José Celso da Cunha*
UM POUCO DE HISTÓRIA – A Tríade Tebana
Segundo os historiadores, por volta de 1730 a 1580 a.C., todo o vale do Nilo, do Baixo ao Alto Egito, estava tomado pelos Hicsos, povo guerreiro, possivelmente de origem semita, ou mesmo proveniente da Ásia Menor, em tempos mais remotos. O certo é que não há uma unanimidade entre os pesquisadores quanto à sua procedência. Ao contrário, no que se refere à sua importância histórica, todos estão de acordo com o fato de que os Hicsos tiveram pouca influência nas artes, nas ciências, na arquitetura ou na engenharia dos egípcios, deixando suas raízes, entretanto, no que se refere aos conhecimentos bélicos e à introdução do cavalo como meio de transporte individual ou em carroças com um ou mais cavalos. Os Hicsos foram definitivamente expulsos do Egito pelo faraó Ahmosis, fundador da XVIII Dinastia, dando origem ao denominado Novo Império, por volta de 1540 a.C.
Com a herança bélica deixada pelos Hicsos, os chamados príncipes de Tebas, ou novos faraós da XVIII a XIX Dinastias, obtiveram várias conquistas sobre os seus vizinhos, desde os demais povos pertencentes ao Crescente Fértil, ao norte e a nordeste do Egito, inclusive a Mesopotâmia, até à Núbia, mais ao sul, cujas riquezas em ouro cobiçavam a todos os faraós do Novo Império. Tudo isso para garantir tranquilidade dentro do território egípcio, que agora via florescer a influência dos sacerdotes nos desígnios do país. Nessa ocasião, segundo o historiador F.D.K. Ching, “A Global History of Architecture”, (2007), “uma importante mudança ocorreu, restabelecendo a unidade do país, como da religião, não mais apenas uma exclusividade da elite, mas envolvendo também grandes segmentos da sociedade. Festivais, procissões e celebrações foram introduzidas e podiam ser seguidas por centenas de participantes. A mais importante dessas procissões ocorria em Karnak, próxima ao povoado de Tebas, cujos habitantes tinham medo do retorno dos Hicsos, e por isso mesmo elevaram o deus Amon ao status de deidade nacional”. Dessa forma, os sacerdotes introduziram também o culto à chamada Tríade Tebana, que consistia na divindade equivalente dos deuses Amon, o pai de todos os deuses, sua esposa Mut, a mãe de todos eles, e o filho do casal divino, Khonsu.
No Novo Império não se utilizou mais a pirâmide para o sepultamento dos faraós, tendo sido substituída pela construção de corredores, galerias e salas subterrâneas escavadas na rocha para serem utilizadas como sepulcro As paredes e os tetos eram preenchidos com ricas pinturas com recomendações do faraó para além da vida e com relatos de suas realizações na terra.
A partir de Tutmés I até o último dos Ramsés, os faraós e suas rainhas foram enterrados na margem oeste do Nilo, próximo à Tebas, atual Luxor, numa região montanhosa e desértica conhecida como o Vale dos Reis e das Rainhas. Nessa margem estão também inúmeros templos importantes, como o de Medinet Habu, construído por Ramsés III, e o Ramesseum, templo funerário do grande Ramsés II, bem como a majestosa construção do templo mortuário da Rainha Hatshepsut, em Deir El-Bahari. Para materializar um local para a moradia dos deuses, os faraós construíam templos especiais a partir de uma arquitetura monumental típica, quase rígida, carregada de simbolismos religiosos e transcendentais, cujas modificações de estilo ficavam por conta dos arquitetos no emprego de um ou de outro tipo de coluna ou do tamanho das salas hipostilo, dos corredores, pátios internos, entre outros. As entradas desse monumento eram sempre por um grande portal denominado “pilono”, que simbolizava as montanhas entre as quais nascia o sol pela manhã, fonte de vida eterna e renascimento a cada dia.
Um templo típico era composto de um pilono majestoso; um grande pátio interno; salas hipostilo, cujos tetos eram cobertos com lajes planas sustentadas por vigas e colunas; uma nave repleta de capelas ou de pequenas salas onde ficavam expostas estátuas do faraó e dos seus deuses, assim como um local para abrigar a Barca Sagrada, simbólica ou verdadeira, à espera das viagens anuais previstas no calendário religioso.
Nessa época também floresceu a construção de alamedas com esfinges para marcar o caminho triunfal da chegada da Barca Sagrada do deus Amon aos templos, após navegar sobre o Nilo durante as festividades anuais relacionadas com as cheias do grande rio sagrado. Florescia também a constituição de obeliscos para marcar passagens do reinado do faraó, bem como a estatuária colossal, em que os faraós se faziam representar por grandes esculturas de granito para marcar sua presença em todos os cantos do seu reinado.
Ambos, obeliscos e estátuas, eram gravados com hieróglifos que apresentaram a extensão de seus domínios, senhores do Baixo e do Alto Egito; suas conquistas; os cartuchos com seus nomes, e a confirmação de sua divindade obtida diretamente pelas mãos dos deuses, sobretudo de Amon, deus de todos os deuses, senhor da vida, dos sonhos e da morte. Os grandes painéis formados pelas faces dos pilonos eram preenchidos com desenhos e representações simbólicas do rei, suas conquistas e sua divindade. O trabalho da escrita hieroglífica era feito pelos escribas, como o famoso “Scribe Accroupi”, o Escrita Agachado, pertencente ao Museu do Louvre, em Paris. A pequena estátua de calcário do Escriba, encontrada na região de Saqqarah, por volta de 1850 pelo pesquisador francês Auguste Mariette, pintada de ocre, foi esculpida entre a II e a IV Dinastia, por volta de 2600-2350 a.C.
Todos os grandes faraós, como a maioria dos onze Ramsés, lançaram mãos desse recurso de propaganda da sua grandeza e divindade, preenchendo cada espaço disponível com suas ricas histórias vividas ou imaginadas, na medida em que, registradas nas suas mais diversas versões, passavam a fazer parte da uma verdade e indiscutível e eterna. Inúmeras obras de arte foram assim relatadas pelos artistas e artesão da época, deixando informações preciosas sobre as histórias contadas e recontadas de geração em geração no seio das famílias e nas rodas de conversas entre os habitantes das cidades e dos campos. Entretanto, à medida que o tempo passava, a memória registrada não mais fazia parte do conhecimento das pessoas, perdendo-se inevitavelmente, esquecida pelas gerações futuras, sobretudo quando o Estado egípcio foi invadido e dominado por várias gerações, pelos gregos e, posteriormente, pelos romanos. As informações e os significados das mensagens deixadas pelos egípcios, em desenhos e símbolos nos monumentos, somente vieram à tona pelos incansáveis trabalhos de pesquisadores a partir do final do Século XVIII.
[1] *José Celso da Cunha, engenheiro civil, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP- Paris, escritor e ex-professor da Escola de Engenharia da UFMG. É membro da ABECE, do IBRACON, da Academia Caratinguense de Letras e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. E-mail: [email protected].
[1] **Com base na série do autor: “A História das Construções” ― www.autenticaeditora.com.br.
As fotografias das construções apresentadas neste artigo foram tiradas pelo autor.