Rogério Silva entrevista Aloísio Mendes e Milon Do Val, dois ex-presidentes do Esporte Clube Caratinga. Colunista dá uma prévia do livro que vai ser lançado contando a história do Dragão
CARATINGA – Iniciamos a partir de hoje aqui nas páginas do DIÁRIO, uma série de entrevistas que pretende resgatar figuras históricas de nosso esporte, relembrar seus feitos e valorizar legados. Portanto, nada melhor pra começar que um bate papo com dois dos maiores presidentes da história do Esporte Clube Caratinga. Aliás, histórias que estarão no livro do Dragão que pretendemos lançar ainda este ano.
ETERNOS PRESIDENTES
Num clube com mais de 100 anos de história, muitos foram aqueles que tiveram a honra de presidi-lo. No Esporte Clube Caratinga não é diferente, mais de quarenta foram os homens que ocuparam o cargo mais importante do clube. Todos obviamente tiveram sua importância e fazem parte da gloriosa história rubro-negra, cada um em sua época. Porém, existem aqueles que não se contentaram apenas em fazer parte, foram além, transformaram a história centenária do clube, deixaram legado e marcaram gerações de caratinguenses. Por isso, ainda hoje, mesmo não ocupando mais o cargo, por onde passam são chamados de presidente.
Mais que um bate papo, tive uma aula de Caratinga, e do Caratinga. Afinal, a história do clube se confunde com a da cidade. Fui recebido na cobertura onde mora no centro da cidade, pelo senhor Aloisio Mendes Andrade, logo em seguida, toca o interfone e recebemos o segundo convidado da tarde, o senhor Milon Nunes Do Val, Aliás, uma amizade que tem pra lá de meio século. Em comum, a paixão por futebol, embora uma seja flamenguista e o outro botafoguense. Os pais de ambos também eram amigos de trabalho na extinta Casa Ribeiro. Os senhores Ivan Do Val e Samuel de Andrade eram grandes camaradas. Assim, não foi difícil entender a grande amizade entre senhor Aloisio e Milon. Iniciamos assim nossa resenha:
RS – Milon do Val chegou quando ao Esporte Clube Caratinga?
Milon – Cheguei ao clube em 1963, em 64 já fui eleito presidente do Conselho quando o presidente do clube era o Biguá da família Guido, aliás foi grande jogador do clube. Comecei a fazer um levantamento da situação e vi que era deprimente. Funcionário sem receber a quatro meses, parados sentados na porta do clube, devendo a muita gente na praça, comércio local. Comecei a fazer um trabalho de procurar todos os credores, renegocie com cada um pedindo prazo de 90, 60 e 30 dias dependendo do tamanho da dívida. No banco a dívida era de 10 milhões, antes de ir para o protesto no cartório, pedi três dias pra resolver. Os avalistas eram Valdemar da Bateria e Jairão, que jogou no clube e foi vendido ao Fluminense. Dividi a conta com o Jairão. Deu tudo certo. Com muita economia, fazendo rifa e trabalhando muito, em seis meses a situação melhorou muito. Aí começamos a mudar as coisas, todos os associados me deram muito apoio, inclusive material (risos). Até o Zé Salim deu dois caminhões de brita. Calçamos o clube e começamos a fazer time de futebol forte outra vez. Quando conseguimos iluminar o estádio, consegui trazer o Cruzeiro com grande parte dos titulares para um amistoso para inauguração em 1980. Logo depois em 1982 trouxe Mané Garrincha para um jogo festa com Dr. Maninho lotado renda dividia entre Caratinga e Operário de Raul Soares. Vencemos por 2 a 1, gol de falta de Garrincha.
RS – Qual melhor jogador que você viu com a camisa do Caratinga?
Milon – Durante toda minha vida vi grandes jogadores, mas o melhor de todos chama-se Moacir. Tio Moá, fazia chover.
RS – Senhor Aloisio Mendes, chegou ao clube quando e assumiu quando a presidência?
Aloisio Mendes Andrade – (Risos) Cheguei com um ano de idade, em 1945. Em 1982, o clube estava com vários problemas. O senhor Ary Macedo não chegou a tomar posse, aí se formou uma comissão para administrar e eu fui eleito presidente da comissão formada por: Milon, Jorginho do Mixidinho, professor Monir, Paulinho, Geraldo Jararaca, uma turma de amigos. Aí começamos numa situação muito complicada no clube. Essa comissão ficou até dezembro de 1984. Um sócio muito popular no clube chamado Ló, me lançou como candidato a presidente, ele era uma pessoa muito bem quista ele entrou como vice. Depois ele foi transferido para BH e não pode continuar. Nessa mesma época, o Wantuil Teixeira de Paula demonstrou no Conselho que desejava ser presidente e lançou seu nome. O procurei para ser meu vice e foi um grande vice. Ele não era uma pessoa fácil, mas todo lugar que entrava se dava bem porque sempre foi um vencedor. A gente tinha um ótimo relacionamento. Quando entreguei o clube pra ele, pegou saneado, sem dívida em com um valor representativo em investimentos.
