José Celso da Cunha (*)
Ao me deparar com a reportagem de capa da edição dia 29 de junho, dia de São Pedro, do nosso Diário de Caratinga, a propósito da transposição de parte da água do rio do Rio Negro, no município de Piedade, para o Rio do Lage ─ este com visível queda de vasão, com o objetivo de complementar o abastecimento de água de Caratinga, exaurida de recurso hídricos há muitos anos pelos motivos que todos conhecemos─, me veio à lembrança um fato histórico de nossa cidade que gostaria de dividir com os leitores do DC.
Quero lembrar que o assunto não é novo, pois já se pensou nesta transposição no final da década de 1940, com outro objetivo que não este, como vou relatar mais à frente.
Os caratinguenses mais jovens certamente não sabem, mas até a chegada da COPASA em Caratinga, provavelmente na década de 1960, as águas do Rio do Lage não eram captadas para o abastecimento da cidade. A principal fonte de água para Caratinga era um poço artesiano de grande vasão, pertencente à prefeitura, que ficava encravado entre a loja de couros do Orvy e o Hotel Suíço, na beira do Córrego São João. Descia-se até o local através de uma escada, a partir da antiga Rua dos Viajantes, hoje Dr. José de Paula Maciel.
Havia ali uma bomba potente tocada a óleo diesel, que bombeava toda a água captada no poço artesiano para o reservatório ou “Caixa d’Água”, como dizíamos, que ficava localizada no Morro do Esporte Club Caratinga. Era uma construção bonita, parecia uma casa com janelas e telhado. De lá, a água era distribuída em natura para a cidade. A “Caixa d’Água” ficava afastada de tudo, no meio do mato, pois a cidade ainda não havia crescido para os morros como hoje. Fazíamos piquenique na região, excursões de escola, além de outras aventuras, que não cabem aqui relatar.
O desvio da água do Rio do Lage por um canal de concreto com dezenas de metros de comprimento, na altura da ponte da estrada que nos leva à Piedade, era destinado tão somente à produção de energia elétrica da empresa Força e Luz Coutinho & Pena. Esta usina funcionou até pouco tempo depois da venda da Força e Luz Coutinho & Pena para a CEMIG, por volta de 1970.
A empresa Força e Luz Coutinho & Penna, foi constituída por volta de 1928 pelos saudosos Chico Penna e João Campos Coutinho, mais conhecido como Zizinho Coutinho. Os sócios tinham planos para expandir a empresa com mais geração de energia, pois Caratinga estava crescendo e demandava mais eletricidade, com qualidade e garantia de manutenção. Para isto havia dois planos plausíveis, traçados pela Força & Luz Coutinho & Penna:
- Trazer água canalizada do Rio Negro ─ cuja captação seria em uma cachoeira que a empresa tinha neste rio ─ até o desvio da antiga usina do Rio do Laje, próximo à ponte. Isto porque, a queda d’água da usina do Laje era muito grande, permitindo, com a soma das águas dos dois rios, o aumento substancial do potencial elétrico instalado. Além disso, tal solução, permitiria utilizar a infraestrutura das linhas de transmissão já instaladas da velha usina até à cidade. Certamente, era também necessário adquirir novo gerador, com maior capacidade de geração.
- A outra opção, mais ousada, seria construir outra usina hidrelétrica em local diferente, no Rio Sacramento, longe de Caratinga. O local alternativo, conhecido como Sumidouro, ficaria próximo ao antigo distrito de Galho. O nome Sumidouro era devido ao sumiço do rio, que desaparecia totalmente entre as pedras para ressurgir dezenas de metros rio abaixo no boqueirão, em que as águas límpidas formavam um bonito remanso com praia de areia branca. No caso de ser escolhida esta opção, tudo deveria ser novo, da geração ao transporte da energia até Caratinga. Além disto, era preciso desviar o rio Sacramento até o ponto da queda, com a construção de um túnel na rocha com dezenas de metros de comprimento até o local da queda em direção ao gerador.
A empresa Força e Luz Coutinho & Penna, havia adquirido a Cachoeira do Sumidouro visando a futuras expansões. Entretanto, mediante estudos técnicos e avaliados os recursos financeiros disponíveis e financiamento, optou-se pela segunda alternativa, com a construção da usina neste local, que aparentemente traria grandes vantagens à Cia. Elétrica. Concluiu-se que uma usina construída no Sumidouro, apesar de distante, exigindo vários quilômetros de linhas de transmissão, tinha potencial que quadruplicaria a produção elétrica disponível na época. A empresa Força e Luz, naquela ocasião, contava apenas com o que explorava do potencial já esgotado do Rio do Lage.
Quando criança, estive várias vezes na usina do Sumidouro fazendo companhia ao meu colega e vizinho Haroldo e de seu pai, Edmundo Coutinho, um dos filhos do Zizinho que também trabalhava na companhia Força e Luz. Edmundo, casado com a Lucrécia ─ pais do Haroldo, Telma, Jane e Edmundinho ─ era responsável pela manutenção das usinas do Lage e do Sumidouro, trabalho que lhe dava muita dor de cabeça. A usina do Sumidouro foi projetada por engenheiros brasileiros e húngaros. Parece-me que o gerador e os demais equipamentos foram trazidos da Hungria. A usina do Sumidouro começou a funcionar por volta de 1954 e nunca deu sossego ao Edmundo, que era obrigado a sair de madrugada com o seu Jeep, em noites de tempestade, para consertar problemas ocorridos, seja na transmissão, seja na própria usina, cujo gerador, mal assentado, tinha problemas de vibração. A história desta usina é longa e curiosa, e me fora contada pelo amigo Zizinho Coutinho, muitos anos depois, quando me recebia em sua casa para conversas e lembranças, quando eu já era engenheiro formado e também amigo de seus novos filhos, Inez, Tadeu, André e Adriana…
Desta maneira, o destino do Rio Negro em dividir suas águas com necessidades diretas de Caratinga é novamente colocado à mesa. Transpor ou desviar rios ou levar água potável a dezenas de quilômetros para abastecer cidades ou municípios é um trabalho de engenharia largamente utilizado em todo mundo, desde a Roma Antiga. Mas que deve ser previamente estudado, com planejamento e determinação, sem atropelar etapas para não ficar apenas no papel. Não basta buscar a água, tão somente. Reservatórios, estação de tratamento e redes de distribuição devem caminhar juntos com a captação.
Portanto, não há novidade em se querer buscar água no Rio Negro. A novidade seria se isso fosse efetivamente realizado num período mais curto do que uma nova candidatura para a prefeitura, para que os problemas de abastecimento de água de Caratinga pudessem dar um alento. Isto, tendo sido solucionado o problema da água, permitiria que nossos dirigentes voltassem os olhos para o saneamento básico de nossa cidade, começando pela retirada do esgoto a céu aberto em que se transformou o Rio Caratinga.
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(*) José Celso da Cunha é engenheiro civil, professor, escritor e doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP-Paris. É membro da ABECE, do IBRACON e da Academia Caratinguense de Letras. E-mail: [email protected].