A violência na sua raiz
Vivemos em tempos difíceis. Trancafiados em nossas próprias casas, cercados de grades, alarmes, cercas elétricas, seguranças, carros blindados, câmeras de monitoramento e muito medo. O que antes fazíamos com prazer, como ir ao mercado, ao cinema, ao parque, à escola, se transformou em uma rotina de terror e medo. A violência na sua forma mais brutal nos entristece, nos paralisa, nos adoece. Uma gama de fatores sociais eclode de forma alarmante não poupando ninguém.
Não da mais para fechar os olhos, blindar o carro, nos escondermos num óculos escuro de grife e tentarmos ignorar o que acontece à nossa volta. É muito pouco fazermos filantropia, doarmos cestas básicas, visitarmos instituições de caridade, irmos à igreja, darmos um prato de comida a quem nos pede. É preciso mais. Aprofundar nas entranhas da miséria, sentir de perto as desigualdades, refletir, agir, ter atitude, lutar por um Brasil melhor.
Segundo a Revista Forbes, “as 124 pessoas mais ricas do Brasil, acumulam patrimônio de exatos 544 bilhões de reais, cerca de 12,3% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro”, que é a soma das riquezas de um país. Somos o país com maior número de desigualdades no mundo. Essa lista com dados de 2013, segundo a Forbes,
“inclui todos os brasileiros com fortuna pessoal que supera 1 bilhão de reais”.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), “famílias sem teto ou moradia, somam 33,9 milhões de pessoas sem casa”, seguindo a mesma fonte que é governamental, “7,2 milhões de pessoas passam fome no Brasil sendo essa parcela na sua maioria não branca e vivente na zona rural ou em periferias”. Continuamos nessa fatídica e sinistra estatística onde mais de 52.000.000 de brasileiros tem algum tipo de insegurança alimentar.
Somos a quarta maior população prisional do mundo. Em números de junho de 2014, tínhamos 607.000 presos com um aumento de 161% em comparação com o ano de 2.000. O consumo de drogas no mundo causa uma morte a cada 3 minutos. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), o vício das drogas é uma doença e não crime. Os toxicodependentes não devem ser tratados com discriminação, más com carinho e apoio psicoterápico.
60% dos brasileiros vivem com menos de um salário mínimo em situações degradantes, sem esperança, apoio, oportunidades. Excluídos, em guetos, menosprezados e discriminados pela população e pelos governantes que vez ou outra acenam com programas sociais populistas e apenas assistencialistas, com pão e circo. Ninguém vive ou sobrevive apenas de migalhas. É preciso resgatar a dignidade, a autoestima, dar oportunidades de educação, saúde, moradia digna e trabalho honrado e remuneração condizente. Tirar o adolescente da marginalidade oferecendo a ele um futuro onde possa ser cidadão.
Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), “mais de 120.000 presos já deveriam estar soltos porque já cumpriram sua dívida com a sociedade, mas estão ainda encarcerados devido a falta de advogados e do poder constituinte da justiça em acelerar esses processos”. Em contrapartida, a ineficiência jurídica produziu apenas entre junho de 2011 a janeiro de 2013, mais de 192.000 mandados de prisão sem serem cumpridos por falência do sistema e nessa letargia faz com que suspeitos de crimes de alta periculosidade estejam soltos à espreita do cidadão de bem desse país que já não pode mais sair às ruas e muito menos tocar seu comércio ou empresa com a devida segurança.
A casta seleta da sociedade, a nata social, já não consegue mais expor seu Rolex, seu carro de luxo, sem ser importunada pela assombrosa onda de violência num cardápio assustador de extorsão, sequestros, assaltos, saidinha de banco, homicídios, estupros, e por isso mesmo se fez refém das desigualdades e por muitas vezes em omissão lavar as mãos e fingir que esse problema não é seu. É do governo? De quem seria? Da mídia televisiva que a serviço do capital de forma maciça coopta crianças e adultos todos os dias nas programações e suas grades fazendo crer que é preciso ter um celular de última geração, um carro de alto luxo, uma casa na praia, fazer uma viagem a Miami, roupas e perfumes de grife, helicópteros, jatinhos executivos… e o que mais o dinheiro comprar.
Será preciso um processo de reavaliação social, de redimensionamento das oportunidades, recriar um país diferente, rever nossos conceitos, tomarmos atitudes reais e mais humanas em prol do nosso semelhante que por estar perto de nós precisam de ajuda. Entendermos que não basta que apenas tenhamos muito. Será necessário fazer a diferença dando condições honestas e humanas de que nosso semelhante também possa usufruir de quatro refeições diárias, ter roupa decente, escola de qualidade, emprego satisfatório, direitos iguais, oportunidades iguais, poder sonhar em dias melhores, ter saneamento básico, casa para morar, comida na panela e, principalmente, muita educação. A saída de tudo isso está na educação de qualidade e em políticas públicas não assistencialistas e sim de real importância para fazer com que jovens excluídos não sejam cooptados pelo tráfico, não morram ainda tão novos, que não se viciem ainda prematuramente, que não sejam parte da violência doméstica, dos abusos, do alcoolismo, das drogas, da marginalidade e da falta de perspectivas de uma vida feliz e digna.
Quando repensarmos esse novo Brasil, poderemos voltar no tempo onde deixávamos as janelas e portas de nossas casas abertas e íamos ao mercado. Voltaremos num país onde não seria necessário buscar e levar nossos filhos à escola. Onde poderíamos usar nosso celular em praça pública sem receio de furto, poderíamos namorar na porta de casa sem sermos assaltados, poderíamos ir e vir do banco com nosso dinheiro tranquilamente sem sermos assaltados. Poderíamos exibir nosso relógio novo e nosso carro novo sem pânico de tê-los subtraídos, entrar na padaria, um bate papo prazeroso, sair à noite e voltar só depois do baile sem medo de sermos atacados… parece coisa de ficção. Sonhar que poderíamos ser felizes e livres.
Que cada um faça sua reflexão enquanto existe tempo. Ou será que não tem mais jeito? Será que perdemos a batalha para nós mesmos mergulhados em um egoísmo absurdo e numa cegueira incorrigível que não nos deixa ver o quanto estamos destruindo a nós mesmos? Se continuarmos assim, inertes, cegos, egoístas, vai chegar um tempo não muito distante onde será impossível sentir a tão sonhada e desejada paz em nossas vidas e em nossas famílias.
Álvaro Celso Mendes
Graduando em Direito FIC-Caratinga