Foto: Leonardo Lara
José Celso da Cunha [1]
Palenque, México – Parte II: O Templo das Inscrições e o Sarcófago do Rei[2]
O Templo das Inscrições localizado no centro cívico de Palenque, no México ― composto por uma pirâmide escalonada com oito patamares e um templo retangular com cinco portais voltados para o norte ―, é um dos principais edifícios desta cidade maia e o que tem merecido especial atenção dos especialistas a partir dos anos 1950. Ele teria sido construído pelo Rei Pakal, no final do século VII d.C. O nome dado ao templo pelos pesquisadores tem a ver com as esculturas e inscrições feitas em baixo relevo em três grandes painéis das paredes do templo, que descrevem as conquistas do rei Pakal, bem como as dinastias de Palenque antes de seu reinado. Surpreendentemente, apenas em 1952, após vários anos de pesquisas arqueológicas nas ruínas do Templo das Inscrições, o pesquisador mexicano Alberto Ruz Lhuillier descobriu uma passagem subterrânea sob uma pedra grossa colocada no piso do salão posterior do Templo. Removida a pedra, descobriu-se uma galeria estreita, fechada com entulho, terra e restos de construção. O teto desta galeria foi construído em forma de arco de avanço, ou arco maia, largamente utilizado nas construções em Palenque.
Vista do Templo das Inscrições a partir da Praça. A estrutura de base, em forma de pirâmide escalonada, foi construída com oito patamares no estilo arquitetônico clássico maia. A grande sala do templo, com cinco portais frontais, foi construída com a técnica do arco maia, propiciando espaços internos mais amplos do que se obteve na arquitetura maia mais antiga.
Depois de meses de escavações sistemáticas nessa galeria, os pesquisadores descobriram, ao fundo, uma sala ampla com cerca de dois metros de largura e oito de comprimento. A sala era coberta com um belo arco maia, tendo as paredes revestidas de estuque com figuras esculpidas em baixo relevo. Dentro desta sala, depositado no piso, ainda repousa um grande sarcófago monolítico de pedra, coberto por uma espessa lápide de calcário de várias toneladas, ricamente decorada. Levantada a lápide sobre o sarcófago os pesquisadores se depararam com a mais rica e bem decorada tumba maia jamais encontrada em todos os tempos. Era a tumba inviolada do rei Pakal, o Grande, que governara Palenque durante quarenta anos, entre os anos de 680 e 720 d.C. A câmara funerária foi construída no nível do terreno da praça, reforçada com paredes de pedra. As pedras de fechamento do arco maia, no teto, numa técnica admirável da engenharia maia, apoiam-se diretamente em duas paredes opostas, inclinadas. Pelas grandes dimensões do sarcófago e por ser estreita a passagem pela galeria a partir do piso do templo, imagina-se que ele teria sido colocado naquela sala subterrânea antes mesmo da construção definitiva do templo. Na minha primeira viagem de pesquisa à Palenque em 1997, ainda era possível subir ao Templo das Inscrições pela escadaria central da fachada e descer a galeria que dá acesso ao mausoléu do rei Pakal. Retornei em 2006 com o mesmo objetivo, ocasião em que estava interditado aos visitantes o acesso ao templo e à câmara funerária.O Templo das Inscrições foi construído com o rei ainda em vida. Certamente, Pakal teria supervisionado cada etapa da construção do templo e, sobretudo, da sua câmara funerária, como um faraó do velho Egito que passava a vida em função da edificação da sua pirâmide, às margens do Nilo. Desta forma, os artesãos e os escultores maias, sob a supervisão dos sacerdotes e do próprio rei, puderam dedicar todo o tempo necessário à preparação do mausoléu, esculpindo nas paredes, internas e externas da câmara, figuras e motivos que deveriam compor a tumba de um grande rei como Pakal.
Dentro do sarcófago, junto com o corpo do rei vestido com uma túnica vermelha, havia uma máscara de jade sobre o seu rosto, ornada com brincos de pedras preciosas, orelheiras perfuradas por dois estiletes também de jade, assim como um colar de muitas voltas, também elaborado com contas e pequenos roletes perfurados desse mesmo material. Nos punhos do rei havia duas pulseiras grossas. Nas mãos, além de anéis de jade em todos os dedos, o rei trazia dois símbolos sagrados para os maias: um cubo, na mão direita e uma esfera, na esquerda, que alguns especialistas os associam à geometria empregada nas construções de Palenque. A tampa do sarcófago apresentava uma rica escultura em baixo relevo, mostrando uma cena mística com um indivíduo entre dois extremos da vida e da morte. De acordo com o guia Michelin México (2004), o pesquisador Alberto Rus Lhuillier interpretou o desenho da seguinte maneira: “a parte inferior simboliza a morte, no alto da figura a vida e a esperança, e, no meio, o homem, que tem uma posição indeterminada entre esses dois elementos”. Trata-se de uma alusão à mitologia maia em que a morte ― associada ao inframundo em espanhol, ou Xibalbá, na língua maia ―, é representada pela figura de um monstro que habita as profundezas da terra, disposto na parte inferior da escultura. A vida, esculpida na parte superior do desenho, é simbolizada por uma cruz folhada ― uma árvore considerada o eixo da terra ―, sobre a qual repousa um pássaro sagrado, possivelmente um Quetzal. Para a história e a mitologia, importa que o homem ali representado seria o Rei Pakal, com o olhar voltado para a árvore da vida, na expectativa de retornar um dia à terra. O Templo das Inscrições representa a consolidação da arquitetura e da engenharia de Palenque. O mausoléu, escondido em suas entranhas, homenageia e reconhece a grandeza do rei Pakal, o Grande, mentor dessa consolidação.
[1] José Celso da Cunha, engenheiro civil, professor, escritor, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP-Paris. É membro da ABECE e do IBRACON. E-mail: [email protected].
2 Com base na série do autor: “A História das Construções” – www.autenticaeditora.com.br. As fotografias apresentadas neste artigo foram tiradas pelo autor em suas viagens de pesquisa.