Acordo antes do despertador. Deus ajuda quem cedo madruga, logo penso. É tempo quaresmal, mas a fraqueza me faz ceder a dois vícios, maus hábitos dos tempos de estudante: um café preto, bem forte; e a bendita, bem dita, rede social, que, como toda rede, prende. Do décimo nono andar de um prédio Belo Horizonte parece muito serena. Serenidade que não se vê na rede. A polêmica agora é outra. Em tempos tão polares, as pessoas se esquecem de que o mundo é mais cinza do que preto e branco. Ou, para homenagear a bandeira nacional hasteada no mastro da escola que se vê lá em baixo, mais verde do que amarelo e azul. Alguma razão se encontra em ambos os lados. Num mundo que alegremente cultua a feiura, cultivar o belo é virtude das grandes. Numa sociedade em que só o novo, o jovem, tem valor, preservar o passado é mais que urgente. Mas preservar um patrimônio histórico só faz sentido porque ali se fez história. As pedras portuguesas têm valor não só porque belas, ou porque portuguesas, mas também, e principalmente, porque repousam sobre um solo pisado por centenas de milhares de caratinguenses que, por mais de século, frequentaram ali as missas. É preciso lembrar (que coisa!) que a calçada é calçada para ser pisada, pressionada, macerada. Se no passado eram os cavalos, hoje são as quatro rodas com força de cem, duzentos cavalos. Não há diferença substancial. O mundo mudou, mas não mudou tanto.
O gole quente do café me traz à mente o calor que arrefece a saudade. Penso na minha Catedral. Tão bela! Por que será que já não se fazem templos como antigamente? A César o que é de César, a Deus o que é de Deus, diz o Evangelho. E a beleza, por certo, é coisa de Deus. Mas não deveria ser também coisa de César? Mais um gole e se manifesta em mim a natureza mineira: isso que o mundo diz ser desconfiança, mas que nós sabemos ser prudência. A beleza tem de ser coisa de ambos, é claro! Mas César é míope. Perdido na imanência das coisas, César não enxerga à distância, no longo prazo. César não é mineiro, não é prudente. Não sabe que toda ação, cedo ou tarde, tem consequência.
O último gole, já frio (pudera, me perdi nos pensamentos), não é tão frio quanto a gélida conclusão a que chega este rebento do mar de montanhas, da terra da liberdade: o estacionamento da próxima igreja, ainda por construir, poderia ser ornado com outros belos mosaicos de pedras portuguesas. Provavelmente, porém, não passará da frieza morta do pálido concreto. Mas César não viu, afinal, César é míope… antes fosse mineiro.
Renan Victor Boy Bacelar
Mestre e doutorando em Filosofia do Estado e Cultura Jurídica pela UFMG.