Coordenador técnico regional da Emater, Sebastião Jorge Braga detalha influências dos efeitos climáticos para o produtor
CARATINGA- O El Niño tem elevado as temperaturas nas regiões de café arábica e conilon do Brasil e reduzido as chuvas em outros países produtores, intensificou o alerta sobre os possíveis efeitos na safra 2024/2025.
Para falar sobre o assunto, o DIÁRIO conversou com o coordenador técnico regional da Emater Sebastião Jorge Braga. Confira na entrevista:
Como os efeitos climáticos têm afetado a produção de café?
Temos o efeito do El Niño, que é o aquecimento das águas do pacífico. Isso causa efeito direto na América do Sul, principalmente, no Brasil. Normalmente observamos secas prolongadas Norte e Nordeste e excesso de chuva nas regiões Sul. Mas, o Centro-Oeste está sofrendo um impacto muito grande com aumento de temperaturas e, logicamente, uma precipitação totalmente desuniforme. Isso tem afetado demais a parte agrícola em todos os sentidos, não só na cafeicultura, mas, todas as culturas. No café, especificamente, independente do estágio em que a cultura se encontra, os efeitos são mais fortes ou menos fortes. Temos observado recorde de temperatura, que está sendo registrado nesse ano de 2023 e a precipitação cada vez mais desuniforme. Observamos que no mesmo município, em algumas comunidades, precipitações elevadas e nas comunidades vizinhas nada de precipitação. Isso é preocupante, porque para a cultura nessa época de dezembro deveríamos ter uma uniformidade de precipitação.
Quais efeitos estão diretamente ligados à qualidade do café?
Temos de observar que são dois efeitos extremamente significantes, estamos falando de temperatura e precipitação. No que diz respeito à precipitação, observamos que o déficit hídrico, que seria a quantidade de água que cai no solo, através, principalmente de chuva e a quantidade de água que evapotranspira, a quantidade que se perde está sendo maior que a que abastece o solo. O solo então está em déficit hídrico, isso tem um efeito direto na planta, na translocação de nutrientes, preenchimento de grão, formação de novas folhas. Isso é sério. Sabemos que nesse momento a planta está se preparando para uma Safra 2024, mas, também prevê o que pode acontecer na Safra de 2025, o ciclo do café principalmente tem isso. O grão que está em enchimento agora e os ramos que se formam, são aqueles que vão formar os grãos da Safra 2025. Os efeitos atuais não têm influência só nessa safra que se inicia, mas, também tem projeção em 2025, em termos de umidade do solo e capacidade de abastecimento.
O que é possível então analisar em termos de precipitação de umidade do solo?
As lavouras que foram plantadas esse ano estão seriamente comprometidas. Mudinhas não têm tanta resistência, não tem absorção diária para buscar água, então, realmente se essa condição permanecer dessas chuvas irregulares e déficit hídrico, temos sim um risco dessas novas lavouras. Naquelas já estabelecidas, nessa época de dezembro, ainda estamos trabalhando com a granação do fruto. O risco maior seria janeiro e fevereiro. Os frutos que já estão no pé até agora em dezembro já estão comprometidos, mas, no tamanho do grão e logicamente na peneira. Ou seja, até agora o comprometimento existe, mas, não chega a ser alarmante.
Quais são as projeções para as próximas safras?
Vamos pensar em tamanho de grão e do fruto, isso, logicamente, vai influenciar na produtividade, na produção. Então, podemos fazer uma previsão não muito otimista que a Safra 2024, provavelmente, vai ser inferior à de 2025. A qualidade de grão comprometida pelo tamanho dos grãos, a gente sabe que frutos com peneira abaixo de 16 não permeiam qualidade, do que aqueles acima de 16. Temos que ver também que as lavouras de café na nossa região são plantadas normalmente a alturas maiores que 800 metros, isso nos dá um certo alívio, não em relação a umidade, mas, temperatura. Mas, em relação a umidade, esse comprometimento do enchimento agora até dezembro, não compromete na quantidade de grãos, mas, tamanho dos grãos e peneira que vamos obter. Pode se reverter, a depender das situações que acontecerem daqui pra frente.
E caso a estiagem com precipitações irregulares permaneça no início de 2024?
Caso essa falta de água permaneça janeiro e fevereiro, logicamente, a produção vai estar extremamente comprometida. Esperamos que a partir agora do Natal, a gente tenha uma regularização das precipitações, que as chuvas caiam com mais frequência e mais distribuídas. Em um município grande como Caratinga, algumas propriedades estão tendo precipitação e outras zero de água. E mesmo naquelas que estão recebendo água, às vezes algumas com quantidade maior e outras menor. O mais agravante é que a quantidade que está caindo não está recompondo o déficit hídrico que se encontra, ou seja, a caixa d’água do solo está vazia e a precipitação não está enchendo essa água com nível adequado para que as plantas possam utilizá-lo.
Especificamente para o caso da umidade do solo e da quantidade de água disponível para a planta, o produtor teria alguns meios, que poderiam ser minimizados?
