* Kelly Aparecida do Nascimento
Ter um filho é uma experiência maravilhosa, única na vida de uma mulher, que, ao mesmo tempo, exige muita responsabilidade e consciência. Ao engravidar acredito que, como ocorreu comigo, passa pela cabeça da futura mãe todas as possibilidades que podem acontecer durante a gestação e que podem refletir para uma vida toda.
“É como entrar em um avião sem saber exatamente o destino. Pode-se aterrissar em qualquer lugar”. Essas palavras integram a reflexão instigada, através de metáfora, pelo texto de Emily Perl Kinsley, intitulado Bem-vindo à Holanda. É um texto intensamente utilizado para descrever a experiência de cuidar de um filho deficiente, em que a autora afirma que o escreveu para auxiliar as pessoas que nunca compartilharam desse sentimento a entender e a imaginar como deve ser. Não é exatamente o meu caso, mas pela beleza das palavras resolvi utilizá-lo mesmo assim.
Tive a oportunidade de conhecer o texto, emocionante por sinal, em uma reunião entre a psicóloga do hospital com as mães de bebês internados na Unidade de Cuidados Progressivos Neonatais (UCP), onde permaneci, juntamente com meu esposo, por 43 dias depois do nascimento da nossa filha prematura, que ficou na UCP apenas para ganhar peso. Embora pareça longo, esse período foi pequeno em relação a algumas mães que lá estavam com seus bebês, por exemplo, há mais de 7 meses, e todos os dias enfrentando idas e vindas de ônibus, de trânsito engarrafado, sem sábado e domingo, algumas sem condições socioeconômicas suficientes, com a família próxima ou muito distante, com companheiro ou sem ele. Lá a vida segue com dias que, impressionantemente, passam mais rápidos que o trabalho estressante do cotidiano que muitas mães tinham como rotina antes do nascimento do bebê.
A UCP do hospital é um lugar que se entra de uma forma e se sai de outra muito diferente, haja vista a experiência que se adquire lá. E não bastam aquelas com nossos próprios filhos para nos tocar enquanto seres humanos. Existem sempre pais em que os bebês se encontram em situação muito pior do que o nosso, muitos casos de prematuros, mas ainda outros bebês com todos os tipos de patologias. Nesse ambiente, o sentimento constante é o de se colocar no lugar do outro e, portanto, de sentir por eles, notadamente pelo fato de que o ocorrido com o outro poderia ser com os nossos próprios filhos. Como me disse uma técnica de Enfermagem da UCP, ter um bebê prematuro é como andar de montanha russa. Compreendi isso como um dia você sobe, no sentido de que o bebê progride; outro desce, podendo ser percebido como regressos no quadro de saúde; e tudo isso nos acarreta constantes emoções, como a montanha russa, algumas muito felizes e outras que podem ser desanimadoras.
É ainda uma sensação de “montanha russa” a chegada pela manhã na UCP. Você faz o mesmo percurso todos os dias para chegar ao hospital, e do elevador até a porta da UCP no 8º andar, mas não sabe exatamente como as coisas correram a noite. O coração ficava taquicárdico e o suspiro aliviado vinha apenas quando se tinha a certeza que estava tudo bem. Haja coração!!!
Assim é que a autora continua dizendo que “ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias – para a Itália. Você compra vários guias de viagem e faz planos maravilhosos”. Assim aconteceu com todas as mães da UCP. A maioria delas não chegou a comprar nenhum “guia de viagem”, não tinham ainda mala nem roupinhas. A exemplo disso, conheci mães em que os bebês nasceram com 26 semanas de gestação, pouco mais de 5 meses, e peso de 455g. Em função de situações como essa, posso dizer que a UCP é também um lugar de milagres, aliás, com muitos profissionais excelentes e clima acolhedor.
Continua a autora, (…) “após meses de ansiosa expectativa, finalmente chega o dia. Você arruma suas malas e vai embora. Várias horas depois, o avião aterrissa. A comissária de bordo chega e diz: ‘Bem-vindos à Holanda’”. Até descobrirmos que é apenas um lugar diferente muita coisa acontece. No cotidiano da UCP essa analogia nos traz para a realidade de que todas essas mães tinham a perspectiva de que suas gestações chegariam aos nove meses e/ou que seus filhos fossem crianças sem patologias. E se alguma dessas situações ocorreu precisamos aprender a lidar com elas da forma menos dolorosa possível.
“Mas, todo mundo que você conhece está ocupado indo e voltando da Itália, e todos se gabam de quão maravilhosos foram os momentos que eles tiveram lá. E toda sua vida você vai dizer ‘sim’, era para onde eu deveria ter ido. É o que eu tinha planejado”. E o mais doloroso dessa experiência é dar a luz ao seu tão sonhado bebê e após a sua alta não poder levá-lo para casa. Por isso, as idas e vindas da Itália podem ser comparadas às subidas e descidas todos os dias das mães da UCP, como eu, pelos 8 andares do hospital, onde era comum encontrarmos no elevador outro grupo de mães, principalmente as de bebês a termo, sempre felizes, em duas situações: (i) algumas que tinham acabado de dar a luz aos seus pequenos, que subiam ainda de maca do 2º andar (bloco cirúrgico) para o 7º (Pediatria); (ii) e outras mães que estavam descendo da Pediatria indo para casa, com aqueles bebês lindos, gordinhos, de roupinhas azuis ou rosas com lacinhos no cabelo. Essa era a sonhada Itália, mas nós estávamos na Holanda e precisávamos apreender que lá era “apenas um lugar diferente, que tem um ritmo mais lento do que a Itália, é menos vistoso que a Itália”. O misto de sentimentos provocado nessas ocasiões do elevador é algo que as palavras não são capazes de expressar, é além das palavras…
Continua Kinsley dizendo “que depois de você estar lá por um tempo e respirar fundo, você olha ao redor e começa a perceber que a Holanda tem moinhos de vento, a Holanda tem tulipas, a Holanda tem até Rembrandts. (…) E você deve aprender todo um novo idioma. E você vai conhecer todo um novo grupo de pessoas que você nunca teria conhecido”. Isso pode ser entendido como os encontros da sala de espera da UCP, onde depois de algum tempo as mães e pais tornam-se companheiros, trocam experiências, contam como foi o parto, o que aconteceu, o susto, como seu filho está, as expectavas com a ida para casa e que levarão seus bebês no aniversário de 1 ano uns dos outros. Mesmo nos momentos mais tensos para as diferentes famílias, a sala de espera tornava-se um lugar de aconchego coletivo, de compreensão, de paciência, de alegrias e de tristezas.
“No entanto, se você passar sua vida de luto pelo fato de não ter chegado à Itália, você nunca estará livre para aproveitar as coisas muito especiais e absolutamente fascinantes da Holanda”. Diante dessas últimas palavras da autora, finalizo registrando que a experiência dos 43 dias de UCP serviram para compreender que o dia de amanhã não nos pertence. E a grande lição disso tudo é entender que por mais que você seja uma pessoa organizada, pautada no planejamento, certas coisas na vida não dependem somente da nossa vontade, o dia de amanhã não nos pertence. Apreender a aceitar a “ida para a Holanda” de forma natural e aproveitar tudo que essa experiência ensinou é algo fundamental. Graças a Deus, exatamente hoje a minha filha completa 3 meses de vida, é uma criança linda, está muito saudável e é o motivo de maior felicidade na minha vida e do meu esposo.
Profª M.Sc. Kelly Aparecida do Nascimento
Bacharel e Licenciada em Educação Física. Licenciada em Pedagogia. Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade.
Professora do Centro Universitário de Caratinga–UNEC.