Em entrevista ao DIÁRIO, professor e engenheiro agrônomo Marcos Magalhães comenta projeto de lei que propõe mudanças na legislação para os agrotóxicos
CARATINGA- A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei 6299/02, que trata do registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no país, aprovou no dia 25 de junho, parecer que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país.
Chamado de ‘PL do Agrotóxico’ por deputados da oposição e ativistas, o projeto prevê, por exemplo, a alteração do nome “agrotóxicos” para “pesticidas”, com a proposta de facilitar o registro de produtos cujas fórmulas, em alguns casos, são compostas por substâncias consideradas cancerígenas pelos órgãos reguladores. Antes, a proposta era alterar a nomenclatura para “produto fitossanitário”.
As definições sobre as competências do Ministério da Agricultura (Mapa), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na análise dos produtos também foram alteradas pela proposta do deputado Luiz Nishimori (PR-PR). A nova redação diz que os órgãos passam a analisar e, “quando couber”, homologar os pareceres técnicos apresentados nos pleitos de registro.
Entre as polêmicas do texto está a criação da Taxa de Avaliação de Registro, cujo valor arrecadado será destinado ao Fundo Federal Agropecuário. Outro ponto controverso é que o Ibama e a Anvisa continuam responsáveis pelas análises toxicológicas e ecotoxicológicas dos produtos, mas terão a nova atribuição de apresentar uma análise de risco.
Para falar sobre os principais pontos deste projeto de lei, seus impactos e o uso do agrotóxico no País, o DIÁRIO traz entrevista com o professor do Centro Universitário de Caratinga (Unec) e engenheiro agrônomo Marcos Alves de Magalhães.
Gostaria que o senhor fizesse um balanço da situação dos agrotóxicos no País atualmente.
A situação dos agrotóxicos no Brasil nos coloca como um dos países que mais consome agrotóxico no mundo. É uma situação bastante preocupante porque se por um lado somos os maiores consumidores nem por isso, na prática, isso se reverte em termos de uso e produtividade. Existe uma grande queda de braço entre ambientalistas e a bancada na Câmara Federal dos ruralistas. Há grupo que defende que a tramitação de produtos que estão nos órgãos ambientais brasileiros para ser licenciado, em outros países o trâmite é mais rápido. No Brasil, esse trâmite é considerado por essa bancada ruralista como lento. Exemplo, têm produtos que estão aí para a agência de vigilância autorizar, que levam três, cinco até sete anos, isso na ótica e na fala desse grupo que tem esse interesse. Por outro lado, eles alegam que em países, como os Estados Unidos, e na Europa, esse trâmite é muito mais curto, às vezes em dois anos, dois anos e meio essa tramitação já é concluída. Seja lá como for, o certo é que produtos que não são liberados em determinados países como, por exemplo, Estados Unidos e na Europa, aqui no Brasil são liberados. Produtos que têm uma concentração em alguns casos de 10, 20 até 200 vezes maior do que similares, utilizados em outros mercados em outros países.
Como está a discussão da mudança na legislação para os agrotóxicos?
O tema é bastante polêmico, não há convergência ou ponto de equilíbrio porque indubitavelmente o consumo de agrotóxicos no Brasil é muito abusivo. É abusivo porque há carência de fiscalização, muitos produtores para garantir a sua produção usam produtos de alto grau de toxicidade mesmo fora do prazo de carência, que é quando o produto deve ser usado em uma faixa de dias que antecedem a colheita e assegurem ao consumidor que naquele período o produto já esteja inativo ou com característica de não causar toxicidade para o consumo humano. Contudo, a questão da garantia de que essa produção vai assegurar que não seja perdida, seja por ataque de doenças ou de pragas, então o uso às vezes é até acima do que é agronomicamente indicado ou que não dará tempo do produto ficar degradado ou inativo, isso é muito preocupante. Aqui em Minas Gerais, existe um órgão chamado Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), que deve coletar nas Ceasas, a exemplo de Caratinga, amostras de produtos para saber níveis de toxicidade. E não quero ser afirmativo, mas há uma carência de material humano e de frequência com que essas amostras são coletadas, o que deixa a população bastante vulnerável no que diz respeito à qualidade desses produtos para consumo humano. O certo é que está no Congresso Nacional, na Câmara de Deputados, a discussão dos agrotóxicos em que o debate é muito frenético e a tendência é lamentavelmente de que isso seja aprovado.
