José Celso da Cunha*
AS CONSTRUÇÕES DA GRÉCIA CONTINENTAL – Parte XII[1][2]
MICENAS: O Tesouro de Atreu – O portal de entrada.
Para finalizar o ensaio sobre os ganhos técnicos dos micênios, no crepúsculo do segundo milênio a.C., não poderia faltar o maior dos seus feitos no campo da arquitetura monumental: o Tesouro de Atreu, um grande mausoléu com cobertura em forma de ogiva, construído com grandes blocos de pedra organizados num sistema estrutural composto de arcos de avanços tridimensionais, jamais vistos nessas proporções.
Enquanto os cidadãos comuns eram enterrados em pequenas valas abertas nas rochas ou mesmo na terra – o costume era de remover para o lado a ossada de um defunto para depositar outro familiar recém-falecido –, a morada final dos reis devia ser proporcional à sua importância para os seus governados, ou até mesmo à sua autoridade junto à maioria. Os primeiros reis micênios foram enterrados em grutas naturais, enquanto outros, em cemitérios especiais construídos com riqueza arquitetônica e símbolos de poder, como o Círculo A, cujos tesouros em oferendas já nos foram revelados.
Com base nas narrativas da Ilíada de Homero, os primeiros pesquisadores procuraram os mausoléus dos grandes heróis, como os de Agamenon ou do seu irmão Menelau, assim como de alguns outros membros pertencentes à Tragédia dos Átridas, como a do seu pai Atreu. Schliemann, (1888-1921), arqueólogo alemão descobridor das ruínas de Troia e Micenas, perseguiu o relato de que Agamenon teria sido enterrado entre muralhas, e por isso mesmo pensou na coincidente localização do Círculo A, cuja grandeza e riqueza só poderia ter pertencido ao grande herói de Tróia, atribuindo a ele a famosa máscara de ouro encontrada, dentre outras oferendas dispostas junto aos corpos. Infelizmente, como foi dito anteriormente, não era de Agamenon, pois se tratava de um cemitério do século XVI a.C., dois séculos antes da Guerra de Tróia. Entretanto, Schliemann localizou inúmeras sepulturas importantes, com estilos mais ou menos semelhantes, dignas de qualquer herói. Nenhuma delas, porém, foi construída com o esplendor arquitetônico daquela conhecida como o Tesouro de Atreu, supostamente pertencente a esse soberano, pai de Agamenon e de outros. Os arqueólogos chamavam de tesouro os túmulos mais importantes da antiga Grécia, cujas oferendas deixadas ao lado dos restos mortais eram verdadeiros tesouros.
O Tesouro de Atreu, também conhecido como a tumba de Agamenon, quando da chegada de Schliemann no final do século XIX, já estava destituído de todos os seus valores deixados como oferendas, tendo em vista que já teria sido saqueado em tempos imemoriais, nada deixando aos novos exploradores. A fachada foi decorada esculturas feitas com vários tipos de materiais; partes delas estão no museu britânico de Londres, e no Museu Nacional de Arqueologia de Atenas. Curiosamente, ela nunca foi encoberta pela terra, permanecendo praticamente intacta, da forma como foi construída no século XIV a.C., sendo local de peregrinação e de visitação para viajantes do passado e do presente que sempre se encantam com sua beleza.
Os construtores micênios já dominavam a técnica de construir aberturas e galerias utilizando-se do sistema estrutural denominado de arco de avanço ou falso arco, como em Tirinto, nas galerias e aberturas construídas sob a muralha, onde existem sistemas complexos de coberturas de galerias sinuosas e em desnível como se comentou anteriormente.
O Tesouro de Atreu é composto de um longo corredor de 6 m de largura e 36 m de comprimento entre dois muros de altura variável, acompanhando a inclinação natural do terreno, que continua até formar uma grande montanha artificial. A parte mais alta dos muros, junto ao lado externo do portão mede aproximadamente 10 m. A altura do portão é de aproximadamente 5,4 m e sua largura, na parte de baixo mede de 2,56 m, e em cima, 2,46 m. Originalmente, o portão de entrada era ladeado por duas semicolunas de mármore apoiadas em pedestais ou bases escalonadas e fixadas em furos deixados nas extremidades do lintel.
A técnica da construção de aberturas utilizando-se o arco de avanço consiste em sobrepor camadas de pedra ou tijolos, para que as extremidades de duas paredes paralelas ─ inicialmente afastadas entre si da extensão esperada da abertura ou da galeria ─, avancem camada por camada de uma pequena distância em direção à outra, de modo a quase se tocarem na cumeeira, quando são sobrepostas por uma última pedra de fechamento. Uma galeria seria o resultado consequente da justaposição sucessiva de arcos de avanço, criando planos laterais cuja continuidade e interrupção determina o seu comprimento. Dessa forma tais galerias seriam mais ou menos largas ou altas em função do afastamento ou do empilhamento das camadas de pedra.
Essa técnica foi utilizada na construção da abertura triangular localizada acima do lintel, como se fora um arco de descarga para proteger o lintel de cargas diretas, técnica já utilizada pelos egípcios nas construções de galerias no interior das pirâmides a partir do final da III Dinastia, com o Faraó Huni. Dessa maneira, as cargas provenientes dos níveis superiores seriam diretamente direcionadas para as laterais do portal, ou seja, para as colunas que formam os batentes, promovendo o alívio desejado de cargas diretas sobre o lintel que poderiam danificá-lo, ou mesmo destruí-lo. A grande diferença aqui, em relação às construções dos arcos de Tirinto, é que naquela cidadela os construtores utilizaram a pedra quase in natura, sem grandes exigências estéticas, sobretudo por se tratar de uma obra interna, destinada a defesa e não à demonstração de poder pela arquitetura, como parece ser o caso nesse monumento de Micenas. Entretanto, observando-se detalhadamente a construção do arco, vê-se que os arquitetos preocuparam em dispor as pedras lisas apenas nas partes externas, mais visíveis ao visitante, deixando as menos bem-acabadas ou não trabalhadas no interior da galeria, sem prejuízo para a estabilidade da estrutura, mas com forte apelo estético.
[1] *José Celso da Cunha, engenheiro civil, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP- Paris, escritor e ex-professor da Escola de Engenharia da UFMG. É membro da ABECE, do IBRACON, da Academia Caratinguense de Letras e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. E-mail: [email protected].