* Sávia Francklin Mansur
Esta semana uma adolescente me procurou para lhe dar uma dieta. Ao avaliar fisicamente a adolescente, percebi que ela possuía o biótipo estritamente brasileiro: aquelas coxas grossas, que culminam em canelas grossas, cintura fina, e uma estatura mediana. Ela possuía um corpo muito bonito para os nossos padrões brasileiros de beleza. Todavia, a adolescente não se sentia feliz com o que possuía. Tentei dissuadi-la da “dieta” e tentei lhe mostrar a beleza de seu corpo e fazer-lhe orientações sobre uma alimentação saudável.
Depois desse atendimento, fiquei a pensar sobre o quanto nós fazemos escravos de um protótipo de beleza que não nos pertence e o quanto podemos sofrer por isso. E, na maioria das vezes, todos procuram uma imagem física que nunca alcançarão. Não por não terem persistência, mas por não terem semelhança física alguma com a imagem vendida pela mídia e, diga-se de passagem, muitas vezes “aperfeiçoada” pelos famosos photoshop. Beleza é algo extremamente subjetivo e pessoal. Na busca por tal, as pessoas estão perdendo o bom senso. Não quero aqui, criticar aqueles que a cultuam ou fazem dela um meio de vida. Mas alertar que a alimentação pode ser um gatilho para perdê-la de vez ou mantê-la ao longo dos anos. Junte-se a isso uma gama de profissionais que se utilizam da falta de conhecimento técnico da maioria das pessoas e “prescrevem” coisas absurdas em nome da alimentação saudável!
Gostaria de levar os leitores a uma pequena reflexão. Vamos raciocinar em relação à “alimentação saudável”. Se alimentação saudável fosse realmente o que a mídia e muitos profissionais vêm divulgando e pregando, o que seria daqueles que vivem no interior desse país de dimensões continentais, que se nutrem do nosso velho arroz e feijão, da farinha de mandioca, do peixe, do jerimum, da taioba, da couve, do angu, do pequi e muitos outros pratos tradicionais dessa terra tão rica de culturas gastronômicas? E o “seu” José, que mora logo ali, e nunca ouviu falar de chia, amaranto, linhaça etc? Pela “lógica”, essas pessoas estariam fadadas a morrerem por não terem uma alimentação saudável? Entendam que não estou desmerecendo qualquer alimento, mas tentando trazer à reflexão o bom senso!
Em função dos 26 anos de experiência profissional, onde passei pelo menos 20 anos atendendo pessoas de alto e baixo poder aquisitivo, garanto-lhes que há como se alimentar saudavelmente, sem agredirmos a cultura, os costumes e os hábitos de todos. Desde, é claro, que o profissional não esteja interessado em “parecer diferente” para poder “dar ibope”. O nosso velho arroz com feijão e os alimentos regionais deste vasto país podem e nos proporcionam uma excelente alimentação saudável! Ao contrário do que muitos pensam, quando se opta por fazer mudanças, e estas estão inseridas em um contexto que já existe, tais mudanças têm uma enorme sustentabilidade e grande probabilidade de perdurarem. Como uma pessoa, que foi criada com arroz, feijão, angu, taioba e carne de porco, pode passar a comer chia, farelo de arroz e amaranto de hoje para amanhã? Isto denigre a imagem do nutricionista, fazendo com que se reforce o pré-conceito de ser um profissional para ricos e colocando a alimentação saudável como uma utopia.
Para terminar e ilustrar as aberrações cometidas por nutricionistas, sem o menor senso de realidade, vou relatar um fato verídico, mas é claro, omitindo os verdadeiros nomes. Em dezembro de 2016 fui procurada por uma amiga em minha residência. Vamos lhe dar o nome de Maria. Maria estava me pedindo ajuda. Há um mês ela estava fazendo uma dieta prescrita por nutricionista. Em um dado momento, Maria estava fazendo atividade física, quando teve um desmaio e foi parar no atendimento de urgência. Maria chegou a ter dilatação de pupila. Com os devidos cuidados, voltou para casa um tanto abalada. A fisioterapeuta a aconselhou procurar um outro profissional que não a sua nutricionista para rever sua alimentação. Maria chegou em minha casa pedindo ajuda, porque eu não atendo mais em consultório. Sentei-me com Maria e refiz seus cálculos de dieta. Mostrei-lhe que a alimentação prescrita anteriormente encontrava-se muito abaixo do recomendado, o que, com certeza, estava lhe proporcionando um estado de hipoglicemia[1] (deficiência de carboidratos). Maria então descreveu todos os sinais clínicos desta hipoglicemia. Reajustei a alimentação e Maria foi embora meio indignada com a confiança que havia depositado na profissional anterior e o prejuízo que isso havia lhe dado em relação à sua saúde. Depois de 15 dias, Maria retornou à minha casa com outro semblante: não estava prostrada, não apresentava sonolência excessiva e estava com outra disposição para o trabalho e as dores de cabeça haviam sumido e a irritação e o mau humor também haviam desaparecido. Tudo isso decorrente da deficiência drástica de carboidratos, imposta à Maria, que seguiu à risca a prescrição!!!
Aos leitores, quero deixar claro que não pretendo enaltecimento com o caso relatado, mas alertar para os extremos que muitos vêm cometendo em nome de uma “alimentação saudável”. Maria quase entrou em coma devido a uma restrição absurda de carboidratos!!! Tenho certeza de, para a maioria de nós, se pararmos para pensar, para raciocinar, acharemos no dia a dia e na própria cultura, a solução para uma alimentação saudável, sem agressões aos nossos costumes alimentares. Que fique a eterna dica: BOM SENSO!!!
[1]Hipoglicemia é um distúrbio provocado pela baixa concentração de glicose (açúcar) no sangue, que pode afetar pessoas portadoras de diabetes ou não. A ingestão de carboidratos, diminuída drasticamente, também pode levar ao estado de hipoglicemia. O corpo humano precisa de uma quantidade específica de açúcares para funcionar. Quando há hipoglicemia, podem aparecer alguns sintomas comuns, como: confusão mental; comportamento anormal; dificuldade em realizar atividades simples e de cumprir tarefas rotineiras. Pode ser, ainda, que apareçam outros sintomas, ainda que estes sejam bem menos comuns, como convulsões, perda de consciência e coma.
* Sávia Francklin Mansur – Nutricionista
Graduada pela UFV- Viçosa, MG; Pós Graduada em Saúde Pública pela UFV.
Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade pelo UNEC, Caratinga, MG.
Professora do Centro Universitário de Caratinga – UNEC, Caratinga, MG do Curso de Nutrição.
Coordenadora do Setor de Nutrição da SMS de Manhuaçu.
Responsável Técnica pela Unidade de Alimentação e Nutrição – SND – da SMS de Manhuaçu
Mais informações sobre o autor(a): http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4209839P0.