Sara Gusella mediou o primeiro painel de ficção cristã na Bienal do Livro de São Paulo
CARATINGA- Ficção cristã. Uma tendência literária que está em ascensão no Brasil e que tem como dos principais nomes uma caratinguense: Sara Gusella. Histórias com valores cristãos, mas, que são ficção e não têm foco na doutrinação. Com a crescente popularidade, o gênero foi um dos destaques da Bienal do Livro de São Paulo.
Sara, que mora em Belo Horizonte, está na cidade de Caratinga e recebeu a equipe do DIÁRIO para falar sobre o tema. Confira a entrevista:
O que é ficção cristã?
A ficção cristã é nada mais do que uma literatura ficcional, então pode ser aventura, ação, romance, mistério, fantasia, mas escrita por um autor cristão e que carrega intencionalmente valores e princípios da fé cristã. É uma narrativa, uma história ficcional, mas que ela vai carregar ali uma moral, ela vai carregar um tema principal que vai apontar de uma forma ou de outra para mensagens que estão na Bíblia e para a mensagem do Evangelho.
Os mais conservadores são resistentes à fantasia. A percepção dos cristãos sobre a cultura tem mudado?
Total, eu acho que esse preconceito, ele é comum mesmo dentro das igrejas cristãs, dentro da cultura cristã de certa forma, nesse sentido de se afastar da cultura, se afastar dessas formas de arte, vendo elas como menos santas, como algo que muitas vezes é usado para passar mensagens negativas. Mas, na própria Bíblia, a gente tem muitos exemplos ali de narrativas e de histórias que continham valores. As próprias parábolas que Jesus contou e que Jesus escrevia, elas eram histórias ali que passavam mensagens. E eram histórias totalmente ficcionais. Então, eu acho que por ser um exemplo, que ele é muito visto na Bíblia também, de diferentes pessoas que foram levantadas para passar mensagens, mas escolheram passar através de histórias, a igreja tem se aberto para entender a ficção. De fato, como uma ficção, um entretenimento saudável, limpo e seguro, que vai te contar histórias, porque nós seres humanos, nós amamos histórias, né? Nós nos relacionamos por meio delas, mas vai também, através daquela história ficcional, te passar verdades eternas.
A ficção cristã tem a missão de converter?
Não. A ficção cristã, ela tem o propósito principal de trazer uma literatura de qualidade e uma literatura segura. Então, eu diria que o propósito da ficção cristã, no final de tudo, é trazer mensagem de esperança. É ecoar um pouco dessa esperança que nós encontramos na palavra e que nós encontramos em Jesus. E que a gente acredita que não se limita somente às quatro paredes da igreja, mas é algo que se relaciona com o nosso dia a dia, como a gente vive a nossa vida, as histórias que a gente lê e as histórias que a gente escreve. Então, a ficção cristã, eu vejo ela como uma forma de passar, de refletir um pouco do coração que o leitor vive com Deus. Ela é muito mais uma forma de refletir uma mensagem de esperança que o próprio escritor está ali trabalhando e caminhando na vida dele do que de fato de converter. Até porque o principal objetivo da ficção cristã é que sejam histórias de qualidade, é que um leitor cristão, ele vai pegar aquele livro, ele vai se divertir, ele vai rir, mas ele também vai ser edificado, porém um leitor não cristão vai ler aquela história e talvez ele não pegue nada além, mas ele vai ter lido uma boa história.
As obras não são com viés teológico. Por que então denominá-las como ficção cristã?
É excelente essa pergunta, porque é até uma das coisas que muitas pessoas me questionaram ao longo dos últimos anos, de você não precisa colocar o cristão, você é cristã e você escreve histórias, você é cristã e você escreve ficção, então não precisa do cristão ali, porque muitas vezes o cristão já gera um pouco um preconceito, né? Uma pessoa já acha que ela tem uma ideia do que ela vai encontrar, mas pra mim foi essencial, determinar e classificar os meus livros como ficção cristã, a partir do momento que eu entendi que as histórias que eu escrevo são uma extensão da minha caminhada de fé com Deus. Então, eu achei que era o mais justo para mim e para os leitores que vão pegar a minha história entenderem que o que eles estão lendo ali é uma obra ficcional, mas que é também uma parte muito importante do meu processo de fé, tanto das certezas, tanto das dúvidas, Mas tem muito do meu coração e da minha caminhada de fé dentro daquele livro. Por isso não tinha como classificar ele somente como uma literatura ficcional e não colocar o cristão junto.
Como foi essa caminhada de iniciação da ficção cristã e como está o mercado atualmente?
