* Sávia Francklin Mansur
Há algum tempo que toda a humanidade vem se preocupando significativamente com o que comer, com o estilo de vida, com hábitos mais saudáveis, enfim, como ter uma longevidade com qualidade. O dito popular que diz, “de médico e louco, todos nós temos um pouco”, em se tratando de alimentação fica cada dia mais evidente.
Sem querer banalizar qualquer pesquisa, ou enaltecer crendices populares, não entraremos no mérito de achados científicos, mas abordaremos a sensatez.
Quando alguma descoberta é feita no campo da ciência, precisamos manter a lucidez e meditarmos sobre o assunto com serenidade. Houve um tempo em que o ovo, por exemplo, foi um enorme vilão. Com o passar dos anos descobriu-se que ele não era tão ruim assim.
Para ilustrar, vou contar uma pequena história que faz parte de minha vida profissional. Recém saída da universidade, lá no início dos anos de 1990, quando um pediatra, então secretário de saúde do meu município, diga-se de passagem, um ícone em saúde pública e também um idealizador dela, com quem aprendi a trabalhar em serviço público, me fazendo acreditar que o público pode dar certo e por quem tenho um profundo respeito e admiração e que não podia deixar de citar seu nome: Luiz Prata, o qual levou-me a casa de uma usuária do SUS. Naquela época, o país tinha mais crianças desnutridas do que crianças com excesso de peso, o contrário dos dias atuais. A casa da usuária era paupérrima e ela tinha 7 filhos. Um deles estava cadastrado no programa do ICCN (Incentivo de combate às carências nutricionais), promovido pelo governo, onde era fornecido às mães das crianças desnutridas, 3 kg de leite em pó e uma lata de óleo. Lembro-me como se fosse hoje, quando estávamos no retorno desta visita e eu estava questionando como fornecer aquela criança uma fonte de proteína animal que não fosse a carne, pois esta era de alto custo e a mãe não teria como fornecer a um filho e os outros ficarem olhando o irmão comer e para ela tratar de todos era impossível financeiramente. Foi aí que ele sugeriu, ou melhor, indagou com toda a sua autoridade de pediatra experiente, porque não poderia ser dado à criança um ovo todos os dias? Eu, mais do que depressa, fiquei assustada e rebati logo, respondendo-lhe com outra pergunta: “e o excesso de colesterol?”. Ele, calmamente, com aquele ar de professor e profundo conhecedor das mazelas humanas, me diz: “Minha filha, até aonde vai o seu academicismo? Se o indivíduo não possui fonte proteica alguma, você acha que esse ovo, todos os dias, diante deste quadro de desnutrição vai fazer mal ou bem a esta criança?” Até hoje me lembro com clareza de sua expressão, a qual eu traduzi da seguinte forma ao longo dos anos: Acorda! Entre a teoria e a prática há uma enorme distância. Use seu bom senso e seus conhecimentos técnicos para acrescentar às pessoas e não para submetê-las a restrições e privações.
Tento até hoje, carregar esta frase comigo: “até aonde vai o seu academicismo?”. Quando vejo as pessoas retirando o glúten, a lactose, o pão, o leite, enfim, qualquer outro alimento, de nossa cultura alimentar, sem justificativa plausível, ou porque o fulano falou que tá fazendo mal, fico a me perguntar o que o Dr. Luiz me perguntou àquela época… Deixo claro que não estou me referindo aqueles que têm alergia ou intolerância a estas substâncias, mas aos modismos. Pergunto a todos que restringiram sem motivo aparente, o por que desta decisão? Já pararam para analisar que uma reeducação alimentar, com a presença do nosso velho pãozinho, poderia ser menos sofrida? O pão não é o vilão e se consumirmos menos pães, o país talvez não tenha que importar tanto trigo! Pergunto também, onde iremos retirar cálcio, sem a ingestão do leite e seus derivados? Se alguém disse nas verduras verdes, sugiro que pese 100g de brócolis e 100g de couve para ter a noção de volume e não se esqueça de que a ingestão tem que ser diária, pois o nosso organismo precisa de tudo isto, todos os dias!!!
Para finalizar, quero deixar a ideia de que nada nos faz mal ou bem, desde que tenhamos sensatez. O que muitos estão em busca, hoje, são fórmulas milagrosas, as quais não se sustentam. Se estas ideias drásticas fossem realmente uma só verdade, os indivíduos que atendemos no sistema público de saúde não teriam a menor chance de obterem uma alimentação saudável e para algumas doenças, como o diabetes, um lavrador das nossas lavouras de café, teria que ingerir uma tapioca no café da manhã, que não contém glúten, uma barrinha de cereal, entre as refeições, um “suco detox” algumas vezes no dia.
Não. Não precisa ser assim. Como nutricionista, trabalhando há 24 anos no SUS, garanto que este indivíduo, que mora no interior do estado de Minas, e é diabético, por exemplo, tem o direito de ingerir produtos de sua cultura e ainda ter o seu diabetes controlado por meio da alimentação. Esse tipo de conduta, a meu ver, é agressiva e não será sustentada por muito tempo pelo indivíduo, levando-o até a acreditar que sua doença é a pior coisa do mundo.
Desejo a todos muita sensatez em suas mudanças alimentares, afinal, em se tratando de alimentação, o que é o certo e o que é errado?
* Sávia Francklin Mansur – Nutricionista. Graduada pela UFV- Viçosa, MG; Pós Graduada em Saúde Pública pela UFV. Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade pelo UNEC, Caratinga, MG. Professora do Centro Universitário de Caratinga – UNEC, Caratinga, MG do Curso de Nutrição. Coordenadora do Setor de Nutrição da SMS de Manhuaçu. Responsável Técnica pela Unidade de Alimentação e Nutrição – SND – da SMS de Manhuaçu
Mais informações sobre o autor(a): http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4209839P0.