Conheça a emocionante história de Luciene Ribeiro da Silva, que após 12 anos de luta, está curada da doença
*Por Nohemy Peixoto
CARATINGA – Silenciosa. Traiçoeira. Dolorosa para o doente e para a família. O diagnóstico de qualquer doença é bastante complicado, mas uma em específico traz consigo uma grande carga emocional: o câncer.
Estima-se que cada ano mais de 12, 7 milhões de pessoas no mundo são diagnosticadas com câncer e 7,6 milhões de pessoas morrem vítimas dessa doença. O câncer é um conjunto composto por mais de 100 doenças, que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo.
Ao dividir-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e, por vezes, incontroláveis, acarretando na formação de tumores (acúmulo de células cancerosas) ou neoplasias malignas. Por outro lado, um tumor benigno é simplesmente uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente, mas são semelhantes ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida.
O processo de tratamento é extremamente difícil e envolve ainda consequências desagradáveis, dentre elas, a perda dos cabelos. Se tratando das mulheres, conhecidamente mais vaidosas, a autoestima pode ter uma queda significativa. Principalmente quando o assunto é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres: o câncer de mama. Dados da Sociedade Brasileira de Mastologia apontam cerca de uma a cada 12 mulheres terão um tumor nas mamas até os 90 anos de idade. Mais um duro golpe, a perda da mama.
Uma dura batalha. Mas, e quando se chega à cura? Isso só pode dizer quem teve o privilégio de alcançar essa graça. É o caso de Luciene Ribeiro da Silva, de 51 anos. A moradora da Rua Maria Cimini, no Bairro Esplanada, é exemplo de superação.
Neste mês dedicado ao Outubro Rosa, nome que remete à cor do laço, símbolo mundial da luta contra o câncer de mama, o DIÁRIO DE CARATINGA entrevista Luciene.
Com muito orgulho, ela fala do apoio que recebeu da família e bastante carinhosamente sobre o que lhe motivou a seguir em frente: a vontade de acompanhar o crescimento da filha Laís, que tinha oito anos quando ela foi diagnosticada com a doença e hoje tem 20 anos.
Em conversa com a Reportagem, Luciene alternou choro e riso, dentre a emoção de recordar os momentos difíceis em que enfrentou, até ao momento em que falou sobre a notícia de que havia sido curada.
Os olhos dela brilharam quando afirmou ter vencido o câncer. De uma coisa é possível ter certeza. Os dias nunca foram tão ‘rosas’ como estão sendo a partir de agora para Luciene.
Como e quando descobriu a doença?
Descobri em 2003. Foi através de exames. Só que eu fazia exames há uns oito anos, antes de eu ter o diagnóstico de câncer de mama. E os médicos falavam que não era nada. Acho que olhei sim, mas teve muita falha médica.
Como foi o processo de aceitação na época?
Foi muito difícil, porque eu vi a morte passar na minha frente. Fiquei muito desanimada, chorava muito. Fiquei com muita pena de mim. Mas, depois parei de sentir dó de mim e segurei na mão de Deus e de Santa Terezinha. Eu sempre falo que me agarrei na saia de Santa Terezinha, que eu não dava ela um pingo de sossego, toda hora falava para ela: “Santa Terezinha, eu não quero morrer não. Não me deixa morrer, porque a minha filha é muito nova. Eu quero ver ela crescer!”. Não achava justo uma filha de oito anos não ter a mãe. Então, foi a partir desse momento que Deus me fez ficar a cada dia mais forte, porque a gente precisa ter muita força para aguentar o tratamento. É muito doloroso.
Como foi o tratamento?
Muito pesado. Era muito enjoo. O meu tratamento a médica disse que era um dos mais pesados que tinha na época. Eles fizeram o teste de aceitação nas células, que mostrou que 98% eu aguentaria o tratamento. Mas, foi desumano. As minhas unhas caíram, meus cabelos, perdi dente. Perdi muita coisa, mas em compensação ganhei a vida, que é o mais importante.
Quando houve a necessidade de retirada da mama?
