Ildecir A. Lessa
Advogado
A história tem seus registros próprios. Um deles é de que, nunca houve em todo mundo, um ano como 1968. Numa ocasião em que nações e culturas ainda eram separadas e muito diferentes. Foi um ano em que as pessoas rebelaram-se em torno de questões disparatadas e tiveram em comum apenas seu desejo de se rebelar, suas ideias sobre como fazer isso, uma sensação de alienação da ordem estabelecida e um profundo desagrado pelo autoritarismo, sob qualquer forma. No Brasil, foi em 1968, que a música “Pra não dizer que não falei das flores” foi escrita e cantada por Geraldo Vandré em 1968, conquistando o segundo lugar no Festival Internacional da Canção desse ano.
O tema, também conhecido como “Caminhando“, se tornou um dos maiores hinos da resistência ao sistema ditatorial militar que vigorava na época. A composição foi censurada pelo regime e Vandré foi perseguido pela polícia militar, tendo que fugir do país e optar pelo exílio para evitar represálias. A música foi um hino, usado nas passeatas, protestos e manifestações contra o regime, que se espalhavam pelo país no ano de 1968. A música era, então, usada como um instrumento de combate, que pretendia divulgar, de forma direta e concisa, mensagens ideológicas e de revolta. “Caminhando e cantando e seguindo a canção; Somos todos iguais braços dados ou não; nas escolas, nas ruas, campos, construções; Caminhando e cantando e seguindo a canção”. Em uma observação da primeira estrofe depara-se, com os verbos “caminhando e cantando“, que remetem diretamente para a imagem de uma passeata ou um protesto público. Lá, os cidadãos são “todos iguais”, mesmo não existindo relação entre si (“braços dados ou não“). A referência a “escolas, ruas, campos, construções”, Vandré pretendia demonstrar que pessoas de todos os extratos sociais e com diferentes ocupações e interesses estavam juntas e marchavam pela mesma causa. É evidente a necessidade de união que é convocada e a lembrança de que todos queriam a mesma coisa: liberdade. “Vem, vamos embora, que esperar não é saber; Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. O refrão, repetido várias vezes ao longo da música, é um apelo à ação e à união. Geraldo fala diretamente com quem escuta a música, chamando para a luta: “Vem”. Com o uso da primeira pessoa do plural (em “vamos embora“), imprime um aspeto coletivo à ação, lembrando que seguirão juntos no combate.
Ao afirmar que “esperar não é saber”, o autor sublinha que quem está consciente da realidade do país não pode aguardar de braços cruzados que as coisas mudem. A mudança e a revolução não serão entregues de bandeja para ninguém, é necessário agirem rapidamente (“quem sabe faz a hora, não espera acontecer”).“Pra não dizer que não falei das flores” é um convite à resistência política radical, um chamamento para todas as formas de luta necessárias para derrubar a ditadura. Passados 50 anos, chega-se ao ano de 2018, com as eleições brasileiras , que despontam como as de uma redenção da velha política para dar lugar a um novo ciclo de maior democracia e participação popular, aparecem, a menos de dois meses de ir às urnas, como as do desencanto e até do medo.
Tudo perdido? Não. Certamente existem candidatos, que estão em uma campanha séria, que vêm para renovar, com retorno a pureza, a fidelidade, a responsabilidade. Os candidatos às eleições, devem estar caminhando com o povo, nas escolas, nas ruas, nos campos e nas construções, literalmente, levantando uma nova bandeira de renovação política. Esse é o chamamento do momento. Afinal, a sociedade brasileira, apesar da crise política que a sacode, é viva e conta com uma democracia ameaçada, mas consolidada, e não perdeu a esperança, nesses anos desde a vigência da plena democracia. Uma coisa portanto é necessária, nessa eleição dar vida a uma substituição, porque junto com o desencanto pelos políticos não morreu a vontade por uma renovação que acabe com a velha república dos privilégios e das castas, para dar à luz uma nova primavera de democracia e bem-estar, caminhando e cantando, vamos ás urnas para mais uma eleição.
Obs.: O colunista Ildecir A. Lessa sempre tem seus artigos publicados aos domingos, excepcionalmente este é publicado na edição desta quarta-feira.