José Celso da Cunha (*)
Escondido na página 15 do Diário de Caratinga desta última sexta-feira, dia 8 de julho, um pequeno trecho da reportagem sobre o projeto Cineminas do Governo Estadual ― programa para criar ou reativar salas de cinema no interior do Estado, com o subtítulo, “Codemig vai investir em salas de cinema e fomentar a indústria cinematográfica mineira!” ―, me chamou a atenção pela sua atualidade e relevância. Sobre o mesmo tema, outra edição do DC já anunciava que várias cidades mineiras seriam contempladas com essa iniciativa do Governo do Estado, inclusive Caratinga… Dizem que serão investidos qualquer coisa perto de vinte milhões de reais neste programa. É esperar para ver.
Mas o que primeiramente me chamou mesmo muita atenção, favoravelmente, é de saber que a cidade de Ponte Nova, assim como Caratinga ― o que poderia ser uma feliz coincidência ― também deve receber sua sala de cinema dentro desta iniciativa. No caso de Ponte Nova, será reativado o edifício do antigo Hotel Glória, símbolo da riqueza e da modernidade do centro de Minas Gerais do início do século XX, quando os passageiros da estrada de ferro Leopoldina Railway enchiam seus quartos e apartamentos de viajantes provenientes de todo o Brasil. A estação ferroviária da Leopoldina em Ponte Nova, inaugurada no final do século XIX, em 1886, ficava do outro lado da rua, entre o Hotel Glória e o Rio Piranga. No meu romance histórico “Entre o Passado e o Tempo”, lançado em dezembro do ano passado em Belo Horizonte pela editora Letramento, (http://editoraletramento.com.br/produto/entre-o-passado-e-o-tempo/), o Hotel Glória aparece como cenário de um dos seus capítulos. Apenas para ilustrar um pouco sobre esse tempo, a estação ferroviária de Caratinga, que ficava no final da linha férrea da Leopoldina e que ligava nossa cidade ao Rio de Janeiro, passando por Ponte Nova, foi inaugurada somente no dia 12 de fevereiro de 1931.
Vista da fachada do Hotel Glória de Ponte Nova, em julho de 2015. Atrás da bandeira do Brasil, dependurada no balaústre da segunda sacada do prédio, havia uma faixa de VENDE-SE. O prédio, fechado há muitos anos, abriga atualmente apenas uma oficina de placas e faixas instalada em uma loja de duas portas no térreo. FOTO: A.C.M. DA COSTA.
O que poderia ser uma feliz coincidência entre as duas cidades, Ponte Nova e Caratinga, por terem sido virtualmente agraciadas com uma sala de cinema através do que pretende a Codemig, encerra-se aqui. Enquanto a primeira vai reativar um edifício que era destinado a um hotel particular, que teve seus dias de glória no passado, o que poderemos dizer de Caratinga? Certamente já designaram um local para este cinema em Caratinga, apesar disto não ser do conhecimento público, já que nas reportagens do DC nada foi mencionado a esse respeito. Entretanto, a reportagem do Diário de Caratinga não deixa dúvidas: “Os consultores visitaram os municípios e mapearam os imóveis que poderão abrigar os cinemas. Os complexos contarão com espaços de bilheteria, bomboniere e salas de exibição com capacidade para público de 150 a 200 pessoas”. No caso de Ponte Nova, quando visitei o Hotel Glória pela última vez, no ano Passado, havia uma faixa dependurada no balaústre da segunda sacada com um anúncio de vende-se este imóvel. Para comprá-lo, bastava telefonar para alguém cujo telefone era do Rio de Janeiro. Um pintor de faixas que ocupa precariamente uma loja no andar de baixo do mesmo prédio ― uma espécie de vigia do imóvel completamente desativado há muitos anos ―, me disse que o proprietário queria vendê-lo para uso cultural ou para que fosse novamente reativado como hotel: “mas, que as coisas não estavam nada fáceis para o proprietário”, segundo ele. Disse ainda que a prefeitura de Ponte Nova, que tinha intenção de adquiri-lo para transformá-lo em museu com salas culturais em dada ocasião, recuou, deixando o proprietário sem outra saída…
Não sei qual teria sido o prédio escolhido em Caratinga para a instalação desta sala de cinema no projeto Cineminas. Nem sei também das condições comerciais que permitiram a escolha mais que oportuna do prédio do antigo Hotel Glória de Ponte Nova, que além do mais, exigirá da prefeitura a reativação viária e urbana da região, hoje degradada, onde também fica a estação rodoviária da cidade, o que não será pouca coisa.
No caso de Caratinga, independentemente do local já definido para essa sala de cinema pelos consultores contratados pela Codemig e chancelado pela prefeitura, meu coração voltou-se para o prédio do nosso Cine Brasil, na Praça Getúlio Vargas. Nosso, porque, apesar de ser um edifício particular de um industrial conhecido e filho de nossa terra, pertence também a todos nós que amamos Caratinga e gostaríamos de preservar e guardar carinhosamente nossa história, mas com os olhos para o futuro.
Fachada do que ainda resta do nosso Cine Brasil. Apesar de muito destruídas, a fachada e o hall de entrada, que mais interessam ao patrimônio histórico de qualquer país sério, podem ser reconstruídos e restaurados sem maiores dificuldades. Foto: R.C. ROCHA.
Não adianta simplesmente preservar um prédio como o do Cine Brasil ou do Hotel Glória em Ponte Nova, se não o viabilizamos para o bem cultural da cidade. Ficando assim, em ruínas ou abandonado, apenas por capricho ou por pirraça, causa prejuízos de toda ordem, engessando o patrimônio do proprietário, que se sente marginalizado pela sociedade quando pensa em direcioná-lo para outra atividade que exigiria ou não sua completa destruição. Assim como a Praça da Liberdade de Belo Horizonte abriga hoje inúmeros centros culturais com a recuperação e adaptação dos antigos prédios do Estado ― numa iniciativa público privada bem sucedida ―, como em inúmeras outras cidades, no Brasil e no mundo, seria bom que nós também pudéssemos compreender a importância disso para Caratinga, incentivando a que a prefeitura e a Codemig tivessem iniciativas proativas para convencer o proprietário do Cine Brasil da importância daquele prédio para a cidade. O que foi destruído pode e deve ser recuperado e restaurado com certa facilidade, pois a fachada e o hall de entrada ― o que mais importa para o patrimônio histórico ―, estão muito bem documentados por fotografias, dados e memórias ainda vivas da grande maioria dos nossos concidadãos. Parece que há dinheiro suficiente para uma empreitada como esta, dado que já foi anunciado pelo Governo do Estado a disposição em gastar alguns milhões de reais no projeto Cineminas…
Espero que a iniciativa anunciada da Codemig em criar tais salas de Cinema não seja apenas mais uma armação irresponsável de governo, como tantas que surgem quando se aproximam eleições majoritárias como esta para prefeito. Quero acreditar que não seria este o caso. Ainda assim, significaria uma boa saída para o Capitão da Indústria: criar espaço de diálogo com a municipalidade e seus concidadãos para que os males e erros do passado sejam apagados pela reconstituição definitiva do nosso Cine Brasil.
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(*) José Celso da Cunha é engenheiro civil, professor, escritor e doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP-Paris. É membro da ABECE, do IBRACON e da Academia Caratinguense de Letras. E-mail: [email protected].