RS – Milon Do Val, fala sobre futebol e carnaval pra gente
Milon Do Val – Minha vida foi dedicada ao futebol do Esporte Clube Caratinga, quando entrei fui presidente três vezes, uma vez porque cassei o presidente e tive que assumir. Sempre montei grandes times que encaravam qualquer um da região: Democrata GV, Usipa, Acesita, Ypiranga de Carangola, Manhumirim, Teófilo Otoni, Nacional de Muriaé, Leopoldina, Miraí. Enquanto estive no Caratinga ganhamos todos os campeonatos regionais e da cidade. Tem uma história entre Cacau, Fifi e Jésus; falei com Cacau que cada jogo sem sofrer gols tinha 30 Cruzeiros comigo. Com Fifi o acordo foi, cada jogo sem ser expulso ganhava 30 também, ao Jesus, nosso artilheiro, prometi que a cada gol também levava 30 Cruzeiros. Cacau não deixava passar nada, Jésus fazia gols todo jogo, porém teve um jogo, que tinha “um neguinho” que estava provocando demais o Fifi, ele não aguentou, chegou pra mim é disse, “Milon, hoje vou perder meus 30, vou quebrar a perna daquele neguinho ali (risos). Então falei com ele, deixa de ser bobo, vai perder o dinheiro por causa dele? Vai jogar sua bola. Terminou o jogo o Jésus tinha feito quatro gols, chamei e falei, pode continuar fazendo seus gols, mas agora só posso pagar 10 Cruzeiros por gol (mais risos) Ele só reclamou que teria que fazer mais gols. Outra história bacana, quando eu trouxe a seleção carioca aqui, o Marcinho acabou com o jogo, o Ailton que jogou no Botafogo queria levá-lo, mas a idade de 26 anos não compensava mais. Marcinho, César, Élvio eram espetaculares.
RS – Como foi o processo para iluminar o estádio Dr. Maninho?
Milon do Val – Teve uma festa aqui oferecida pelo Dr. Dênio Moreira, grande homem, amigo, inesquecível personalidade. Veio o governador do estado, prometeu uma verba de 600 mil cruzeiros para iluminar o estádio, assim, fui umas quatro vezes a Belo Horizonte atrás do Dênio, porém, me disse que o Estado não tinha dinheiro. Da última vez que fui, levei o Natal da Citran, que era meu vice-presidente, sai de lá cansado e disse ao Natal, ‘quer saber uma coisa, vamos nós mesmos realizar a obra. Com a mão de Deus vamos conseguir’. Fui na Philips, o cara riu de mim, disse que já tinha feito uns dez orçamentos para presidentes diferentes do Caratinga, mas eu disse que dessa vez era diferente, Fechei o negócio, 600 mil só a iluminação, voltei pra Caratinga e pensei, agora vou procurar o desportista. Lancei diploma ouro valor de três mil, prata dois e bronze mil. Porém, poucos compraram, eu comprei, Eurico Gade da Rádio Caratinga comprou, Dr. Euclides Etienne Arreguy e mais ninguém comprou. Fiquei apertado, mas como Deus me ajuda, um senhor me liga de Ponte Nova e me oferece um negócio, lançamos o título filhote, o associado compra para o filho que só paga mensalidade depois dos 21 anos, vendeu muito e até passou do valor que precisávamos. Aí começamos a pensar num amistoso para inaugurar. O Cruzeiro queria cobrar 600 mil para vir jogar, levei o Paulinho Bababá comigo, pelo nome já sabe, bom de lábia, chegamos lá pra conversar com presidente Felício Brandi, pechinchamos muito, a esposa do presidente que tinha carinho especial por Caratinga, acabou ajudando e o valor caiu para 300 mil. Fechamos na hora porque sabia que o Dr. Maninho iria lotar. Cruzeiro um timaço com Nelinho, Joãozinho, Roberto César e outros craques. A iluminação ficou muito mais cara, o valor dos cabos não entrou na conta. Vendemos todos os ingressos. Um jogaço, Cruzeiro venceu por 2 a 1, gol do Caratinga foi de Guilhermino de falta. Nelinho o elogiou bastante já que bateu seis faltas e não fez, e nosso lateral fez.
