. Empataram o jogo e continuaram do mesmo jeito embora o empate desse o título para o Brasil. Porém, como havia goleado os dois últimos adversários, o time queria a vitória. Num contra-ataque, Ghiggia foi lançado pela direita, ganhou na corrida do lateral esquerdo Bigode que não fez a falta, entrou na área e chutou entre Barbosa e a trave. O goleiro confessou que esperava o cruzamento, mesmo assim, chegou a tocar na bola mas não o suficiente para impedir o gol uruguaio. Infelizmente esse lance marcou pra sempre a vida e condenou Barbosa a uma pena perpétua de humilhações e covardia.
“Sujeito passava na rua e falava: ‘Frangueiro’. Outro falava: ‘Esse cara entregou’. Teve uma mulher que disse na minha cara que eu tinha recebido dinheiro. Outra chegou com um garotinho, que não tinha nem 10 anos, e disse: ‘Foi esse homem que fez o Brasil todo chorar’. Eu perguntei para ela: ‘Se eu fosse seu filho, você faria isso?’. Ela se calou e foi embora”, disse o goleiro.
Em 1993, antes do jogo contra o Uruguai pelas eliminatórias da Copa de 94, Barbosa foi convidado por uma TV britânica que queria fazer uma matéria de um encontro dele com Taffarel goleiro da seleção. Barbosa chegou a ir a Granja Comary, porém, Parreira e o supersticioso Zagallo, impediram sua entrada. Triste e humilhado, se mudou do Rio de Janeiro para o litoral paulista onde faleceu aos 79 anos no ano de 2000. Foi aquele resultado que “condenou” Barbosa e criou um estigma sobre o goleiro negro. Algumas histórias como do goleiro Jeferson do Botafogo, que deixou de ser convocado várias vezes para seleções de base, por ser negro. Um diretor da CBF chegou a ligar pra ele e dizer que lamentava. Desde aquela final, onde se atribuiu a Barbosa uma falha que não cometeu, goleiros negros passaram a serem vistos como não sendo confiáveis.
Barbosa em Caratinga
Caratinga já viveu uma época que recebia por aqui, grandes craques e times maravilhosos para jogos amistosos. Em 1972, a seleção de veteranos do Rio de Janeiro (foto da página futeboldecaratinga.blogspot.com.br), esteve na cidade para um jogo contra o grande time do Esporte Clube Caratinga. Barbosa era o goleiro da seleção, que contava ainda com outros grandes ídolos como Vavá, campeão em 1958 ao lado de Pelé, Garrincha e Cia na Suécia. O conhecido torcedor do América Hélio Magalhães, meu contou que estava atrás do gol no estádio Dr. Maninho, ficou encantado com a tranquilidade e gentileza de Barbosa que conversou muito com ele. Não tive a felicidade de conhecê-lo, mas sei que ao contrário do que se pregou de maneira covarde ao longo de décadas, ele não foi o culpado pela derrota na final de copa de 1950. Obrigado Barbosa! Mil vezes perdão por toda covardia que gerações praticaram com você. Descanse em paz.
Rogério Silva