Hospital Nossa Senhora Auxiliadora completou 100 anos ontem, em meio a uma intervenção administrativa e expectativa de superação da crise
CARATINGA- Ontem, o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora (HNSA) comemorou 100 anos de fundação. A data é marcada por um momento histórico: uma intervenção administrativa do Governo do Estado e do Ministério Público de Minas Gerais. Para os funcionários, a esperança de novos tempos, superando a crise que já se arrasta há alguns anos.
Para falar sobre a história do hospital, o DIÁRIO DE CARATINGA contou com a importante contribuição de monsenhor Raul Motta de Oliveira. Gentilmente, ele abriu o seu acervo para a Reportagem e mostrou cópia do estatuto de fundação, jornais antigos que tratavam das primeiras movimentações para a sua construção e compartilhou algumas de suas impressões sobre o assunto.
O HISTÓRICO
Inicialmente, o hospital chamava-se Nossa Senhora das Dores. A obra ‘Na História da Diocese de Caratinga’, volume I, traz no prelo do padre Othon Fernandes Loures, uma carta do, à época vigário de Caratinga, padre Modesto Augusto Vieira ao arcebispo de Mariana, dom Silvério Gomes Pimenta, com data de 12 de fevereiro de 1910, com os seguintes dizeres: “Comunico a V. Excelência que estamos fundando um hospital com o nome de Nossa Senhora das Dores, sendo como principal agente, o nosso amigo João Cupertino, de Ponte Nova, viajante. O prédio já está comprado e estamos promovendo o melhoramento do mesmo. Pedimos bênção de V. Ex.cia para que, com auxílio de Deus, possamos alcançar este benefício de grande necessidade para a nossa mata”.

Jornal ‘O Missionário’ trazia reportagem sobre as primeiras movimentações para arrecadação de fundos ao hospital (Foto: Reprodução)
Monsenhor Raul destaca que se tratavam das primeiras movimentações pela fundação. Antes da construção do prédio, o hospital funcionava em uma casa adaptada, na Rua do Comércio (Princesa Isabel). “Era lá na Rua Princesa Isabel. Ali que era o centro de Caratinga (risos). Fim da Rua João Pinheiro, onde está a capelinha, a Igrejinha São João Batista. Ali era a praça central”.
O estatuto trata da fundação do hospital aos 24 de maio de 1917, com as seguintes finalidades: assistência médico-hospitalar gratuita aos doentes pobres do município ou das circunvizinhanças distantes de outros estabelecimentos hospitalares e assistência espiritual aos doentes que não recusarem recebê-la. A mudança do nome para Nossa Senhora Auxiliadora é atribuída a Isabel Vieira, irmã de dom Modesto e ex-aluna salesiana. “24 de maio é considerado o principal da festa dos salesianos, por ser o dia de Nossa Senhora Auxiliadora”, explica monsenhor Raul. Estavam à frente dos trabalhos do hospital, também Arminda Moreira e os médicos Julio Guilhon, Joaquim Meira, Raymundo Luiz e Arthur Albino, que faziam o atendimento aos pobres gratuitamente.
Já em agosto de 1919, o jornal ‘O Missionário’, editado por monsenhor Rocha, convocava todo o povo de Caratinga para reiniciar as obras do hospital. Foi destacado como uma “grande festa” em prol do hospital de Caratinga. Na edição de setembro daquele ano, o jornal trazia a reportagem ‘Os pomposos festejos de domingo’, descrevendo que com os acordes das duas bandas de música locais, na Praça Cesário Alvim, celebrou-se a missa das 10h. A renda líquida da festa para a construção foi de dois contos, setecentos e oitenta e três mil e setecentos e cinquenta réis (2:783$750).
As Irmãs e o hospital
Dando um salto no tempo, no ano de 1945, o prefeito de Caratinga, José Augusto Ferreira Filho foi empossado como provedor do hospital. O bispo diocesano da época, João Batista Cavati conseguiu o aval da Superiora das Vicentinas no Brasil, Irmã Maria Blanchot. Ela veio a Caratinga em 17 de março daquele ano trazendo orientações sobre adaptações no prédio, para clausura das irmãs e a capela. Ao todo 67 Irmãs trabalharam em Caratinga. Irmã Josefa foi a que permaneceu mais tempo (26 anos).
