O Natal, por ser a comemoração do nascimento de Jesus Cristo, é uma das datas máximas da cristandade. É o marco indelével que desencadeou a história da salvação.
Num berço de palhas, há 2018 anos, na humildade de uma manjedoura, Maria e José aconchegaram o Menino Deus. Houve uma estrela-guia apontando o caminho da gruta aos pastores com seus presentes. Cena que, a cada ano, enche-nos de ternura e faz-nos ajoelhar em preces.
A principal figura do Natal é o Menino Jesus. E o sentimento que Ele significa e exorta é o amor. O Natal é de Jesus. O Natal é amor.
Acontece que surgiu o Papai Noel, também festejado no Natal. Foi inspirado na figura de São Nicolau, arcebispo de Mira na Turquia no século IV, que costumava ajudar anonimamente quem estivesse em dificuldades financeiras. Levava um saco de moedas de ouro e o colocava na chaminé das casas. Foi declarado santo depois de muitos milagres a ele atribuídos. Sua transformação em símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí correu o mundo inteiro. A imaginação das pessoas coloriu o fato: enquanto São Nicolau é retratado com traje de bispo, o Papai Noel é retratado como um homem rechonchudo, alegre, de barbas brancas, trajando casaco e capuz vermelhos e adereços brancos.
Pelo alarde da figura alegre, o Papai Noel é tão festejado como o Menino Jesus. E essa atitude causa constrangimento e rejeição ao bom velhinho. Num primoroso texto de Frei Beto sobre o Natal, o escritor, em determinado trecho, decreta: “abaixo o Papai Noel e viva o Menino Jesus!” No contexto, o Papai Noel representa a comilança, o desperdício e a desigualdade. Outro texto do escritor Ademar Paiva, declamado pelo ator Lúcio Mauro, conta a história de um menino que não ganhara presente de Natal porque era pobre. O pai, condoído e triste, conseguiu um brinquedo usado e o levou ao filho. Daí uns dias, o pai foi para a prisão por ter roubado o tal brinquedo do filho do patrão. Cumprindo pena e sem poder pagar um advogado, o homem adoeceu e acabou morrendo. O filho, então, pergunta: Por que você fez isso, Papai Noel? Nos dois textos, vemos o Papai Noel ser bode expiatório de um sistema injusto e desonesto. Na mensagem declamada por Lúcio Mauro, sequer houve referência ao roubo, como se roubar fosse natural. Mas é um péssimo exemplo. Basta considerar a roubalheira dos políticos. Tudo bem. Aceitemos como virtude o roubo por necessidade.
Outro pensamento que circula nessa época: “Jesus não passou pela chaminé para lhe dar presentes, passou pela cruz para lhe dar a salvação.” Se prestarmos bem atenção, veremos que é uma frase bonita só pelos efeitos das palavras na frase. O trocadilho impressiona. Com todo o respeito ao Menino Jesus, é uma mensagem incoerente. Presentes pela chaminé, nada tem a ver com o presente de nossa salvação. Confundiram Habeas Corpus com Corpus Christis, ou alhos com bugalhos.
Pergunto: Se acabarmos com a figura do Papai Noel, todas as crianças ganharão presentes no Natal? Não. A culpa continuará sendo do sistema, da injustiça social, da desigualdade. A figura, cuja magia encanta as crianças, não pode carregar um tributo que é da crise que sempre assola países subdesenvolvidos. Os exageros do Natal são fruto da distribuição injusta de rendas e etc.
Nos diversos países ao redor do mundo, há distribuição de presentes no Natal. Cada um a seu modo. E isso não invalida o grande feito, que é o nascimento de Jesus – o dono do dia e da história.
Fico triste de ver o Papai Noel, figura alegre e mágica, ganhar a culpa pela desigualdade social que caracteriza o nosso país. Minha insatisfação talvez venha do encantamento pelo Papai Noel que povoou minha infância feliz. Nunca me esquecerei dos natais em que papai nos mandava dormir cedo porque o Papai Noel passaria à meia noite. Deitávamos cheios de esperança, e colocávamos os sapatinhos debaixo da cama. E na manhã do outro dia, nem bem abríamos os olhos, pulávamos da cama e víamos o brinquedo desejado, bem em cima dos sapatinhos. Muitas vezes, nem era um presente caro, mas era aquele que nossa imaginação coloria. Lembro-me de mamãe mostrando-nos que o Menino Jesus era o rei da casa, colocando-o num presépio no canto mais visível da sala. Rezávamos todos juntos, íamos, às vezes, à missa do galo e ouvíamos toda a história do nascimento em Belém. Mas o Papai Noel também tinha o seu espaço. Não havia incompatibilidade entre os dois. O maior era Jesus, cujo nascimento fazia-nos rezar, meditar no sentido daquele acontecimento. O outro, era pura magia que a gente pensava ser invenção do Menino Jesus para completar o seu Natal.
Se todos nutríssemos pelo semelhante o Amor que o Menino Jesus ensinou como mandamento maior, nenhuma criança ficaria sem presentes. Alimentando a fantasia, tão preciosa à infância, os brinquedos poderiam ser distribuídos pelo Papai Noel, representando a figura do próprio pai ou da mãe, pois com um salário digno seria possível guardar um pouquinho para um mimo ao filho. Não adianta quebrar a televisão só porque o time preferido perdeu. O dia que houver justiça social, corrupção zero e lei para todos, o Menino Jesus será venerado como merece e, ao ver o Amor resplandecer, gostará de dar uma voltinha no trenó de Papai Noel.
Marilene Godinho