A cirurgia para retirada da mama esquerda aconteceu em novembro de 2003. Falo que devo a minha vida primeiro a Deus e em segundo lugar ao doutor Alfredo Grigorevski. Porque foi o único médico que aceitou mexer na minha mama, de retirar o nódulo e nos meus piores momentos vinha a imagem dele falando para mim. Ele brincou muito comigo durante a cirurgia, só que na hora que ele tirou o nódulo, ficou sem fala. E eu continuei brincando, porque sempre fui muito palhaça. Ele falou comigo muito sem graça depois que vim embora- uns dois dias ele pediu que eu voltasse à clínica, que eu tinha que ir para a capital. Ainda brinquei com ele e falei: “Não. Minha filha é pequenininha ainda. Não posso ficar viajando não, doutor”. Ele falou assim: “Você não entendeu não minha filha?”. A primeira coisa que me lembro é que passei a mão na cabeça e pensei: “Ai meu Deus, vou ficar careca”. Ele falou para mim: “Você não tem fé?”. É uma grande pessoa o doutor Alfredo, grande médico, muito profissional. Devo muito a ele também.
Qual foi seu maior medo. Perder os cabelos ou a mama?
Eu achava que não ia ligar para isso. Mas, quando me vi sem a mama … (silêncio). Sei que era para eu ter tido alta em um dia e acabei ficando mais dois dias, porque foi muito difícil. E os cabelos, eu tinha uma preocupação enorme. Andei olhando peruca lá em Belo Horizonte, lenço. Fazia tratamento no Hospital Alberto Cavalcanti. Meu quarto era do lado do quarto onde ficava o padre Eustáquio (que veio dar nome ao Bairro da Capital Mineira), está lá do mesmo jeito. Entrava ali e rezava, pedia a Deus, a ele, porque quando a gente entra naquele quarto, sei lá, tem uma energia tão forte. E durante muito tempo do dia eu ficava ali, porque fiquei muito tempo internada. Quando fizeram 15 dias da primeira sessão de quimioterapia, fui tomar banho e quando fui lavar meu cabelo só senti caindo de uma vez só. Olhei no chão, chorei muito. E fiquei pensando, como ia fazer, tinha que ter comprado uma peruca e não tinha comprado. Mas, cheguei ao hospital um dia e vi uma moça lá, ela estava sem as duas mamas, careca, mas, usava um brinco tão grande. Estava tão linda, que não teve mais importância para mim os cabelos. E eu não usei nada, andei careca. Meu cabelo caiu, mas ficaram algumas falhas; cheguei em casa e a minha prima passou a máquina para mim. E aceitei de boa. Lógica que ouvi muita crítica pela rua. Gente que não tinha conhecimento de causa, mas, por outro lado, tive muito apoio em Caratinga. Senti que as pessoas realmente gostavam de mim. E o povo daqui tem muita fé. E todo mundo rezava por mim, todas as igrejas, católica, evangélica, espiritismo. Todo mundo pedia a Deus por mim. Acho que isso servia para me fortalecer ainda mais.
O que mudou na sua rotina. Como seria a Luciene antes do câncer e depois do câncer?
Eu sempre fui ligada no 220, nunca parei muito. E eu não dei muita confiança para essa doença não. Lógico que quando eu estava no processo de quimioterapia, radioterapia, não aguentava fazer muita coisa, mas sempre falo que depois do câncer, me tornei uma pessoa muito mais feliz, muito mais. Porque eu pude olhar a vida com outros olhos. Com olhos de quem teve quase do lado de lá, mas que teve uma segunda chance. Então, não quero perder tempo, nunca mais.
Como foi o apoio da sua família?
Minha família foi tudo para mim. Sem eles, não teria conseguido. É muito importante, a minha família esteve sempre do meu lado, nunca me abandonaram.
Você viu muita gente morrer desta doença?
Sim, vi muita gente que começou o tratamento comigo morrer. Quem está vivo da minha época, somos só eu e o senhor Clarismundo, que mora lá no Santa Cruz. Às vezes encontro com ele e falo assim: “Tá vivo ainda, praga? ” (risos). Ele fala assim: “Você não morreu ainda não?”. Então, a gente consegue até brincar com essa doença. Mas, ela não é brincadeira não. É um adversário que vem para te liquidar.
Quais os benefícios do Núcleo do Câncer para quem está em tratamento?
