Ildecir A.Lessa
Advogado
O conceito de trágico é debatido pelos filósofos não somente em relação com a forma de arte que é a tragédia, mas também em relação à vida humana, em geral. A definição antiga de tragédia é, para Aristóteles, a imitação de acontecimentos que provocam piedade e terror e que dão início à purificação destas emoções. As situações que provocam “piedade e terror” são aquelas em que a vida ou a felicidade de pessoas inocentes é posta em perigo, ou em que os conflitos não são resolvidos ou são resolvidos de modo a determinar “piedade e terror” nos expectadores. Na análise de Arthur Schopenhauer (1788-1860) tragédia é a representação da vida no seu aspecto terrificante. A dor sem nome, a pena da humanidade, o triunfo da perfídia, a escarnecedora senhoria do acaso e o fatal precipício dos justos e dos inocentes nos são apresentados por ela; de modo que a tragédia constitui um sinal significativo da natureza do mundo e do ser. Esse conceito de tragédia se apõe muito bem as guerras, entre povos ou nações, que desgraçadamente nunca cessam. Elas apenas se deslocam de um lugar a outro. Se instalou na Síria, palco de conflitos sangrentos entre um povo, que até hoje não tem ainda uma sã explicação! As motivações dessa irracionalidade, seja na guerra da Síria, ou em qualquer outro lugar do Planeta Terra, são ambições hegemônicas. Guerreiam num dado momento, para “resistir à brutalidade de um ditador”. Em outro, em favor de uma agenda mulçumana, detentora de regras e cânones reacionários. Mas, no fundo querem a supremacia política e religiosa. A tragédia humana deste confronto irracional é que o inocente tem que pagar por uma culpa que outros cometeram. Aplica-se, também, de forma fenomenal, a violência nossa de cada dia. A repetição da violência se apresenta como um contrassenso no momento em que nossa compreensão dos fenômenos naturais e sociais; em que o avanço do saber científico e das conquistas da razão; em que a consciência do valor e do respeito à vida pareciam afirmar-se definitivamente de modo indiscutível. “A função da dor é ampliar horizontes para realmente vislumbrarmos os concretos caminhos amorosos do equilíbrio”. (Hammed). Cunha-se como obra do acaso ou fatalidade, o que nos choca emocionalmente e nos assusta. Ao observar certos acontecimentos trágicos que provocam a morte coletiva de pessoas, tentamos dar sentido de interpretação aos fatos trágicos, buscando muitas explicações. Na esfera das possibilidades, as tragédias com mortes coletivas podem ser provocadas pela natureza ou pelo próprio homem de uma forma voluntária ou involuntária. Quando isto acontece, os sentimentos de culpa e de perda costumam causar muita dor e sofrimento aos familiares e amigos das vítimas, além da comoção que provoca na sociedade. Charles Sanders Peirce (1854-1914), criador da teoria pragmática, em seu ensaio intitulado “Como fazer claras nossas ideias” diz que: “ter ideias claras sobre um objeto significa prever quais sensações, presentes e futuras, nos possam aguardar, e preparar as nossas reações”. Se colocasse essa máxima sobre interpretação, pode-se se arriscar que, por sua capacidade racional, o homem, por experiência, já deveria saber de antemão ou prever com antecedência as consequências “presentes e futuras” dos males que nos afetam. Mas a coisa não é bem assim. Quem pode antecipar, em sã consciência, o que ainda virá no campo das tragédias humanas, por exemplo?
A violência nossa de cada dia é sintomática; é como um câncer, com suas metástases, levando o homem a um estado terminal. As tragédias humanas, milenar, nos trazem sofrimento. Filosoficamente, sofremos quando nos são tirados os prazeres, sejam os naturais e necessários (comer, beber água, dormir, etc.) sejam os naturais não necessários com suas variações supérfluas; sejam os naturais e vãos, como as riquezas e o poder. Quando estamos acostumados com algum bem-estar e repentinamente perdemos, principalmente de forma trágica como foi o caso da aeronave do time de Chapecó, então padecemos. O mesmo drama e tragédia vive agora a população de Manaus, capital do Estado do Amazonas, com o massacre em um presídio. A violência dos assaltos nos estabelecimentos e agora, em casa, principalmente na zona rural. Agora a casa é alvo de assaltos: a casa é o lugar afetivo, onde se mora em família; os animais de estimação; a pessoa amada que morreu assassinada! Essas perdas nos trazem pequenos e grandes sofrimentos. Em outras palavras, o sofrimento humano é ocasionado pela privação daquilo que nos traz felicidade, prazer ou alegria: a prisão é a negação da liberdade; a morte é a privação da vida; a fome é a ausência do alimento; a sede é a privação do saciar-se com a água; a escuridão é a privação da luz; o caos é a negação da ordem; a doença no corpo humano é a falta de saúde plena. Essa realidade humana sempre existiu de fato. Contudo, nos dias atuais se multiplica tragicamente, consolidando assim, a tragédia humana diária.