Pensa-se seriamente hoje em dia na irrigação da cafeicultura. Algumas regiões isso já está sendo uma premissa, que tem que ser considerada e às vezes produtor fala que não tem água para irrigar o café, não tem disponibilidade, mas, estudos têm que ser feitos. Se não conseguir fazer irrigação em 100% da área, alguma área que suporte essa irrigação, que dê condições de ter café de qualidade, com maior produtividade e produção adequada, que segura a economia do produtor. Tem que ser observado, um ponto a ser pensado pelos cafeicultores da região. Aqueles que realmente não têm disponibilidade de água, outras ações poderiam ser feitas. O solo protegido evita muito perda de água, pela evaporação, ou seja, cobertura do solo, manejo de plantas, isso permite que o solo mantenha um pouco da umidade, disponibilizando para as raízes esse teor. Algumas outras ações, como utilização de gesso, que aprofunda a raiz do café, também poderia ser observado, especificamente, para a umidade. Isso poderia amenizar, não estaria solucionando o déficit hídrico.
Qual sua análise em relação à temperatura?
Estamos sentindo na pele o efeito do calor, está realmente avassalador. Acho que na nossa região nunca tivemos temperaturas tão elevadas. E para o café isso também é extremamente sério. Sabemos que o índice ideal de temperatura para que a fotossíntese ocorra de uma forma eficiente estaria numa margem de variação de 14° a 34°. E a fotossíntese é o alimento da planta, se ela não entrar no processo fotossintético, ela não produz folha, não tem crescimento, enchimento de grão. Essa temperatura elevada, temos observado superiores a isso, de 36°, 37° ou 38°, não a média, logicamente, graças a Deus, mas, esses picos têm ocorrido com uma frequência muito grande. Nesses períodos de temperatura acima de 34°, pode ter certeza de que o café, a fotossíntese é interrompida. Ou seja, todo o processo paralisa na planta. E o agravante é que numa temperatura acima de 34°, mesmo que tenha disponibilidade de água no solo, que obtenha um processo de irrigação, a planta não consegue responder. A fisiologia dela paralisa para a fotossíntese. Eu tinha dito que o comprometimento, até agora, estaria no tamanho do grão, fruto e peneira. Mas, se a temperatura persistir em janeiro e fevereiro, vamos começar a ter chochamento de grão, grãos vazios, queda, abortamento, assim o comprometimento da safra e da qualidade vai ser muito grande. E o pior que quanto à temperatura não temos o que fazer, não se tem medidas e procedimentos para diminui-las. Até agora, dezembro, em função da temperatura também e da umidade, temos comprometimento em tamanho de grão e fruto. Em janeiro se persistir temperatura elevada por muito tempo, teremos comprometimento diretamente na produção do café.
Se tratando do café conilon, como tem se comportado?
Na nossa região temos pouco conilon, algumas pessoas começaram com essa extração, Valadares tem, Caratinga são poucos, região de Manhuaçu praticamente não tem. Mas, numa análise bem fria e crua, se nós temos o arábica acima de 800 metros, o conilon está abaixo de 500, às vezes até em 200 metros de altura, que é a indicação dele. E nessas regiões a temperatura está extremamente elevada e o conilon também já sofreu muito. O conilon tem um reflexo negativo em relação à baixa precipitação e excesso de temperatura maior que o arábica, em função das áreas que são produzidos.
Há variedades do café que possam ser mais resistentes ao déficit hídrico?
Especificamente para o arábica, alguns estudos já estão sendo feitos avaliando variedades e linhagens que são mais resistentes e conseguem conviver com déficit hídrico. Mas, são estudos preliminares. Alguns, logicamente, já tem sintomas positivos. Temos que pensar que as mudanças climáticas se manifestam, mas, um pensamento meu é que que a curto, essas mudanças climáticas não venham a reverter. São coisas cíclicas, logicamente que a influência humana pode acelerar o processo, mas, no histórico climático do planeta vemos que essas alterações ocorrem ciclicamente. Então, temos que observar todas as possibilidades.
Por fim, quais são as projeções para o mercado?
Em relação a mercado, podemos dizer que se a qualidade tende a não ser a mesma que tivemos em 2023, então, aqueles produtores que conseguirem produzir café de qualidade, logicamente, vão ter o mercado garantido. Aqueles que não, depende muito. Como café é cotado por Bolsa Internacional, depende dos comportamentos de outros países, Bolívia, tem que ver o que vai acontecer; a própria pressão da Bolsa. Seria muito prematuro eu falar que o café vai subir ou cair de preço, pois, não depende só da nossa produção. O café é uma comoddity mundial, então, o comportamento e o que acontece nos outros países influencia no preço de uma forma mundial. Mas, podemos pensar que, se o estoque não é tão alto e que a tendência é que a produção caia em função da queda da produtividade, a tendência é que o preço de mercado se aqueça. Não que eu garanta isso, mas, em termos de tendência. Em termos de café de qualidade é o mercado que já está relativamente estabelecido e esse ano, como vamos conseguir menos café de qualidade em função de toda essa logística. Acredito que se mantenha preços ou até um leve aumento. Em relação ao conilon, como teve uma queda na produção do Vietnã e Indonésia, talvez e mesmo com a quantidade pequena que vai se ter, em função do comprometimento do conilon já nessa época é possível que o preço do conilon tenha uma valorização mais assertiva. Mas, também é muito prematuro.