O Núcleo é tudo para mim. É lá onde eu buscava força. É ajudando outras pessoas, trabalhando em uma feijoada do Catitu, em almoços. Estar presente no Núcleo do Câncer é o que também me ajudou a superar isso tudo. O Núcleo deveria ser mais valorizado aqui em Caratinga. Eu sei que a população abraçou a causa, mas ali a despesa é muito alta. Então, sem o apoio do Núcleo a gente não ia conseguir. Penso que antes dele as coisas eram mais difíceis porque para onde a pessoa ia pedir ajuda? A quem? O Núcleo do Câncer é o maior suporte que nós temos aqui em Caratinga e talvez seja a maior entidade que olha o seu próximo do jeito que ele tem que ser olhado. Senti muitas dores, mas foi ali, através de Terapia de Reiki, acupuntura, psicólogos, é que fazem a gente superar. A gente esquece, conversa com muita gente. Dá a chance de ajudar a outras pessoas. É muito importante. Ali é a minha segunda casa.
Em sua opinião, como as mulheres veem o câncer de mama hoje?
As mulheres têm conhecimento. Mas, penso que ainda não tem muita aceitação. Muitas não querem fazer o exame. Acho isso uma grande ignorância, porque se aconteceu com um vizinho, pode acontecer com a gente também. Mas, sempre pensamos que nunca vai acontecer com a gente. Só que isso é uma coisa muito silenciosa, não dá sinal. Quando chega a dar sinal é porque já está difícil a coisa. Tem que se prevenir sim. Não precisa ter vergonha, médico acho que é tão profissional que ele não está nem aí se está vendo ou seu peito ou nua. Acho que já acostumaram. Então, não precisa ter medo. Isso chega a ser até um preconceito por parte das mulheres.
Recentemente, você recebeu a notícia que venceu o câncer. Como foi?
Recebi a notícia há 15 dias. Tirei um peso de cima de mim, porque é como se a gente tivesse uma faca cravada no peito. Se você der um vacilo, ela afunda no seu peito e não volta mais. A doutora lá de Muriaé, Michelina, muito linda, saiu com a gente do consultório e chegou na recepção, que tem muita gente e nos apresentou para o povo, falando que tivemos a graça de ter tido a cura. Eu não sabia se pulava, se abraçava ela, chorava. E foi muito bom, a gente vê que as pessoas te invejam, querem estar no seu lugar, mas eu tenho certeza que com fé, todos ainda vão ter essa notícia boa. Porque é muito bom mesmo. Agora é só tranquilidade. Lógico que tenho que fazer um certo controle, mas o mais difícil eu venci.
Quais são suas considerações finais?
Sempre quis agradecer a uma pessoa e nunca agradeci. Quando fiquei doente, fiquei meio sem lugar. Arranjaram tudo para mim em Belo Horizonte porque eu tive muita sorte. Quando chequei lá conheci uma moça e ela formou em mastologia. Ela me ajudou demais, a doutora Cláudia Velar. Mas, eu não tinha lugar para ficar, a dona Zélia foi fundamental na minha vida. Foi minha amiga sem ao menos me conhecer. Ela abriu a porta da casa dela para mim, me deu aquele carinho de mãe mesmo. Saiu da cama dela para que eu ficasse. É uma mulher excepcional (lágrimas). E agradecer a doutora Maria do Carmo de Belo Horizonte, que é a quimioterapeuta lá, é uma supermulher. Ela é muito mais macha que muito homem. Que mulher é aquela gente! Ela é muito linda, muito boa. À doutora Michelina, doutor Luiz Carlos, de Muriaé, à minha família, doutor Alfredo e o Núcleo do Câncer. É ali que eu renasço a cada dia, que eu busco força. Às vezes estou desanimada e passando um tempinho lá, parece que eu renasço. À Lucrécia do Programa Divas, que é uma pessoa iluminada também, muito boa, alto astral. E a todo mundo que torceu, rezou por mim e àquelas pessoas também que me viraram as costas, porque teve isso comigo também. Às vezes por medo de pegar a doença. Mas, tudo valeu a pena. Isso tudo serviu para construir a minha cura. E hoje só tenho a agradecer mesmo, do fundo do meu coração, porque essa doença não é brincadeira não.