Já na edição de fevereiro de 2005 da Revista Diretrizes, reportagem elaborada pelo monsenhor Raul trouxe a reportagem ‘O hospital e as irmãs vicentinas’, em “reconhecimento e gratidão” aos 60 anos de serviços de caridade.
Naquele ano, a Irmã Superiora da Província de Belo Horizonte esteve em Caratinga para comunicar a dom Hélio Gonçalves Heleno, que o HNSA estava perdendo a presença das Irmãs Vicentinas ou Irmãs de Caridade, por “falta de pessoal qualificado, idade avançada e doenças”.
No final de 2004, as últimas três Irmãs que trabalhavam no hospital (Erothides, Leny e Ivanildes) já haviam partido para sua residência à Rua Alberto Vieira Campos.
Esperança
Ao longo dos anos, o hospital ocupou as manchetes dos jornais com assuntos polêmicos em torno de manutenção de funcionários, falta de recursos e acúmulo de dívidas. A mais recente notícia foi sobre o anúncio de uma nova gestão pela Associação Mineira de Assistência à Saúde (Aminas). Monsenhor Raul destaca que tem esperança que o HNSA irá “levantar” com a intervenção do Estado. “Esperamos que essa intervenção dê um jeito de estancar. Se não pode funcionar a maternidade, não funcione e não fique devendo. A maternidade pesou muito para essa dívida aumentar. Não sustentava. Gasta mais do que entra, não tem jeito. Se trancar essa dívida; vai pagando o resto devagarzinho. Fazer bingo, tudo que for possível para pagar essa dívida do hospital”.
Segundo monsenhor Raul, nunca houve no hospital uma crise desta natureza. Ele ainda relembrou que no início das movimentações pela construção do hospital foi feito um trabalho de caridade e dedicação de porta em porta. Mas, atualmente, a realidade é outra e as necessidades aumentaram. “Nunca chegou a essa dívida de agora, mas dificuldades sempre tiveram. A dona Maria Felícia trabalhava de casa em casa em Caratinga arrecadando dinheiro para o hospital. Ia de casa em casa, nas vendas, comércios, famílias, o trabalho dela muitos anos foi assim. Não havia problema de SUS, nada disso. O que gastava era a despesa e mais para atender os pobres mesmo. De graça. As pessoas sempre ajudaram, de vez em quando fazia umas campanhas como essa do monsenhor Rocha. Era isso que sustentava o hospital. Hoje é outra realidade, aumentou demais o atendimento, já pegava a região porque não havia hospital em outro lugar, mas, são cidades, antes eram povoados. Santa Bárbara mesmo, década de 40 era um povoado. Nem vila não era. Pra vir era difícil, não havia ainda nem Rio-Bahia aqui”.
LEMBRANÇAS E EXPECTATIVAS
Funcionários e ex-funcionária relembram chegada ao hospital e trazem relatos esperançosos
Quando se fala em dificuldades financeiras no hospital, além dos pacientes, os funcionários são atingidos diretamente, pelo “fantasma” das demissões e as incertezas das dificuldades que ainda podem vir. Por isso, o DIÁRIO conversou com duas pessoas que trabalham atualmente e outra que já trabalhou no hospital. Ambas relatam como começaram a carreira no HNSA e trazem suas expectativas sobre novos rumos na história do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora.
“ÉRAMOS MUITO UNIDOS”
Maria Sueli Geralda de Oliveira Aguiar, trabalhou há 40 anos no Hospital Nossa Senhora Auxiliadora. Foi a sua primeira experiência profissional, como atendente em enfermagem. Por telefone, Maria fez questão de dar o seu depoimento sobre o período em que trabalhou no centenário.
Ela se recorda do período como “muito bom” e que não faltava estrutura para o trabalho. “Não faltava material. Gostava de trabalhar com as irmãs era muito bom, amava, eu até dobrava os plantões. Era um carinho muito grande pelos pacientes. Na minha folga ajudava as meninas (outras funcionárias). Tinha tanto apego aos pacientes, que acompanhava até o fim, quando acontecia de falecerem eu fazia questão de ir aos velórios. Éramos muito unidos”.
Maria disse que só se recorda de um momento de crise, que ela não sabe precisar ao certo quando, mas teria sido “bem depois” de quando iniciou no Hospital Nossa Senhora Auxiliadora. Ela ainda lamentou a nova crise que assolou o hospital recentemente e a falou na necessidade de mobilização para reverter este quadro. “Teve uma crise depois, as alas fechando e deixou a faltar material. E agora fico muito triste com essa situação, se ainda estivesse morando em Caratinga ia tentar alguma coisa, gosto muito da parte social, talvez promover bingos. Porque tudo isso é muito triste”.