RS – O senhor trouxe o Atlético para um amistoso também não foi?
Milon Do Val: Sim, 1982 na época só não veio o João Leite, todos os outros vieram, inclusive Reinaldo e Luizinho. O Caratinga estava ganhando de 2 a 0, gol de Vagalume e Guilhermino de falta. Faltando 10 minutos para o final do jogo, eu estava na arquibancada com o Zé Ribeiro, que era diretor de futebol na época. Ele viu o Jorginho fazer aquecimento e disse: “Eles vão colocar o Jorginho, time tá vencendo de 2 a 0, não pode mexer agora”. Ele desceu passando por cima de todo mundo pra não deixar fazer a substituição. O Atlético estava pressionando pra fazer o gol, pra você ter uma ideia, Reinaldo que iria sair no intervalo, pediu pra ficar porque não queria perder pra gente. Mas, como tinha muita gente, Zé Ribeiro não conseguiu chegar antes do treinador mexer. Jorginho entrou no jogo, é bom dizer que ele não teve culpa nenhuma, não falhou em nenhum lance, Aliás sempre foi um bom jogador. Ele nunca foi pé-frio também, mas nesse dia deu azar que em 10 minutos o Atlético empatou com dois gols do Reinaldo. Pior, por causa dessa história, o Jorginho não gosta de mim, acha que foi eu que mandei o Zé Ribeiro descer e lá falar pra não colocá-lo no jogo. Falecido Zé Ribeiro, irmão do Dr. Nelson.
RS – Caratinga não foi só futebol, sô Aloisio que foi presidente festeiro fala das festas
Aloisio Mendes Andrade – Carnaval Vermelho e Preto nasceu nas mãos do Milon, eu era diretor social. Porém, quando eu era presidente, ampliei ainda mais o Vermelho e Preto. Teve uma vez que fizemos uma parceria com CTC e América e busquei a melhor banda de salão lá em Recife, banda Pitombeiras. Foi uma baita promoção. Deu lucro pra todos. Minha administração sempre foi voltada para parte social. Quando entrei, procurei valorizar o máximo o associado que andava meio afastado do clube. Procurei criar atrativos para o clube funcionar a noite, inclusive piscina, peteca. Começamos a fazer bailes e domingão. A receita do clube aumentou muito.
RS – Tem alguma obra que o senhor se orgulha muito e tenha marcado?
Aloisio Mendes Andrade: Fui o único presidente que ampliou a área física do clube. Adquirimos um espaço de 330 metros onde tínhamos uma quadra de tênis. Depois que a rua cedeu na parte de cima, ficou inativa, mas pertence ao clube e pode ser utilizada novamente. Em nosso período tínhamos uma ótima equipe de tênis, pela primeira vez trouxe uma etapa do Campeonato Mineiro pra cidade. A natação também foi fortalecida em minha administração com grandes competições aquáticos e uma fase do campeonato mineiro também. Tem até uma observação que descobrimos que nossa piscina era menor que oficial. Isso porque vários atletas do Minas bateram recorde e melhoraram marcas. Só assim descobrimos a falha no tamanho da piscina (risos).
Criei um departamento grande de atletismo, com atletas representado o clube e a cidade na São Silvestre. Montamos uma equipe bem treinada que competia por todo o país. Trabalhei muito no especializado, futsal e voleibol também tínhamos ótimos times. Porém, no futebol eu delegava aos diretores. E participei mais efetivamente quando trouxe o Vasco para amistoso. Wantuil era meu vice e Jorginho vice de futebol. Em 1986 o Vasco na época tinha sido campeão invicto e veio com todas as feras: Roberto Dinamite, Romário, Geovani, Acácio etc. A negociação foi feita pelos homens do futebol, liderada pelo Wantuil que entrou em contato com “Saleiro” que era conselheiro do Vasco e fez a ligação com Antônio Soares Calçada, que era presidente. Jorginho e senhor Luiz Eugênio acertaram tudo. Minha participação foi que dei carta branca. Tinha uma diretoria muito forte: Mário do cartório, Chicão, pessoas maravilhosas. Emi Batista no social.
RS – Qual a grande diferença dos administradores da época de vocês pra hoje em dia?
