Apac e presídio se unem para ofertar o trabalho de suas unidades produtivas e mão de obra para serviços de manutenção. Sem repasses do Estado, Hospital corre o risco de fechar as suas portas novamente.
CARATINGA- O Hospital Nossa Senhora Auxiliadora (HNSA), novamente, corre o risco de fechar as suas portas devido à falta de repasses para custeio de despesas. Na manhã de ontem, foi realizada uma coletiva de imprensa para esclarecer a situação do HNSA e conclamar uma ação de urgência pelo hospital.
Também foi anunciada parceria entre a Associação de Assistência aos Condenados (Apac) e presídio de Caratinga, com apoio do juiz da 1ª Vara Criminal e de Execuções Penais, Consuelo Silveira Neto; que contribuirá com algumas necessidades do hospital.
As duas instituições que atuam no sistema prisional e o magistrado tomaram conhecimento da situação enfrentada pelo hospital em uma reunião com o provedor padre Moacir Ramos Nogueira. Atualmente, os recursos estaduais em atraso somam R$ 4.143.289,68. A receita contabilizada neste mês de fevereiro é de apenas R$ 493.850.
De acordo com padre Moacir, quando assumiu o cargo no final do mês de setembro de 2018, encontrou um cenário “muito preocupante”. “Nesses últimos três para quatro meses, juntamente com as pessoas que têm dividido comigo essa grande responsabilidade e preocupação de encontrar soluções para o nosso hospital. Estamos lutando, batalhando e trabalhando incansavelmente, para que o nosso Hospital Nossa Senhora Auxiliadora possa atravessar esse momento difícil de sua existência. Lembrando que são 102 anos de história, servindo a esta população de Caratinga e região”.
Padre Moacir frisa que os números são “assustadores” e deixam a preocupação com os compromissos que o hospital precisa cumprir. “Hoje, diante da realidade dos atrasos, repasses feitos e os cortes que foram feitos nos últimos meses, é quase insustentável a manutenção do hospital. Quando chegamos tínhamos receita de um pouco mais de R$ 1.400.000 com a despesa que estava aproximando em R$ 1.800.000/mês. Do início de outubro até hoje, nós deixamos de receber R$ 940.000. Isso é preocupante, desgastante e impossível manter o Hospital Nossa Senhora Auxiliadora prestando o seu serviço na sua integralidade. Nossos médicos estão sem receber desde o mês de dezembro, nossos funcionários não receberam esse mês de fevereiro ainda, o 13° foi pago apenas 1/4. Tenho conversado constantemente, deixando eles cientes de tudo que está acontecendo aqui dentro da nossa casa”.
O provedor enfatiza que o hospital dispõe de medicamentos para no máximo mais duas semanas. Sem os insumos, não será possível manter o atendimento, considerando ainda a necessidade de pagamento dos profissionais. “Recentemente, estive em Belo Horizonte em reunião com a equipe da Regional, falei com o subsecretário de Estado de Saúde, apresentei toda a nossa situação, como tenho feito com todos que encontro, mostrando com muita transparência. Estive com o prefeito de Caratinga também na última semana, uma manhã inteira de conversa mostrando para ele a nossa real situação. Na reunião do Estado, ficaram de dar um retorno dia 15 a possibilidade de fazer o repasse dos recursos atrasados, que são as parcelas no valor de R$ 500.000 que ficaram quatro atrasadas o ano passado, para cumprimos com as obrigações de final de ano e ver o que podemos fazer juntos e decisões a serem tomadas. Fui informado na última quinta-feira que tinham conseguido apenas R$ 250.000 e no final da semana, a partir de algumas outras cobranças, chegaram a R$ 423.000. Até o exato momento, essa parcela ainda não foi disponibilizada”.
O padre classifica a situação como crítica e afirma que é preciso uma ação conjunta e de urgência, para que o hospital possa manter-se com as portas abertas, prestando serviço à região de saúde de Caratinga. “As atividades foram reduzidas, estamos atendendo a urgências e emergências. Hoje, para ter uma ideia, não temos condições de ‘puxar’ os pacientes da UPA para a internação, estamos ‘puxando’ apenas as urgências e emergências, que são fraturas expostas ou casos de cirurgias. Essa ação precisa ser rápida, não temos mais tempo, está marcada para o próximo dia 26, uma reunião aqui no hospital com a equipe do estado, regional, secretaria de Saúde de Caratinga e demais autoridades. Penso que nós conseguimos suportar e atender no máximo até o final do mês, caso não seja tomada nenhuma decisão”.
OS ATENDIMENTOS
Além dos atrasos do Estado, com o repasse do incentivo para custeio de R$ 500.000/mês, o hospital ainda lida com o corte de 30% no valor do Fundo Nacional de Saúde (FNS), o que corresponde a R$ 155.000, uma contratualização com a Prefeitura de Caratinga. Deste valor, 70% é fixo, mas os 30% depende de cumprimento das metas. Também houve o corte de R$ 93.252,80 do Rede Resposta.
O diretor técnico do HNSA, Marcelo Cruz, fez questão de ressaltar a atuação do hospital, mesmo considerando a redução de atendimentos. “Somos vinculados ao Rede Resposta em que são atendidos casos de urgência e emergência, temos um serviço estruturado de ortopedia, que hoje se resolve a maioria dos casos cirúrgicos, cirurgias de trauma e programadas. Nós já chegamos no final de novembro do ano passado, quando ainda esses cortes não tinham sido feitos, a realizar mais de 100 cirurgias ortopédicas. Temos uma maternidade referenciada como de alto risco, onde se diz alto risco é alto custo, então o hospital presta um serviço de alto custo e recebe como de baixo custo. Isso se torna avolumadas as necessidades e dívidas, porque o custeio não foi planejado pelos gestores da forma que havia necessidade”.