Faltam dois anos para Maria Sueli se aposentar. Ela trabalha há 23 anos no Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, em Belo Horizonte, que trata crianças abandonadas que sofrem de paralisia cerebral. Mas, ela não se esquece do tempo em que trabalhou no hospital de Caratinga e deseja que surja um novo tempo para o HNSA. “O hospital vai dar a volta por cima, esta não é a primeira crise que ele enfrenta. As pessoas precisam desse atendimento, porque não dá para ir para Ipatinga, ou outras cidades da região. Caratinga é uma referência”.
“FALAVAM QUE O HOSPITAL ERA O MELHOR DA REGIÃO”
Maria Santa de Jesus trabalha há 23 anos no hospital. Ela também começou como atendente em enfermagem. Questionada sobre algumas diferenças daquele período para os dias de hoje, ela fala da estrutura para trabalho e do número de cargos. “Têm coisas que melhoraram e outras pioraram. Materiais para limpeza, uma toalha de banho para paciente tinha mais, roupas. Hoje já é mais complicado e têm muitos cargos, antes eram três chefes, administradores da enfermagem, serviços gerais e da recepção. Chefe de enfermagem, por exemplo, era uma só para todos os técnicos, hoje tem um em cada setor e cada horário, porque de 12 em 12 horas troca e tem quatro enfermeiras em cada setor.”.
Maria Santa ainda destaca que naquela época não se falava tanto em crise como atualmente, mas, o hospital sempre passou por dificuldades. “Desde quando comecei, sempre tinha alguns problemas no final do ano, mas nunca complicado como essa crise. Eles falavam que não estavam tendo como pagar funcionários, surgiam assuntos que iam ser demitidos vários funcionários. Mas, passava o mês de dezembro, começava o janeiro e melhorava”.
Ela ainda relembra que a sociedade tinha um olhar diferenciado para o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora. “As pessoas elogiavam muito o hospital, falavam que era o melhor da região. Mas, hoje mudou um pouco essa opinião”.
Com a chegada de uma nova gestão e um olhar mais ativo do Estado, Maria Santa espera melhorias na saúde no município. “Expectativa a gente sempre tem. A esperança é a última que morre. Espero e vou fazendo o que posso fazer de melhor. Agora foi um susto muito grande os funcionários do PAM serem demitidos. Os colegas da gente todos precisam trabalhar, então mexe com a gente, nosso psicológico. Mas, sempre teve crise. Vamos trabalhando e está nas mãos de Deus”.
“A GENTE É UMA FAMÍLIA”
Arlem de Souza Nogueira trabalha no hospital há 17 anos. O enfermeiro destaca que atuava anteriormente na Casa de Saúde, mas, com a ida para o HNSA chegou a participar da administração das Irmãs de Caridade. “A gente brinca aqui no hospital, que era um período em que a gente era extremamente cobrado, mas não sabia que era tão feliz. Infelizmente o hospital passa por uma crise desde mais ou menos uns 15 anos, mas a alegria que temos aqui dentro supera qualquer dificuldade. Aqui a gente é uma família, tem prazer de estar perto um do outro, fazer a função que a gente tem aqui dentro. Não esquecendo o ser humano e principalmente do lado cristão do hospital, por ser da igreja católica. Fico muito feliz de estar participando desses 100 anos do hospital, contribuindo por 17 anos dessas conquistas”.
Sobre a nova administração, o enfermeiro afirma que ainda não há informações detalhadas sobre o assunto, mas os funcionários estão confiantes e esperançosos. “A gente ainda não tem ideia do que vai acontecer. A gente sabe que vai ter uma nova administração, porém, ainda não foi repassado pra gente os moldes, como vai ser. Estamos nessa expectativa de melhora, porque o hospital já chegou numa situação que pra pior está difícil. Queremos que melhore, não pelos funcionários, mas, pelo paciente”.
Arlem ainda ressaltou as comemorações em referência aos 100 anos do hospital, com a celebração de uma missa, que ocorreu às 17h de ontem, na capela do hospital. Já no dia 31 de maio, acontecerá uma missa campal no pátio da maternidade, com horário previsto para as 19h.
Um comentário
Ivanir Faria
Parabéns pela excelente reportagem. Atual e muito bem contextualizada pelas fontes históricas.