Caratinga perde uma figura importante e querida. Perde o Sr. Antônio Machado da Cunha, que soube fazer-se admirado e respeitado pelas virtudes raras do coração, pelo nobre caráter e constante empenho em favor do povo. Homem público atuante, funcionário correto, chefe de família dedicado e amigo com gestos de concórdia e paz. Hoje, a história da terra registra sua passagem superlativa enquanto a Memória inscreve nos anais, uma vida fecunda debulhada, dia a dia, para o bem de todos.
Sô Tota, como era conhecido, nasceu em Vargem Alegre, quando ainda distrito de Caratinga, no dia 19 de janeiro de 1924. Filho de Sebastião Machado dos Reis e de Maria Rosa dos Reis. O pai, de saudosa memória, conhecido como capitão Inhote, deixou marcas indeléveis na vida de Vargem Alegre e região porque vocacionado para distribuir benefícios e plantar esperança, como farmacêutico e pessoa pública. Nesse tempo, o filho pôde vivenciar o ideal de servir e se nutrir das atitudes do pai na prática da caridade para com aqueles que nada possuíam diante das doenças, senão a ajuda gratuita do boticário.
Sô Tota teve uma infância como todos os meninos do interior. Jogava bola de gude, bola de borracha, bola feita de meia velha recheada com retalhos. Caçava passarinhos com atiradeira rústica, nadava no rio às escondias. Como em Vargem Alegre não havia escolas, o pai contratou um professor particular que, por quatro anos, morou com eles ministrando aulas de grande conteúdo. Crescendo, passou a ajudar na roça, a fazer queijo, a levar comida para os trabalhadores. Aos 15 anos foi trabalhar com o pai na farmácia, num tempo em que os medicamentos eram manipulados no próprio estabelecimento na feitura de cápsulas, pomada, poções. Em 1943 veio trabalhar em Caratinga na Farmácia Dutra. Prestou o serviço militar e, ao se incorporar no primeiro Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro, alcançou dois cargos, o de cabo e o de sargento, sendo classificado em segundo e primeiro lugares, respectivamente. Voltando a Vargem Alegre, continuou na farmácia e depois trabalhou no Cartório de Paz e Registro Civil como escrevente juramentado.
Em 9 de fevereiro de 1948 casou-se com Ana Antônia Lisboa, a quem chamava carinhosamente de Donana. Um casamento de almas por meio do qual vieram-lhes cinco filhos, Bauer, Lígia, Leila, Reginaldo e Ana Maria; e oito netos, Tatiana, Marina, Almério Filho, Fernando, Eriane, Rodrigo, Ana Lígia e Rafael. Fazem parte de seus afetos genros e noras, incluindo nosso prezado Almério. Viveram felizes pela vida toda. O amor verdadeiro justificava todos os dias a caminhada a dois.
Mudaram-se para Caratinga onde o Tota desenvolveu um trabalho irretocável em todos os cargos que ocupou. Na Prefeitura Municipal foi auxiliar de tesouraria, indo depois para a Caixa Econômica Estadual. Procurado pelo prefeito da época, foi convidado a retornar à prefeitura devido à necessidade de se colocar no cargo de tesoureiro um funcionário de confiança. Atuou como auxiliar de tesouraria, tesoureiro, chefe do Serviço da Fazenda e diretor do Departamento de Finanças.
Atividades políticas tiveram nele um expoente de liderança e boas atuações. Foi vereador à Câmara Municipal por três legislaturas, vice-prefeito e prefeito por 45 dias. Como vereador, ocupou todos os cargos da mesa diretora, comissões permanentes e específicas, participando do Colégio Eleitoral para a escolha do governador do Estado e Senador da República, respectivamente Francelino Pereira dos Santos e Murilo Paulino Badaró.
Foi membro do Conselho da Funec, da Fundação Educacional de Vargem Alegre, da comissão para a fundação da CNEC, do Mobral, da 4ª Exapic, da Combem. Exerceu o cargo de tesoureiro do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora, sendo rotariano de grande expressão, atingindo ser sócio 100% por 22 Anos. Religioso e vicentino, contribuiu para o crescimento da associação e no socorro aos menos favorecidos.
