Duas histórias ligadas pelo hábito de transmitir afeto por meio das palavras
CARATINGA– As cartas são consideradas o meio de comunicação mais antigo do mundo. Embora, os dias atuais tenham sido invadidos pela era tecnológica, ainda há quem ainda se utilize deste recurso.
O DIÁRIO conheceu duas histórias que estão ligadas exatamente pelo hábito de escrever cartas. Os objetivos são diferentes, mas, os sentimentos expressam o mesmo afeto e o desejo de se comunicar.
MÃE E FILHO
Margarida Batista Lima Rodrigues deu início à troca de cartas com o filho há seis meses. A moradora do Chácaras da Aldeia, condomínio Morada do Lago I, tem um motivo particular: é assim que ela fala com o jovem que está detido na Penitenciária João Batista de Santana, localizada na zona rural de Riolândia/São Paulo.
“Estou fazendo isso por necessidade mesmo, porque não tenho outro meio de comunicação devido infelizmente ao que está acontecendo na minha família. Estou com um filho preso bem longe, uma zona rural. Não que eu não goste, sempre gostei de escrever e agora é uma oportunidade maior que estou tendo para comunicação com esse meu filho que está lá. Mas, escrever é bom, faz bem, recebo também as cartinhas dele e isso tem me ajudado até a conviver com esse problema”, destacou Margarida.
As cartinhas escritas com caneta vermelha trazem para a mãe os relatos do dia a dia de encarceramento e os arrependimentos. Do outro lado, Margarida encaminha conselhos e se emociona. “É muito gratificante porque ele escreve coisas que talvez não me diria pessoalmente e essas cartas estão me fazendo sentir uma diferença no jeito dele de ser, está me passando uma confiança maior. Chega a carta é aquela emoção. É como se fosse um prêmio na loteria, muito bom”.
Mãe e filho tentam se corresponder com certa frequência, mas enfrentam algumas dificuldades de logística. Apesar disso, eles driblam os problemas e estreitam a relação por meio das cartas. “Devido ao lugar e a dificuldade, de 30 em 30 dias eu recebo e mando de 15 em 15 dias. Às vezes acontece alguma coisa, demora chegar alguém para levar para ele. Depende da necessidade, mas já falei para ele que vou escrever mais porque ele também fica feliz quando recebe. E fica aquela expectativa de quando vai chegar, porque inclusive não chega aqui, porque é considerado zona rural. Minha mãe que recebe para mim porque é mais fácil o acesso de chegada dos Correios”.
Margarida acredita na importância das cartas. “Espero que isso continue com outras pessoas também, que voltem a esse costume. Antigamente escrevia muito, porque até tinham outros meios de comunicação, mas eram mais de difícil acesso para nós”.
ESCRITOR TRADICIONAL
Carlos Aquino é um admirador das cartas e da escrita. Ele frisa que o hábito é antigo. “Sou de uma época que não havia telefone, WhatsApp. Eu morava fora e correspondia com meus familiares através de cartas, com minha esposa. Sempre gostei e gosto de escrever”.
Tamanha admiração se reflete mesmo até na hora de escrever, se aproximando ao máximo dos moldes tradicionais. “Gosto muito de serviços postais. Já fui colecionador de selos, adquiri e ainda tenho alguns envelopes antigos, pequeninho, verde e amarelo, que tinham as cores do Brasil; e gosto de escrever à mão, caneta tinteiro, porque gosto de mandar para familiares meus. Tenho tios com mais de 80 anos, eles não usam as redes sociais, então, gosto de mandar no aniversário, no Natal, uma cartinha, um cartão. Adoro postais, quer ver eu ficar feliz é alguém estar em algum lugar e mandar um postal pra mim. Ainda tenho alguns, adquiri de um artista de Caratinga, que às vezes mando para algumas pessoas do meu relacionamento pessoal”.
Aquino acredita que por meios das cartas, as relações ficam a mais “íntimas e pessoais”. “Quando você manda mensagem no WhatsApp a pessoa vê e apaga; às vezes aquele papel que ela recebeu, além de guardar, é lida para os outros. Por exemplo, quando você manda uma carta para um parente seu, como uma pessoa mais idosa, ela é lida por todos. As notícias são transmitidas a todos”.
Como incentivador da leitura e da escrita, ele acredita que é preciso motivar os estudantes a exercitarem a imaginação. “As notas de redação do Enem são baixíssimas. As crianças hoje não escrevem. No sabe mais escrever uma carta, hoje na escola não ensina o telegrama. Eu ainda costumo utilizar. Ensinar a fazer uma carta comercial e pessoal. A minha família é uma geração de professores de Português e ela incentiva muito a leitura. Quem lê escreve melhor. Esse hábito passei para minha neta, de vez em quando abro minha gaveta, um livro, tem um bilhetinho dela. Compro aqueles envelopinhos coloridinhos, que ela gosta de mandar para as amigas também”.
Carlos Aquino se inspira em Machado de Assis e assim deixa seu recado. “Machado de Assis escrevia muito, para muitos amigos. Tem uma carta que até uso o introito dela, diz assim: “A distância não tira a memória dos amigos”. Quer dizer, uma carta encurta a distância”.