Este ano, chego a marca de vinte e cinco anos de carreira na crônica esportiva. Destes, 15 como colunista no Diário de Caratinga. Já tive o prazer de ser convidado para escrever sobre diversos temas relacionados à história do nosso esporte, especialmente sobre futebol. Porém, dessa vez, o redator-chefe José Horta me pediu uma abordagem opinativa mais específica: Como Caratinga pode se tornar uma cidade atrativa para investimentos esportivos? No artigo a seguir, espero poder colaborar na resposta a essa pergunta do redator.
A resposta a tal indagação, passa antes por algumas palavras que considero imprescindíveis: PROJETOS – POLÍTICA – ORGANIZAÇÃO – INTERESSE- VONTADE. Historicamente, Caratinga viveu períodos de sucesso em épocas distintas, com destaque em diversas modalidades. Houve época que nos destacávamos pelo tênis, já fomos reconhecidos por grandes times de futsal (na época futebol de salão), já tivemos destaques no atletismo, motocross, natação, atualmente temos nomes brilhando nas artes marciais, voleibol, e claro, nosso futebol tanto amador quanto profissional já levou o nome de Caratinga muito além de nossas montanhas. Porém, a grande maioria desse sucesso, é fruto de esforços individuais, clubes ou desportistas abnegados. Em um ou outro momento, tivemos um esboço, um ensaio de POLÍTICA PÚBLICA para que Caratinga aproveitasse todo seu potencial. Entretanto, não me lembro de viver um período onde foram colocadas na mesma frase: Projetos, Política, organização, interesse e vontade. Quando isso acontecer, não tenho dúvida que nossa cidade dará um grande passo para se tornar atrativa para investimentos esportivos. Precisamos antes fazer o “dever de casa”. Como atrair investimento esportivo para a cidade, se nossos próprios investimentos são muito abaixo do necessário?
Porque ainda não temos secretaria?
Ainda não consegui ouvir de ninguém, de nenhuma administração, um único argumento plausível que explique: Por que Caratinga não tem uma Secretaria de Esporte? Normalmente, é uma diretoria vinculada a outra pasta, na maioria das vezes comandada por pessoas com pouca, ou nenhuma ligação com desporto. Sendo assim, o diretor, ou responsável pelo esporte, por mais boa vontade, competência, formação acadêmica especialização que possua, terá sempre sua autonomia muito limitada. Além disso, a estrutura organizacional de uma secretaria de esporte, possibilita uma gestão mais eficiente, com funções mais claras e competências bem definidas. Dos 26 estados federados, dos 5.568 municípios brasileiros, 87% deles contam com secretaria de esportes e não apenas um departamento. Na minha humilde opinião, demonstra a importância que o gestor dá ao tema. Em Minas Gerais, esse número sobe para 92% das cidades com secretaria. Não se trata apenas de nomenclatura como pode sugerir alguns menos informados. Através de uma secretaria de esportes, políticas públicas de esporte devem ser pensadas e instituídas para muito além de intervenções sazonais, pontuais ou ações fragmentadas, com intuito de viabilizar eventos esportivos ou fomentar treinamentos especializados para acolher demandas específicas de parcela mínima da sociedade. Claro que incentivar através de patrocínio de taxa de arbitragem, doações de troféus, medalhas, e até mesmo materiais esportivos é muito importante. Porém, política esportiva vai muito além.
Desenvolver projetos é um dos caminhos
Outro ponto muito importante para o sucesso da “empreitada” de se tornar atrativa para investimentos esportivos, é desenvolver projetos que fomentem o esporte, produza inclusão. Assim, automaticamente a cidade se destaca e atrai investimentos públicos e privados. Sem falar no ponto mais importante que é a questão social. Fico muito à vontade pra falar sobre o tema. Em 2016 quando fui convidado para assumir o cargo de diretor de esporte do América Futebol Clube, tive a iniciativa com total apoio do presidente, e de todo conselho deliberativo do clube para criar o projeto América Vôlei, através da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte, um programa de fomento à prática esportiva em Minas Gerais. A ideia foi transformada em projeto. Com a contratação de profissionais de educação física desde a consecução até a execução. Com o projeto aprovado pela Secretaria Estadual de Esporte, a empresa Viação Rio Doce, aportou com R$ 70.000, advindo de parte do ICMS que seria repassado ao governo. Este recurso serviu para abrigar no projeto cerca de 320 meninos e meninas que iniciaram no voleibol. Recentemente, tivemos o atleta Vitinho convocado para a seleção mineira, temos o atleta Renan jogando pelo time do Santos (SP), e o garoto Artur atuando no voleibol se Santa Catarina. Todos oriundos do América Vôlei. Portanto, o esporte é a melhor ferramenta de inclusão que conheço. Entretanto, tudo passa pela idealização de projetos sérios.
