Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais
Pesquisadora CNPQ
Será que o ego tem que estar acima da política ou do próprio poder? Quem assina o poder?
Quem assina o poder é o próprio povo, quando elege algum candidato para vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente. Após o voto e a eleição, o cidadão passa a ser mero espectador, pois delegou poderes para o candidato em quem votou.
O mundo político estremeceu com a prisão de Eduardo Cunha, preocupados com um possível acordo de delação premiada por parte do deputado. A possibilidade de que ele venha a contar o que sabe sobre os escândalos de corrupção, seu repertório de informações será imenso na medida em que um grupo extenso de deputados eram seus aliados. A delação do referido deputado vai nos revelar quem matou Getúlio Vargas, Ulysses Guimarães, Pedro Collor e até mesmo a Odete Roitman.
Com os escândalos de corrupção posso dizer que a delação premiada está sendo muito bem aceita. Inspirada na legislação norte-americana, que adota um sistema jurídico baseado no precedente, diferente do nosso país, que adota Código e Leis, esse método é uma forma de réus colaborarem com a investigação no âmbito penal.
Delação é denunciar o que se sabe e é premiada por que se recebe um prêmio após colaborar. É um instrumento de investigação de segurança pública, garantindo ao delator desde isenção da pena, ou parte da pena ou mesmo o perdão judicial. O juiz tem o poder de conceder aos réus primários a liberdade para “quem abrir a boca e contar tudo o que sabe”.
O tema abre questionamentos interessantes.
Diversos juristas debatem a conduta de delatar com o intuito de receber prêmio. Seria ético?
Para uns a moralidade do instituto, irá permitir ao Estado, quebrar licitamente a lei do silêncio que envolve as organizações criminosas, trazendo segurança para a sociedade. Outros juristas consideram a delação como estimulante da amoralidade podendo levar à ordem jurídica a corrupção e à promiscuidade, sem levar em consideração os custos a todo sistema legal. Para eles esse mecanismo de investigação de crime foi criado unicamente em razão de sua utilidade, desconsiderando os aspectos éticos, principalmente no que concerne a traição. O ato de trair o outro, em virtude de receber em troca, a sua liberdade.
Para o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a delação fere o princípio fundamental da dignidade humana e só deve ser homologada pela Justiça se for espontânea, se o indiciado estiver em liberdade.
“Se a confissão ou delação decorrer de emprego de algum método que resulte em sofrimento ou dor física ou mental, o que se tem, na realidade, não é uma colaboração aceitável ou legítima, mas a prática do crime de tortura, que contamina indelevelmente a prova obtida, tornando-a ilícita”, afirmou o relator de João Carlos Castellar, da Comissão do Direito Penal do IAB.
Em 26 de setembro de 2016 a Folha de São Paulo publicou uma polêmica matéria que envolve delação premiada em Roraima, com troca de acusações sobre supostas tentativas de coação de presos para acusar um grupo de parlamentares do governo do Estado, a partir de denúncias feita pela advogada Mônica Pierce Amorim Cseke, que acabou morrendo em um hospital em Brasília.
Outro ponto que se discute é que são os próprios criminosos que ajudam a esclarecer os fatos, e se comprometem a colaborar com as investigações se for beneficiado, continuando a receber seus salários. Executivos que fizeram parte dos esquemas ilícitos recebem o bolsa-delação, além de privilégios das empresas investigadas. Como entender isso, se nessa crise econômica por qual estamos passando, há pessoas honestas trabalhando duro para sustentar sua família e que estão há meses e meses sem receber seus salários?
Isso demostra que esse instrumento da delação que ajudou e ajuda a desvendar as questões criminais complexas relacionadas ao direito penal econômico tem pontos que ainda são deficitários. O Estado devido a sua fraqueza diante do alto grau de criminalidade que estamos vivendo, busca a delação premiada, identificando-a como um mecanismo mais eficaz para combatê-la.
No entanto é necessário refletir se existe a necessidade uma padronização no que concerne aos requisitos de admissibilidade da delação, como também rever a questão ética, a dignidade humana, no que se refere aos aspectos da espontaneidade.