Marcelo Cruz ainda esclareceu o motivo da restrição do número de atendimentos, decorrentes de problema na estrutura física do hospital. “Quando eles dizem que o hospital não cumpre algumas metas, houve sim uma redução das internações porque a UTI adulto, que antes era funcionante no prédio novo precisou ter transferida aqui para baixo por problemas nos elevadores, já foram trocados, estão perto de serem solucionados, para que então se possa reconduzir a UTI de volta ao seu lugar de origem. Mas, precisamos diminuir a capacidade de atendimento de UTI, porque não temos espaço para todos os leitos aqui embaixo e também perdemos espaço de internação, para acomodar a UTI. O hospital, para não deixar o atendimento clínico ou de terapia intensiva veio se adaptando de forma a permitir a solução dos problemas sem precisar zerar o atendimento nesse segmento tão importante”.
O diretor técnico ainda explicou a UTI neonatal do HNSA é referência regional. “Fundamental quando se trata de uma maternidade de alto risco. Caratinga perde muito com a desativação desse serviço, mas acredito que as pessoas tenham condições de se mobilizar e ajudar em conjunto a solucionar esse problema”.
Cruz também demonstrou preocupação em relação à manutenção da escala médica, caso o hospital não consiga recursos ainda no mês de fevereiro. “Estamos sofrendo com alguns desligamentos de profissionais já desgastados por essa dificuldade de remuneração e que têm seus compromissos; algumas perdas no corpo clínico, mas nada que inviabilizasse, por enquanto, o funcionamento do hospital, mas nos faz muita falta. Agora, se essa solução não for tomada, vou ter um problema de abandono do corpo clínico, porque os profissionais têm suas famílias, suas vidas e compromissos a serem quitados, o que estaremos comprometidos. Entendemos que se até o fim do mês não houver uma perspectiva de custeio para as necessidades do hospital, possamos ter uma dificuldade de manter o corpo clínico do hospital funcionando”.
O fato das prefeituras não renovarem o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público, que determinava o repasse de R$ 1 per capta para o HNSA também tem impactado. O hospital deixa de receber R$ 176.625,00. O HNSA afirma que a maioria dos municípios está sem colaborar com o hospital, exceto Santa Bárbara do Leste e São Domingos das Dores, que fizeram um contrato até dezembro de 2019. Por outro lado, alguns municípios têm buscado contrato, mas, sem a regularização dos repasses do Estado, não há condições de cumprir os atendimentos.
PARCERIA
O juiz Consuelo Silveira Neto afirma que a intenção é unir forças para contribuir com o hospital, nesse momento de crise que assola o Estado. “A Apac de Caratinga está colocando à disposição do hospital a sua padaria para o fornecimento de pães; também outras unidades produtivas como a marcenaria, para ajudar na reforma de mobiliário e outros serviços ligados a essa atividade. Assim como o presídio, que hoje tem uma horta para cultivo de hortaliças e passa também a atender o hospital nesta demanda e também de mão de obra, temos alguns recuperandos com o comportamento exemplar, que já saem para trabalhar diariamente e a ideia nossa agora é direcionar alguns para que possam fazer um serviço de pedreiro, pintura e limpeza da área externa do hospital”.
O magistrado acrescentou que recebeu com bastante preocupação as informações sobre a situação financeira do hospital. “Tomei conhecimento de algumas situações que como cidadão de Caratinga, não falo aqui como magistrado, me deixaram extremamente preocupado. Fui informado que já há alguns meses, o Estado, municípios, Poder Público de modo geral, não tem efetivado o repasse para o hospital. Precisamente neste mês de fevereiro, os recursos destinados não são suficientes para compra de medicamento, manutenção de internações, cirurgias de modo geral”.
O juiz afirmou que o hospital presta um serviço público, atendendo a 13 municípios de toda a região e diante da falta de caixa para honrar os compromissos mensalmente, tem a possibilidade do fechamento da unidade hospitalar. “Isso é muito triste, porque envolve a saúde, principalmente, da população que mais precisa, que é a carente. Como cidadão de Caratinga, não posso me furtar de me manifestar em um momento tão crítico, em que se a sociedade civil organizada, os grandes empresários, os municípios, o Estado não se unirem nós vamos passar por momentos críticos, que colocam em risco a saúde e a vida dos nossos cidadãos”.
Somente no ano passado foram realizados no hospital 1.279 cirurgias, 1.788 partos, 1.364 internações de adultos e 365 internações de crianças. Para o magistrado, os números demonstram a relevância do trabalho realizado. “Vejam, se o hospital fechar as portas, aonde esses partos serão realizados? Recordo e não me canso de dizer que o hospital faz o atendimento do pronto socorro, temos uma BR que corta nossa cidade, qualquer acidente mais grave, pode acontecer com qualquer um seja rico ou pobre, se o hospital fechar as portas esse atendimento terá que ser levado para outros municípios, sabe-se lá se essas pessoas chegarão com vida. Isso é muito sério e muito triste. Assim, da forma como hoje o presídio e a Apac de Caratinga estão estendendo sua ajuda, nós precisamos unir forças. Precisamos ouvir esse grito de socorro do hospital de Caratinga”, finaliza.