*Helenice B. Aredes S. Santana
Recordo-me, que ainda criança, apresentava um fascínio pela história de vida das pessoas, principalmente da minha família. Da forma como se relacionavam, do que faziam, de como brincavam e não somente queria ouvir histórias, mas experimentar o que eles traziam de precioso. Gostava de inventar “moda”, eles diziam, e um dia inventei de fazer uma colcha de retalhos, como as que forravam as camas de meus pais e avós. O ato de fazer uma colcha de retalhos não seria simplesmente selecionar pedaços de pano, combinar cores e uni-los com agulha e linha. Representava muito mais.
Não fomos à loja para comprar retalhos, fizemos como antigamente, procuramos roupas velhas, restos de tecido, entre outras coisas. Mais do que tecido unido, havia ali significado. A saia que era da tia, a blusa que a avó havia doado, o tecido que sobrou do vestido da festa junina, a linha unia mais que tecidos pequenos, amarrava a nossa história. Foi como compreendi que havia algo mais forte que nossos laços sanguíneos e que nos ligava de forma definitiva, como a linha unia os retalhos da minha colcha. Mais tarde descobri que essa linha se chamava afeto.
Ao observarmos a espécie humana, percebemos que, comparado a outras espécies, o bebê humano é muito mais frágil, o que demanda maiores cuidados e proteção por maior período de tempo. Nesse caso, o investimento parental significa o sucesso da prole. O que garante esse investimento parental? O afeto.
A fragilidade e a constante necessidade de amamentação mantêm o bebê próximo do cuidador, o próprio rosto do bebê tem características que promovem sentimentos ternos e protetores no adulto, enquanto o choro faz com que os cuidadores experimentem reações fisiológicas e emocionais que os impulsionem a aliviar a angústia infantil. O apego não é construído somente pelo atendimento de necessidades fisiológicas, mas pela necessidade de aconchego, de segurança. Através dos vínculos iniciais outros vínculos são construídos. Nessa perspectiva, a vinculação afetiva é inerente ao ser humano.
Bebês precisam estabelecer um relacionamento com seu cuidador para que possam se desenvolver cognitivo, social e emocionalmente e o modo como os cuidadores desenvolvem esse vínculo inicial, está diretamente relacionado aos padrões de apego que a criança irá desenvolver. Um cuidador que responde às necessidades da criança de forma afetiva e consistente, mostra que suas necessidades serão atendidas e que as relações podem ser agradáveis e seguras. Em contrapartida, se o cuidador não responde às necessidades dos filhos, ou faz sem afeto, de forma inconsistente, agressiva, ou negligente, demonstra que relacionamentos são instáveis e inseguros e suas necessidades não serão atendidas. Desse modo, a criança irá desenvolver diferentes formas de se relacionar com os cuidadores e posteriormente com o mundo e tende a repetir nas demais relações os padrões aprendidos nas interações inicias.
O apego garante a proteção e segurança, mas a relação garante o vínculo afetivo. Quanto mais consolidado o vínculo afetivo com os cuidadores, maior a probabilidade de a criança se vincular de forma positiva a outras pessoas e se aventurar de forma segura e confiante no mundo. O que parecia uma desvantagem para a sobrevivência da espécie, o bebê frágil e dependente, se revelou a possibilidade da construção e do desenvolvimento do afeto e das relações sociais.
A linha que unia os retalhos, não poderia ser qualquer linha. Precisava ser resistente, às vezes reforçada e se ela se arrebentasse durante a costura, fazíamos tudo de novo. Tudo para garantir que no uso diário a colcha se manteria firme. Como temos costurado nossas relações? Se a linha do afeto tem se mostrado frágil, temos sempre a oportunidade de reforçar e refazer. Façamos tudo com afeto!
Helenice B. Aredes S. Santana
Psicóloga pelo UNEC, Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pela Unifia, Especializanda em Neuropsicologia pela CENSUPEG.