Jorge Rubem Folena de Oliveira
Advogado, cientista político e professor de filosofia do direito
É sob a perspectiva da defesa da soberania nacional que o Dr. Osny Duarte Pereira (juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cassado pela ditadura de 1964-1985, jornalista, escritor e magnífico pensador brasileiro) em 1962 já denunciava os ataques que o capital promovia sobre o povo e as riquezas do Brasil, valendo-se de políticos que pouco representavam os interesses dos titulares da soberania popular, em situação muito semelhante à que se apresenta no Brasil de 2017.
Quem faz as leis no Brasil? é um pequeno grande livro de 1963, que compõe a coleção Cadernos do povo brasileiro, editada pela Editora Civilização Brasileira.
A proposta originária do autor, como veremos a seguir, era permitir aos jovens (e particularmente os estudantes de Direito) a compreensão de como são feitas as leis, para não ficarem limitados ao seu estudo enquanto produto legislativo acabado, comumente feito nas faculdades de Direito:
“Portanto, para saber quem faz as leis no Brasil, não é tão importante conhecer a máquina de produzi-las, como, sobretudo, inquirir de onde vêm as forças que impulsionam aquela máquina. (…) Nas Faculdades de Direito ensinam-lhes todo o mecanismo. Não há, porém, nenhuma cadeira, em todo o quinquênio escolar, que se ocupe com o estudo das forças que movimentam a engrenagem complicada de elaboração das leis. Se algum professor penetra nesse terreno, é por conta própria. Não é bem visto pelos colegas da Congregação. Não passará de um ‘comunista encapuçado’, um ‘demagogo na feira das vaidades’.”
Nos dias de hoje, da mesma forma como demonstrado por Osny Duarte Pereira, esse mesmo professor poderá ser perseguido pelo “Escola sem partido”, apenas por tentar demonstrar a seus alunos algumas das causas do mal-estar em que tem vivido a sociedade pós-moderna, como apontado por Freud.
A proposta de Osny demonstra o quanto é importante, não só para os juristas, mas para toda a sociedade, compreender integralmente o processo que dá origem às leis, perscrutando as suas causas e os bastidores de cada proposição.
Neste ponto, atribui-se a Bismarck a seguinte afirmação: “os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”. Nos dias de hoje, no Brasil, tal assertiva deveria fazer com que a maioria esmagadora do povo brasileiro ficasse sem dormir, diante da ausência de perspectiva de futuro acarretada pelos cortes promovidos nos direitos sociais (trabalho, previdência, saúde, educação, moradia, lazer, cultura, segurança), em benefício do capital especulativo, que impõe mais e mais horas de trabalho sem quaisquer vantagens, a não ser pagar cada vez mais tributos, enquanto os muito ricos ficam isentos.
A democracia representativa foi sequestrada pelo capital e o povo brasileiro serve apenas para votar em candidatos (financiados com dinheiro de empresas privadas) que, depois de eleitos, dão as costas para a população.
O mestre Osny nos apresenta em sua obra um quadro que, a despeito de descrever o passado, surpreende pela atualidade ao fazermos uma comparação com a falsa democracia brasileira dos dias de hoje:
“Aparentemente quem faz as leis no Brasil são os membros do Poder Legislativo. Assim é em toda democracia representativa – fórmula que tão avidamente defenderam os governos das vinte repúblicas reunidas em princípios de 1962, ao tratar da expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA).
As críticas que iremos desenvolver no andamento deste trabalho não pretenderão absolutamente demonstrar que seja condenável a democracia representativa. Ao contrário, insistiremos em que todo o regime deverá ser democrático e representativo da coletividade. Nossos estudos serão no sentido de verificar se realmente é democracia representativa o regime praticado e se aquilo que está na letra da Constituição e das leis está na realidade dos fatos, isto é, se vivemos num regime em que existe liberdade de imprensa, liberdade de pensamento, liberdade de escolha dos mandatários do povo, liberdade para esses mandatários fazerem as leis que interessem ao mesmo povo num regime em que a Constituição e as leis se apliquem a todos, de modo a, em última análise, ser verdadeiro o preceito constitucional que reza: ‘Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’. Iremos ver se é esse o regime que se pratica no Brasil, conforme se explica nas escolas primárias, secundárias e superiores, ou se, ao contrário do que muitos sinceramente acreditam, quem faz as leis no Brasil, naquilo que é fundamental, é, na realidade, um pequeno grupo de empresas estrangeiras. Numa esfera não fundamental, mas ainda muito importante, teríamos outro pequeno grupo de empresas e homens de negócios nacionais ditando a feitura das leis no Brasil. Veremos, finalmente, se as leis que se fazem, em real proveito da coletividade, surgem por imperativo da vontade do povo ou, apenas, quando há choques nos interesses de tais grupos e quando, um deles, para sobreviver, necessita de apoio popular e, então, como um donativo e um chamariz, tais leis benéficas são deixadas escapulir. Se nossa Constituição tiver sido elaborada por essa última forma, nesse caso, quem faz as leis no Brasil não será o povo, nem serão seus mandatários, porém, um certo número de pessoas que detêm o poder. O Brasil não estará sendo uma democracia representativa, como se costuma afirmar, porém uma oligarquia, ou plutocracia, ferreamente plantada sobre a cegueira de dezenas de milhões de brasileiros.”
Considerando os acontecimentos políticos de 2016 e 2017, é forçoso concluir que inexiste diferença entre o passado e o presente na democracia do Brasil, na medida em que as leis que estão sendo aprovadas, propostas sob o rótulo de “reformas”, têm servido exclusivamente aos interesses do mercado financeiro contra o povo brasileiro, num ataque, sem medida, à soberania popular e nacional.