Fatos interessantes aconteceram no desenrolar das lidas políticas. Pertencente ao antigo PSD, era considerado reserva moral e vereador gigante por se eleger com facilidade e por ajudar grandemente na eleição de prefeito devido ao seu grande e fiel número de eleitores. Na apuração das urnas, ele sabia, exatamente, quanto votos tinha em Vargem Alegre. Não errava nunca e só fazia aumentar a votação do partido. Narrava com uma pontinha de vaidade que, na virada da política, quando foi eleito o tão querido Moacyr de Mattos, ele foi afastado da prefeitura por ocupar cargo de confiança. Só que, meses depois, foi convidado a reassumir a função. Aí ele dizia divertido: “Já pensou? Ser tesoureiro de adversário?” Tudo por conta da competência e honestidade.
Outro fato provou sua honradez. Ficara acertado o seu nome para prefeito e, quando chegou a hora, colocaram outro candidato em vez dele. A maioria dos correligionários ficou desapontada, e muitos lhe sugeriam abandonar o partido. Mas deu-se o contrário. Humilde, aceitou a situação, não abandonou o partido que congregava grandes amigos e trabalhou muito na eleição do candidato apontado. Sem revanches ou perseguições aos adversários, considerava todos iguais. Isso porque norteou suas realizações rumo ao bem da comunidade em detrimento de seu próprio bem.
A casa do Seu Tota, desde Vargem Alegre, sempre foi um aconchego de receber todo mundo. A mesa imensa cercada de tamboretes, ficava pronta o dia inteiro com bolos, pães, biscoitos de polvilho. A chaleira sempre cheia de cafezinho gostoso ficava à beira do fogão à espera dos que chegassem. Em Caratinga, além da casa cheia, ainda abrigava jovens que vinham de Vargem Alegre para estudar. A família dividia com eles comida, carinho e lições de vida. Dormiam duas filhas na mesma cama para ceder um lugarzinho aos que chegavam.
Responsável por uma infinidade de bondades repartidas com o povo, com amigos, com os necessitados, encontrou em Donana a esposa que, compreendendo a generosidade do marido e tendo também um coração de ouro, agia nos bastidores. Ele convidava as pessoas e ela as recebia com ternura e bom sorriso. Ele oferecia o cafezinho e mesa farta, mas era ela que fazia os quitutes. Até para comunicar aos filhos alguma coisa de que ele não havia gostado, pedia a ela que o fizesse. Donana, então, procurava os meninos e, em tom de doçura, transmitia-lhes os recados do pai. Era a embaixadora das advertências e do bom conselho. Foi o anjo protetor, a fada de condão mágico que, sem alardes, ia ajudando a acontecer. Foi a prece silenciosa antecessora de milagres.
Ele se foi, mas deixa um rastro de luz a lembrar seus passos. Enquanto estamos com as pessoas, muitas vezes não sabemos avaliar o quanto são importantes. A ausência fala alto e nos mostra o que realmente permanece, como poetou Carlos Drummond de Andrade: “As coisas tangíveis| tornam-se insensíveis| à palma da mão. Mas as coisas findas| muito mais que lindas| essas ficarão.”
À família enlutada, nosso pesar. Um pesar feito de saudade suave e agradecimento a Deus por nos ter dado pessoa tão boa e generosa que ajudou construir Caratinga na força do bom combate. Seu exemplo há de forrar nosso chão e inspirar políticos e pessoas comprometidas com a felicidade do povo, na promoção de ações enriquecedoras.
Ele está junto do Pai que lhe garantiu o Reino: Bem-aventurados os pacíficos porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus. Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia.
Agora estamos mais pobres com a ida do Sô Tota. Nenhum homem é uma ilha isolada, como nos ensinou John Donne. Cada pessoa que se vai empobrece o contingente humano da cidade. Cada um de nós morre um pouco com a morte do outro. Portanto, ao ver partir o Sô Tota, não perguntemos por quem os sinos dobram. Os sinos dobram por todos nós.
Marilene Godinho