Quando comecei realmente a ficção cristã, ela não era chamada assim, tanto que na época que comecei seria muito mais confortável, muito mais fácil para mim chamar os meus livros de fantasia simplesmente do que fantasia cristã. Comecei em 2021 e naquele tempo a gente tinha algumas obras de ficção cristã já muito famosas, como “As Crônicas de Nárnia”, “Orgulho e Preconceito”, mas nenhuma dessas obras tinha o título, o rótulo de ficção cristã. Então, comecei em 2021, fui para a minha primeira Bienal do livro no Rio de Janeiro, onde não existia o gênero, o nome ficção cristã. E lá comecei com o estande que eu estava, colei um adesivo e escrevi assim, ficção cristã. E tive muitas resistências naquele ano, mas ao mesmo tempo muitas pessoas que se interessaram, tanto cristãos e não cristãos também. E nos últimos três anos, de 2021 até aqui, tenho visto um crescimento exponencial de um mercado que realmente não existia no mercado literário brasileiro. E pela graça de Deus, que fosse exatamente nesse tempo pós-pandemia, no momento em que eu estava escrevendo assim como tantos outros escritores também, que as portas das editoras se abrissem para isso. Então, o que as editoras viram é que, apesar de ele não ser um mercado muito reconhecido, ele era um mercado que tinha muitos leitores online. Muitos cristãos que sempre foram leitores, sempre consumiram cultura, sempre consumiram esse tipo de literatura, estavam ali com essa demanda reprimida, essa demanda não satisfeita de literatura cristã. Então, quando começou, a gente teve um grupo de leitores que abraçou muito e que continua crescendo exponencialmente a cada ano. Hoje, por exemplo, em 2024, a ficção cristã já é um gênero totalmente reconhecido no mercado. Não existe nenhum profissional do mercado literário que talvez não tenha ouvido falar do termo nesse ano. Então é algo que ainda está iniciando, ainda tem um caminho muito, muito longo pela frente para percorrer, mas que já tem ganhado sua notoriedade e seu reconhecimento dentro do próprio mercado.
Inclusive, existe uma Feirão de Ficção Cristã…
Exato. Em 2022, eu criei a Feficc, que é a Feira de Ficção Cristã e Cultura, que é a primeira feira do país focada exclusivamente nisso. E é um evento maravilhoso, ele acontece há três anos. Esse ano, a gente teve a primeira edição dele em São Paulo, as duas anteriores foram em Belo Horizonte, que é a cidade onde moro. E esse ano, a feira cresceu dez vezes, comparada à edição do ano passado para esse, tanto de números, vendas e expositores também. Então, a gente teve essa terceira edição realizada em São Paulo, mais de 11 mil pessoas, 22 editoras passando pela feira, e que foi um evento que também consolidou ainda mais a ficção cristã como um gênero em ascensão no mercado literário.
Poderia falar sobre os seus livros?
“Os clãs da lua” é o meu lançamento. É uma ficção científica, que é uma releitura do livro de Êxodo, só que no espaço, onde em vez dos israelitas serem escravizados no Egito, nós temos a humanidade escravizada na Lua. Ele foi o lançamento na Bienal de São Paulo, que aconteceu em setembro, o nono livro mais vendido do estande da Thomas Nelson e também uma obra que eu estive com ela na Flip, que é a festa literária de Paraty. Fui convidada pela Publish News, que é um jornal só focado no mercado literário, para estar em uma das mesas na programação oficial deles e também mostrando um pouco das minhas obras. Então, esse aqui é o lançamento que já esteve aí nesses eventos e é uma aventura, é um livro único. E o meu primeiro livro, que é uma fantasia cristã, “A escolha do verão”, que conta a história de um garoto que nasceu numa vila onde só tinha uma estação, o verão. Lá era sempre sol, sempre calor por gerações, até que um dia o sol desaparece e o inverno rigoroso chega tomando conta de tudo. E aí, pra salvar a sua família, o Beor tem que partir numa jornada pra encontrar a estação desaparecida, pra encontrar o verão e trazer ele de volta. E esse é o primeiro livro de uma série de quatro livros.
Qual sua dica para quem desejar saber mais sobre ficção cristã?
Se você quer conhecer a ficção cristã, principalmente uma literatura produzida por uma caratinguense que está em diversos diferentes eventos literários, te aconselho a dar uma chance. Pode começar por qualquer um dos livros que te pareceu mais interessante. Quero te convidar para me seguir também no Instagram @saragusella. É lá que sempre fico compartilhando sobre as minhas obras, um pouco sobre o mercado de ficção cristã e também o Instagram da Fefic, que é @feficc.feira. Lá a gente sempre vai trazer atualizações sobre a feira, que acontece uma vez por ano, e todas as outras programações que estão ligadas a ela.