A morte na mesa de bar dos brasileiros: educação para a morte
* Celeste Aparecida Dias
Nós brasileiros somos conhecidos mundialmente pela nossa alegria contagiante e por uma de nossas características sociais mais marcantes: gostar de uma mesa de bar, em torno da qual, geralmente, fazemos rodas de conversa sobre os assuntos mais diversos de nossas vidas. Fazemos piadas e transformamos em humor até mesmo assuntos que costumam provocar sofrimentos nas pessoas: os mais diversos tipos de discriminação e preconceitos contra os vários grupos sociais, tais como loiras, negros, gays, portugueses, etc. Todos estes assuntos se transformam em textos orais divertidos e motivadores de muitas risadas nos bares da vida.
Apesar dessa alegria contagiante, há um assunto sobre o qual temos muita dificuldade em conversar ou fazer piada: a morte. Por que nós brasileiros não conversamos, alegremente, sobre a morte nas mesas de bares, enquanto curtimos os amigos? Talvez uma resposta óbvia seja porque a experiência da morte sobre a qual podemos falar é a da experiência dos outros. Somos impossibilitados de falar sobre a experiência da nossa própria morte, pois quando vivemos essa experiência, já somos impossibilitados de nos comunicar verbalmente com as demais pessoas.
Até mesmo sobre suas dores físicas as pessoas conseguem falar bem nas rodas de conversa, especialmente aquelas que somatizam suas dores da alma no seu próprio corpo e clamam de tudo enquanto é dor, que parece andar pelo seu corpo e cada dia dói em uma de suas partes: um dia é o braço, outro dia é a coluna, outro dia são as pernas, os pés e, assim, sucessivamente.
A dor é uma percepção orgânica, “sentida”, que avisa ao corpo humano que algo não está bem com ele. É uma espécie de sinal amarelo para o corpo. Sempre queremos nos libertar da dor e, para isso, buscamos os mais diversos tipos de medicamentos. Um dia, uma grande amiga que vivia um momento de profunda depressão, me fez uma confidência sobre a dor que jamais esqueci. Ao conversar com ela sobre o que havia feito, ela me disse: “Sabe minha amiga, as pessoas não entendem a dor da alma quando ela atinge o corpo inteiro. Eles acham que eu tentei suicídio, mas eu não tentei! Eu não queria morrer, eu queria me livrar daquela dor intensa invadindo todo meu corpo e, se aquele monte de remédios me levasse à morte, mas aliviasse aquela dor insuportável, que eu morresse!”.
Para sua família, especialmente seu marido, ela tentou suicídio, pois havia tomado um coquetel de remédios. Ora, a morte é um fenômeno que faz parte dos processos humanos e que sempre inquietou as grandes questões das pessoas pensadoras desde o início da humanidade. Epicuro, um filósofo grego que viveu antes de Sócrates, afirmava que não há dor após a morte, pois quando ela existe, deixamos de existir. E, se é assim, Sêneca, outro filósofo da antiguidade, nos ajuda com uma pergunta: Depois da morte não há nada, então para que sofrer com a morte?
Por que, nós ocidentais, achamos que estamos neste mundo para sermos eternos, aqui? Por que não conseguimos converter a morte para deixar de ser um conceito e passar a ser uma condição espiritual de nós seres humanos? Encerrarmos nossa passagem por aqui e irmos para outro lugar ou para outra vida, sobre a qual nada sabemos?
Ao estudarmos a movimentação dos ciclos de energia no Planeta Terra, ficamos sabendo que a morte é uma condição necessária para que exista a vida. Compreendemos que a matéria orgânica, da qual fazemos parte, é o grande mistério da fusão da vida com a morte. Quando os professores de ciências, de física e de química estudam essa movimentação dos ciclos de energia pode ser o momento de eles realizarem o trabalho de educação para a morte, de modo que as crianças e adolescentes se localizem, enquanto corpo e organismo vivos, nessa eterna movimentação de energia em que a vida e a morte são apenas interfaces de um mesmo processo.
Em algumas culturas, como na Nigéria, não há tristeza no momento da morte de entes queridos e costumam, inclusive, fazer a celebração pela transformação da vida! A concepção de morte para algumas culturas tem uma relação direta com a circulação da energia no Planeta. Ciclo este ainda parece ser muito desconhecido até de cientistas renomados, visto que a relação entre a matéria e a energia ainda guarda muitos segredos a serem desvendados, especialmente sobre o que chamamos de espírito.
E enquanto, nós ocidentais, não conseguimos modificar nossa cultura para diminuir o sofrimento com a “experiência de morte dos outros”, podemos, pelo menos, aprender com o mesmo Sêneca, que advertiu a humanidade, desde a antiguidade grega: “Procura a satisfação de veres morrer os teus vícios antes de ti”. Ou seja, pode-se aprender a viver bem, sem o domínio de vícios que, geralmente, antecipam a morte.
Viver e falar da “experiência de morte dos outros” pode ajudar, pelo menos, aliviar o sofrimento próprio, como mais uma vez afirma Sêneca: “Diz todas estas coisas aos outros, mas de modo que, ao dizê-las, tu também possas ouvi-las”.
É o que estou tentando fazer para aprender a lidar com a morte de modo menos sofrido!
Celeste Aparecida Dias
Professora Universitária no Centro Universitário de Caratinga. e-mail: [email protected]
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4556263J3