Num tempo mais distante, o período do Esporte Clube Caratinga como time profissional, foi viabilizado pela antiga “lei do bingo”. O jogo de bingo, foi inicialmente autorizado como atividade lícita pelo art. 57 da Lei nº 8.672, de 06/07/93 (Lei Zico), que autorizava as entidades de administração e de prática esportiva a explorar, em caráter de exclusividade, estabelecimentos cujas receitas se destinassem ao fomento do desporto. Quem viveu os anos 90, irá se lembrar de como a cidade era movimentada pelos jogos do Campeonato Mineiro e o Rubro Negro lotando o estádio Dr. Maninho. Como falei lá no começo, todos esses períodos, tem em comum alguém que puxou a fila para que o projeto acontecesse. Neste caso, o alguém atende pelo nome de Jorge Mendes Magalhães, ou simplesmente “Mixidinho”. Sonhador, idealizador, arquiteto de toda a estrutura para a profissionalização do futebol do clube, Jorginho, semeou e contaminou grande parte da diretoria do Esporte Clube Caratinga para realizar o sonho do time. Ao lado do presidente Paulinho da Bateria, Mixidinho foi colocado no cargo como homem forte do departamento de futebol. Com carta branca para atuar. Entretanto, avisado que não poderia sair dinheiro da sede social para o futebol. Magalhães aceitou o desafio e correu atrás de patrocínio, e ajuda de amigos para montagem do elenco e soube como poucos se beneficiar da chamada lei Zico. Mais um belo exemplo, de como projetos são o caminho para o sucesso.
O programa Bolsa Atleta foi criado em 2011 no governo do ex-prefeito João Bosco Pessine, nos mesmos moldes do programa de mesmo nome do governo Federal da época. Porém, o primeiro edital foi lançado em 2012. Sem dúvida o programa é o mais importante, pra não dizer o único de incentivo e fomento do esporte de alto rendimento do município. O principal requisito para pleitear o benefício, é competir sendo representante de Caratinga. Todos os anos, mesmo que o edital passe por alguma alteração, essas prerrogativas são pétreas. Para ser um bolsista, é preciso ser um atleta de competição e representar nossa cidade. Obviamente não se trata de um programa perfeito. Por isso, o COMEL (Conselho Municipal de Esporte e Lazer), está sempre debatendo adequações e ouvindo sugestões de aprimoramento. Aliás, bom ressaltar que o Conselho é formado por diversas representatividades de vários setores da sociedade ligadas ao desporto e educação, da qual orgulhosamente faço parte á alguns anos. Infelizmente, por ignorância, ou mesmo má intenção, vez ou outra, ouço muita bobagem e desinformação sobre o programa. Entretanto, basta ler os editais com um pouquinho de discernimento e boa vontade, para entender que o Bolsa Atleta, embora não seja perfeito, é um projeto que deu certo desde a sua criação, e ao longo dos anos tem passado por aprimoramentos. Os critérios de seleção são claros, transparentes e obedecem rigorosamente o edital. Todavia, não significa que não se possa discordar de algum ponto, desde que se tenham propostas exequíveis.
De tudo que foi colocado até o momento nesta coluna especial de aniversário da cidade, não se pode esquecer que nada acontece se não tiver interesse dos agentes púbicos, como por exemplo, nossos representantes no legislativo municipal. Qual foi o último projeto esportivo apresentado no plenário na última formação da Câmara? E nessa atual, teremos algum? Por outro lado, tão importante quanto, é a vontade do gestor municipal em olhar para o esporte com a importância que ele merece. Afinal, políticas públicas precisam criar, estruturar e gestar democraticamente sistemas complexos de esporte que direcionam o funcionamento das entidades esportivas, aproximando e relacionando as manifestações esportivas (educacional, de lazer e de alto-rendimento) e fomentando a prática esportiva com a estruturação e manutenção de espaços, aquisição e conservação de equipamentos e elaboração e execução de programas esportivos para todos. Tudo isso passa pelo vontade de quem tem o poder da caneta. Como vimos, nada irá acontecer por acaso. Caratinga tem muita gente competente, com formação e experiência para fazer mais e melhor. Muitos inclusive dentro da atual administração. Portanto, temos como evoluir.
Participação privada
Quando se fala em interesse e vontade, não me refiro apenas ao poder público. Afinal, Caratinga é uma cidade de comércio pujante, empresas grandes, médias e pequenas; desde que haja interesse do empresário e condições fiscais adequadas, podem apoiar projetos esportivos com enormes impactos sociais. Quando sai em busca de apoiadores para iniciar o projeto América Vôlei em 2016, mesmo com toda documentação aprovada pela Secretaria de Esportes de Minas Gerais, autorizando empresas a aportarem no projeto com até 3% de seu ICMS, percebi por parte de alguns empresários um total desinteresse em pelo menos ouvir sobre o assunto. É compreensível que tendo uma agenda muito cheia, preocupações diárias em relação à gestão se seu negócio, o dono da empresa delegue o assunto a sua contabilidade, cabendo a ele, empresário, apenas autorizar o apoio, que não tem nenhum custo adicional a suas despesas. Trata-se de uma pequena parte que o governo deixa de arrecadar, e autoriza que seja repassado a projetos sérios, cuja prestação de contas é criteriosa e muito transparente. Mesmo assim, ainda são poucos que se dispõe a ouvir. Portanto, falta um olhar mais atencioso da inciativa privada para tal questão, entender que aquela pequena contribuição, será uma enorme colaboração na formação de cidadãos melhores, independente se irão fazer sucesso no esporte ou não. Precisamos sim cobrar dos governos iniciativas de políticas públicas voltadas ao esporte, que impactam diretamente na saúde e qualidade de vida da sociedade. Mas, enquanto cidadãos, temos também nossa parcela de responsabilidade a cumprir em todo esse processo.
Assim, tenho certeza absoluta que Caratinga passará a atrair investimentos públicos e privados para em breve, se tornar esportivamente a cidade que todos nós gostaríamos de ter. Espero ter colaborado com minha humilde opinião.
Rogério Silva
@rogeriosilva89fm
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