Milon Do Val: Realmente mudou muito, mas em se tratando do Caratinga, o clube perdeu muito com entrada do último presidente que passou por lá, que além de não fazer absolutamente nada, deixou o clube endividado em mais de um milhão de reais, aliás, não sei de onde essa dívida já que não fez obra nenhuma. O cara não é caratinguense, não conhece a história do clube dá nisso. Esse que está ai agora está fazendo um bom trabalho. Mas o que saiu deixou o clube muito mal. Nos últimos 10 anos o Caratinga parou no tempo. Em relação ao futebol, se fizer um bom time, traz bons jogos. Meu tio conta uma história que quem gramou o campo Caratinga foi o Dr. Maninho, trouxe grama de Ubaporanga e os presos para ajudarem. Era apaixonado pelo clube e fazia de tudo. A história do clube tenho toda na cabeça, era gandula, praticamente quintal da minha casa. A história do clube é linda.
No carnaval por exemplo, o América tentou fazer um baile pra derrubar o Caratinga, eu então “comprei” os blocos (risos), a turma Doidim Paquerê, aquela turma toda. Falei, se ganhar é 10 mil pra cada um, o “homem” mandou soltar dinheiro” eles partiram com bandeira, cantando lá para o bar do Quinzinho pra cidade, isso trouxe muita gente para o clube. O América trouxe uma banda da Bahia e perdeu pra gente. Isso foi em 1987 (risos). Chamamos os blocos, Doidim Paquerê, Vamô Nelsa, e outros meninos. Arrebentamos no carnaval.
Aloisio Mendes Andrade – Hoje, posso dizer pra você o seguinte, sempre fui muito dedicado ao trabalho. Mesmo na parte profissional. Sou de família extremamente, não falo pobre, mas trabalhadora. Meu pai era funcionário do J Ribeiro Sobrinho, sempre fui extremamente organizado. Sempre me preocupei em dar transparência. Todos os meses meu balanço estava publicado. Hoje é diferente, na minha época, o clube fervilhava. Hoje cada vez mais difícil, os condomínios tem piscina, dá mais conforto, quem tem mais poder aquisitivo, está deixando de ir aos clubes. A única coisa que engloba a todos é esporte e festas. Eu voltei minha administração ao especializado e festas. Infelizmente depois que saímos, foram acabando como o atletismo por exemplo. Nossa equipe era muito forte, quem competia com a gente era só pessoal de Ipatinga, USIPA. Hoje não tem mais ninguém. Atualmente vejo só o senhor Antônio que corria em nossa equipe, tentando se manter em treinos as margens da BR. Tínhamos tênis forte, natação forte. Assim os filhos dos associados vinham mais.
RS – O senhor não acha que ser sócio de clube não é mais como era antes. Uma questão de status?
Aloisio Mendes Andrade: Com certeza. Num período que sai, o Caratinga era visto como muito popular e o América mais elite. Era eu no Caratinga e o Flávio Breder no América. Mas, não tinha disso, erámos parceiros. O clube precisa abraçar o associado. Fiquei afastado, mas pediram pra eu assumir o CTC. Cheguei numa situação complicada com muitas dívidas. Conseguimos sanear e ainda construímos. Chegou ao ponto de se destacar entre os clubes. Construímos o prédio da academia, fizemos a melhor e mais moderna piscina aquecida da cidade sem desmerecer as outras. Toda diferenciada. Faz fila pra conseguir uma vaga. Isso é investimento e visão voltada para o associado o patrimônio do clube é o associado.
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NOTA
Pra fechar nosso baú de recordações com chave de ouro, o depoimento de uma eterna foliã dos carnavais Vermelho e Preto, a sempre simpática dona Elzi Russo Amorim. Muitas vezes campeão em concursos de fantasia ao lado do saudoso esposo.
“Falar do E.C. Caratinga me faz voltar a um passado de grandes recordações. Do glamour dos bailes promovidos pelo saudoso Tião de Lima, que deixaram muitas saudades. É reviver emoções dos trajes de gala, dos casais subindo a linda escadaria do Palácio de Cristal. Eu e o meu esposo José Amorim na expectativa de dançar boleros, valsas, tangos e sambas canção, ao som de uma bela orquestra.
A grande paixão dos associados era o baile “Vermelho e Preto”. Até o conjuntos das mesas e cadeiras eram da mesma cor.
Que saudades dos grandes carnavais, das marchinhas tocadas sob a batuta do saudoso João de Sax, dos concursos de fantasias, do casal mais animado; do melhor folião, do melhor bloco, que competiam com euforia, das matinês para a alegria da garotada.
Saudade é um sentimento que machuca…mas como é bom recordar.
Foi se o momento e o meu amor também.
Hoje é só lembranças….”
Elzi Russo Amorim
Rogério Silva