Pouco profissionais conseguem ser tão bons em rádio e jornal impresso quanto a Carlos Alberto Fontainha. Nós do DIÁRIO tivemos a satisfação de tê-lo como editor. Com seu jeito didático, muito nos ensinou. Além do conhecimento inegável, Fontainha tem outra característica: a sensatez. Avesso ao sensacionalismo ou tão falado imediatismo, sempre exigia apuração dos fatos. Ele ainda nos visita, sempre nos manda pautas e, esporadicamente, escreve suas matérias. Nos elogia quando tem que elogiar e nos chama atenção quando necessário. “Que materinha sem vergonha”, diz quando o texto não lhe agrada, assim Fontainha mostra que o sangue de jornalista arde como nunca em sua veia.
Como e quando o senhor ingressou no jornalismo?
Minha primeira experiência com o público aconteceu ainda ao tempo do grupo escolar: participava dos auditórios – encontros literários (ou quase) – no pátio da escola; fui o orador de minha turma, na conclusão do curso primário, discursando para cerca de trezentas pessoas no nosso saudoso Clube Municipal. Profissionalmente, também diria que fui mais ou menos precoce. Peguei um microfone profissional, na nossa sempre querida Rádio Caratinga, em 1961, com dezesseis anos. Do rádio de estúdio para o radiojornalismo foi apenas questão de (pouco) tempo. Dividi o rádio com a redação do Jornal de Caratinga, ao lado de feras, como Kleber do Val, Fernando França e José Carlos Cerqueira, por exemplo, e sob a orientação segura do Humberto Luiz, nosso grande mestre.
As redações e as ruas renderam boas histórias. O senhor poderia nos contar uma que lhe marcou?
Sempre pautei meu trabalho pela honestidade de informação; nunca gostei (e não gosto) de boatos e fofocas. No entanto, respeito e admiro o que se chama, hoje, jornalismo investigativo, embora, talvez, nunca o tenha exercido: sou mais de trabalhar em cima de fatos, comentando e opinando com isenção. Muitos anos atrás, em uma campanha político-eleitoral, fui convocado pelo José Carlos, então chefe de redação da Rádio Caratinga a fazer uma entrevista com determinado candidato à prefeitura. Este candidato não gostou do rumo que a entrevista estava tomando reclamou com o chefe e o meu trabalho abortou: a entrevista, aparentemente dirigida foi ao ar com outro apresentador. Ossos do ofício. Outra experiência marcante foi quando entrevistei, no Super Canal (em seu início), dom Luciano Almeida, então arcebispo de Mariana. Talvez nunca eu tenha conversado com uma pessoa tão lúcida, tão antenada com o mundo e tão ciente de nossas próprias fraquezas.
O jornalismo tem passado por grandes mudanças ao longo das décadas. Qual sua análise dessas mudanças?
O bom do jornalismo é que sempre será necessário, útil. Isso ocorre desde a formação do mundo. Se lermos o livro do Gênesis, sob a ótica do jornalismo, vemos que não passa de uma extensa, bonita (e nem sempre esclarecedora) matéria sobre um fato. Com o próprio desenvolvimento da humanidade esse jornalismo foi mudando, se adaptando. Dos relatos orais, dos imensos rolos escritos, à invenção do tipo móvel (uma revolução), das máquinas impressoras mais rápidas, até chegar ao rádio (nos anos 20 do século passado), à televisão, uma década depois e mais recentemente, à web, com sua instantaneidade. Com a net no cenário muito se fala no fim do ciclo do rádio e da televisão. Não creio que isso vá acontecer, assim como não ocorreu a cada fase da evolução do próprio jornalismo, ao longo dos tempos. No entanto, só o futuro dirá se tenho ou não, razão.
Para que um jornal impresso sobreviva diante de tanta informação passada pela internet, o que deve ser feito?
Como disse, não creio que o jornalismo, em si, vá desaparecer. E isso inclui, certamente, sua forma impressa. O segmento sente na própria carne, hoje, os efeitos da concorrência com a internet, e isso é, certamente, um risco. O mesmo ocorre com a oferta da leitura de obras literárias de todos os gêneros, também pela internet. Mas, tal como os livros, não vejo o fim do jornal impresso. No caso da net, esclareça-se: ela é apenas o veículo, não o gerador da informação. O leitor, digo, o bom leitor, atento e analítico, vai sempre procurar a versão impressa do livro e do jornal, para ter sempre à mão, a informação precisa, mais profunda, eu diria, melhor que a versão apresentada pela net. Por isso, enfatizo a necessidade de se continuar a fazer um jornalismo altamente qualificado e, por isso mesmo, um jornal impresso cada vez melhor. Ainda teremos jornal nas bancas por muitos anos.
Ainda sobre a internet e seu imediatismo, o senhor é daqueles que corroboram com a tese de que atualmente o jornalista está mais acomodado?