Como o senhor avalia essa proposta de simplificação do registro dos agrotóxicos?
Elas podem ser uma armadilha, porque com todas essas dificuldades o nosso consumo já nos coloca no topo em termos de consumo mundial de agrotóxico, essa simplificação na minha ótica como engenheiro agrônomo, mestre e doutor na área Agrícola, me deixa bastante preocupado, porque se por um lado simplifica, por outro lado nós sabemos que nossa estrutura fiscalizatória é muito pífia, fraca e em determinados casos até inexistente. Há um grande interesse de multinacionais, produtoras e comercializadoras de agrotóxico, que é o que elas desejam, as chamadas bancadas que são incentivadas por essas próprias indústrias.
Um dos pontos polêmicos é a mudança do nome “agrotóxicos” para outra nomenclatura. Como o senhor vê essa questão?
Para mim não é o mais relevante. Sempre houve discussão se o nome seria agrotóxico, pesticida, então não sei se mudarmos de nome, o que na prática isso causaria. Porque quem considera que esses produtos são agrotóxicos vai continuar achando assim. Aqueles que defendem a sua utilização, que são defensivos agrícolas vão continuar pensando e agindo da mesma forma. O mais importante seria uma consciência de que se pode produzir com níveis de responsabilidade, com receituários agronômicos, acompanhamento e fiscalização. Mas, na prática o que prevalece é muito interesse de quem quer vender agrotóxico ou de que alguns que querem produzir, pensando que os agrotóxicos são as únicas alternativas produtivas, quando na verdade existe uma gama de alternativas técnicas, a exemplo de rotação de cultura, controle biológico, controles físicos, melhoria das características de resistência de plantas a partir do melhoramento genético e muitas outras que podem no conjunto até reduzirem a quantidade seja de agrotóxicos, pesticidas, de defensivo agrícola, o nome que queiram dar. É muito importante que esse nome seja bem definido, mas muito mais que termos essa definição é sabermos concretamente com que nível de responsabilidade nós queremos fazer essa agricultura, tanto para preservar mercado interno, como para preservar e respeitar mercado externo, porque quem compra é muito exigente no controle de qualidade daquilo que está importando. E se nós não tivermos essa preocupação, se os produtos agrícolas tiverem com níveis de produtos químicos acima do aceitável, obviamente todo o lote daquilo que foi exportado será refugado.
Há algum tipo de agrotóxico que não pode ser regulamentado e passaria a ser regulamentado com a mudança na legislação?
Isso está sendo estudado. Há um conjunto de universidades que têm intensificado até esses estudos para participar nesse momento que está toda essa discussão em pauta. Há uma série de produtos que estão sendo relacionados tanto inseticidas, fungicidas, herbicidas, ou seja, todos esses produtos que são usados na agricultura, sejam para o controle de mato, praga ou doenças.
Caso aprovada a lei, quais seriam os principais impactos?
Os impactos seriam de ordem econômica, ambientais, tendo como os recursos hídricos os principais compartimentos impactados e o solo, além de que sabemos que quando os produtos são utilizados eles não têm impacto diretamente apenas sobre as pragas, mas toda a cadeia que se associa àquela região, por exemplo, a microbiota, os pequenos organismos que estão no solo, todos os animais que vivem no bioma, que vivem da cadeia alimentar. Tudo isso tem uma consequência muito séria. Então temos que ter uma visão holística, do todo, não apenas de forma fragmentada e olhando apenas para o interesse específico de uma lavoura ou de um agrotóxico que está sendo colocado no mercado. É olhar todo o conjunto de impacto que isso pode colocar em todo o meio ambiente, podendo colocar em risco até a própria sustentabilidade ambiental.
É um assunto que precisa ser muito discutido…
Precisa ser bastante discutido e que considero que está sendo pouco discutido, principalmente nesse momento, que aproveitem que a atenção da sociedade está muito voltada para a Copa do Mundo ou que as informações dado a opinião pública através dos meios de comunicação, considero ainda muito pequena. É muito bom e até importante que o Diário de Caratinga esteja abrindo esta pauta para dar conhecimento ao público, à sociedade caratinguense e regional, informações de um tema tão relevante. Na nossa região em que a principal atividade econômica é a cafeeira, esta é uma grande consumidora de agrotóxico, inclusive com riscos potenciais de toxicidade muito elevados. É preciso que sindicatos rurais, instituições, a sociedade debruçasse mais para efetivamente também dar a sua contribuição.