*Roberto Francisco Ligeiro Marques
Não sei por que cargas d’água pescaria de bagre tem que ser no escuro. Todos os outros peixes que eu conheço e já pesquei podem ser fisgados de dia: lambari, traíra, cará e mandi – que não presta para nada – piau e até cascudo – que só se pesca “na tarrafa” – todos podem ser fisgados de dia, no claro. Mas o danado do bagre não, só de noite! Veja bem, estou falando do bagre de verdade, o brasileiro. O africano eu não sei, talvez possa, devido ao fuso horário do bicho ser outro, vai saber.
Pois bem, eis que meu pai me convoca para uma pescaria de bagre. Devia ser algum ritual de passagem, sei lá. Só sei que num belo dia, digo, numa bela noite, lá vou eu, do alto dos meus 11 ou 12 anos, pescar bagre com ele e seus companheiros, também adeptos da prática, nosso vizinho José RomeroCarli e o Reginaldo, da ótica.
Saímos de casa por volta das 19h, pois, como eu disse anteriormente, bagre, só de noite, meu filho! A pescaria seria no rio Preto – não me cobrem pelo nome politicamente incorreto. Meu conhecimento pesqueiro ainda não era extenso, resumia-se a pescar lambaris em córregos lá pelos lados de Vargem Alegre (minha especialidade) e algumas (duas, para ser mais exato) pescarias de traíra e piau na ilha do Calça Preta. Em tempo, vale ressaltar como os locais de pescaria tinham nomes interessantes: Ilha do Calca Preta, lagoa do Tiririca, rio da Ponte Queimada, Pesque e Pague do Mário César, esse último nem tanto, mas, tudo bem, continuando… isso tudo para dizer que esta pescaria seria a primeira que eu faria durante a noite.
Não faço a mínima ideia sobre como foi definido o lugar dessa pescaria. O fato é que pegamos o carro rumo à BR e, após alguns instantes, entramos numa estrada de chão. O rio passava ao lado. Lá pelas tantas o carro parou e descemos. Paramos literalmente à beira da estrada, não tinha nada por perto, nenhuma trilha no mato, nada. Fomos então preparar a isca dos danados bagres. Aliás, outra coisa importante, isca para pegar bagre: coração e fígado de boi misturados no fubá. Se não misturar no fubá, não vai pegar nada também! Mesma coisa de tentar fisgá-lo de dia.
Tudo preparado, começamos a descida para a margem do rio. No caminho é permitido usar a lanterna, mas, uma vez que se chegue à beira e tenha acomodação para lançar o anzol, é regra desligar a lanterna – caso contrário espanta-se os bagres! – Para deixar claro, ter acomodação significa: um lugar sem ter um galho a lhe pinicar o rosto e que seja razoavelmente plano. Os pernilongos são cortesia da casa! – Aí, meu filho, uma vez que se desligou a lanterna, no meio do mato, numa noite sem lua (para não espantar os bagres!), ao lado de um rio que atende pela alcunha de Preto, já era, é breu total! Não dá para ver um palmo à frente do nariz, ainda mais um nariz avantajado – da família Ligeiro – como já era o meu aos 12 anos.
Passados uns dez minutos, ninguém ainda havia fisgado nada, imagina o tédio que um menino de 12 anos já está sentindo. Isso para não dizer no leve início de medo e psicose. Pense bem: um escuro total, no meio do mato, vai que o Capelobo estava de bobeira e resolveu sair para pescar uns bagrezinhos hoje também? Ou, e se a mulher de algodão deu um tempo do banheiro da escola e veio dar umas voltas por estas bandas?
Para piorar, o pessoal começa a dispersar e procurar outras posições para jogar o anzol, pois, a essa altura, sem nenhum peixe fisgado, outros axiomas bagruísticos começam a surgir: “esse lugar aqui tem muita correnteza, bagre gosta de água mais parada”; “esse lugar aqui tá com água muito parada, bagre gosta de ficar perto de pedra”; “essa pedra aqui é muito grande, bagre gosta de encosta com barro”… Mais um tempo, mais tédio, mais psicose, cada pescador em um canto e nenhum peixe. E eu? Vou ficar aqui dando ideia para um peixe sistemático desses? Juntei minhas coisas e fui para o carro dormir. Pescaria de bagre definitivamente não é o meu forte.
*Caratinguense, mestre em Engenharia de Sistemas, – Coppe/UFRJ, Principal Software Engineer – microsoft, Seattle/WA.