Não entendi bem a pergunta, mas, vamos lá. Em princípio, não vejo qualquer relação entre o imediatismo da notícia via internet e uma suposta acomodação do profissional. Deve ser levado em conta o fato de que quem redige a notícia a ser transmitida pelas emissoras e pelos jornais, via internet, também é um jornalista. Ou não? Talvez o senhor queira se referir ao profissional que está na redação de um jornal impresso, com seu notebook ligado e plugado na net, exatamente no site de uma dessas emissoras ou, quem sabe, de um jornal, à espera da informação. Do que fará dessa informação é que vai depender o futuro de seu jornal. Se simplesmente usar o critério do copiar e do colar (Ctr C e Crt V), certamente estará condenado. Se, porém, usar a informação colhida e dar-lhe forma própria, com seu jeito pessoal, acredito que se salva.
Hoje faltam boas pautas? Os meios de comunicação estão muito iguais?
O chefe de redação é, de longe, o profissional mais mal compreendido, principalmente no interior, quando trabalha com poucos profissionais. Nunca trabalhei em uma grande redação, seja de jornal, de televisão ou de rádio; todas por onde passei eram relativamente pequenas: três ou quatro repórteres, apenas um fotógrafo ou cinegrafista para todos e somente um veículo (quando havia). Quase nunca havia o que se chama “reunião de pauta”, a definição do que poderia e deveria ser coberto. A dependência da redação de uma fonte comum de informação, prefeitura, judiciário, polícia, pode ter influenciado o surgimento dessa aparente igualdade na apresentação da notícia; cabe, portanto, ao profissional, dar o seu toque pessoal que consiga distinguir o seu trabalho do que é apresentado pelo concorrente.
O senhor aprecia as chamadas mídias digitais?
É muito difícil dizer se se aprecia ou não. Elas estão aí e embora eu as veja como superficiais quanto à profundidade da notícia ou da análise, não nego que goste de acompanhar um trabalho jornalístico bem produzido e bem conduzido, qualquer que seja o veículo. É claro que tenho minhas preferências, porém, peço licença para não revelá-las. A mídia digital veio e dificilmente irá embora. Com ela temos de conviver e quem sabe, superá-la com nosso próprio trabalho, que deverá ser superior em qualidade e veracidade, principalmente.
Atualmente, que realidade o jornalismo vive no Brasil? Os meios de comunicação estão mais partidários?
Essa vinculação da imprensa com a política e com o poder sempre existiu. A rigor, nunca existiu o que se convencionou chamar jornalismo isento ou imparcial. Mesmo na apresentação de um fato corriqueiro, como um acidente de trânsito, por exemplo, o repórter não terá a anunciada isenção; o que escrever será sempre, sua própria visão daquilo que viu ou ouviu.
Na imprensa caratinguense, quais os profissionais que o senhor admira?
No passado e no presente, minha admiração maior sempre foi e será o Humberto Luiz. Em meu tempo de Sistec (rádio e jornal, televisão, nem tanto), com ele briguei muito, discutimos muito, mas, aprendi muito. Nos dias de hoje, gosto do radiojornalismo da Graziela e do José Carlos, na Rádio Cidade; o Kleber do Val continua sendo a referência maior no Grupo Sistec. Na imprensa escrita, admiro o trabalho da Nohemy – texto claro e conciso –, a Paula Lanes escreve bem, pena que tenha se restringido ao setor oficial ou oficioso. Isso tem prejudicado, em minha opinião, o desenvolvimento pleno de seu potencial. Gosto do jeito de escrever do Raul Miranda, mas seu temperamento talvez tenha influenciado de forma negativa sua atividade profissional. Ele continua escrevendo bem, embora de forma dispersa.
O senhor se considera um homem do jornal impresso ou do rádio?
Boa pergunta, porém, impossível de dissociar uma atividade e outra. Quem trabalhou por quarenta anos em rádio, inevitavelmente, teve passagem pelo jornal e pela TV, onde havia. Mas, se você quer uma resposta franca, sou homem de rádio, mesmo reconhecendo que meu estilo esteja ultrapassado; sou homem de rádio AM e não de FM, se é que se possa dizer isso hoje. No meu tempo dizíamos que o homem de AM era “mais comportado” e o de FM “mais extrovertido”; os dois tinham seu próprio estilo e atingiam seu público.
Como o senhor se sente sabendo que é uma referência para o jornalismo não só de Caratinga, mas para todo o interior de Minas?
Bondade sua. Não sei até que ponto essa referência deva ser levada em conta. Considero-me uma pessoa simples, de poucas, mas relevantes ambições. A maior, sem dúvida, ter a misericórdia de Deus, que me permitiu criar, com minha esposa e companheira de todas as horas, a Gracinha – que muitos conhecem – uma família maravilhosa, quatro filhos, três noras, um genro e uma netinha, a linda Lívia. Profissionalmente, gosto de dizer que mais aprendi que ensinei ao longo dos anos. Trabalhei com dezenas de colegas e todos tinham e têm algo a ensinar; a troca de experiências foi altamente proveitosa. Você talvez pergunte: ‘sente saudade?’. A resposta é duvidosa: ‘nem sempre, mas ela sempre vem’.