(Noé Neto)
Em um belo texto recentemente publicado pelo site Momento Espírita, intitulado “A sabedoria do bem”, lê-se a seguinte história:
“Quando, na Antiguidade, alguém queria matar um urso, pendurava uma pesada tora de madeira em cima de uma vasilha com mel.
O urso empurrava a tora com força, a fim de afastá-la do mel. A tora voltava e o atingia.
O urso ficava irritado, feroz, e empurrava a tora com mais força ainda, e esta o atingia por sua vez com muito mais força.
Isso continuava até o urso ser morto.”
O texto pode nos levar a diversas reflexões sobre nossas atitudes, muitas vezes impensadas, agressivas e de consequências desmedidas. Entre tantas que poderiam ser abordadas, esse texto vai refletir um pouco sobre a recente crise instalada no sistema carcerário brasileiro.
A crise carcerária tornou-se evidente nos últimos dias após os massacres ocorridos na região Norte do país, mas o que ela veio escancarar é um sistema que todos já sabíamos ser falido.
Em um país com mais de 500 anos onde a educação nunca foi prioridade, a bandeja de mel é servida diariamente com favos fartos, exalando seu aroma por todos os lados.
O mel do tráfico de drogas, que adoça milhares de crianças e adolescentes, com dinheiro fácil, com a sensação de poder. Esse mel que se apresenta extremamente doce, principalmente para aqueles que vivem às margens da sociedade, sem saúde pública digna, sem moradia decente, sem perspectiva de crescimento econômico pelas vias corretas.
O mel do roubo, do furto, do latrocínio e do assalto. Mel esse que muitas vezes começa a ser servido em pequenos potinhos para aguçar o apetite. É aquela borracha diferente que chega em casa no estojo e os pais não se dão conta, seja por negligência ou simplesmente por descuido. Da borracha ao chinelo, ao tênis novo e ao celular de última geração que a sociedade impôs que se você não tiver você é um “homem das cavernas”.
O mel do desejo de vingança, de auto afirmação como superior, de demarcação de território. Tudo isso sendo servido ao custo de socos e chutes, que muitas vezes progridem para facadas e tiros, tirando vidas como se elas não tivessem valor algum.
E as toras? Elas são tão fartas quanto o mel.
As toras batem cada vez mais forte. Começam ferindo e assim vão gerando os traumas, as cicatrizes e feridas quase sempre abertas, expostas. A intensidade das pancadas vai aumentando e produzindo tanta morte e destruição que muita gente consegue achar normal e não se importar.
O problema é que em alguns momentos como esse que estamos vivendo, o urso empurra a tora com muita força e ela se desvia das presas atingindo toda a sociedade ao redor. Nesses momentos é que vemos o quão ursos nós somos.
Muitos aproveitam a primeira pancada e já empurram a tora de volta com mais força ainda, dizendo que quem a colocou lá devia ter colocado várias para que nenhum urso escapasse. E assim já não sabemos mais quem é caça e quem é caçador, pois a tora empurrada retorna sempre mais impulsionada e causa estragos ainda maiores.
Outros vão dizer que se deve cortar a corda da tora e apenas servir o mel. Ursos saciados não vão atormentar a sociedade. Não percebem que a fartura e abundância de comida trarão cada vez mais ursos para perto, aumentando cada dia mais o temor de quem vive ao redor.
O que muitos ainda não entenderam é que o problema não é a tora, o problema é o mel. Precisamos oferecer um mel que seja mais acessível, atraente e gostoso, que o mel que os caçadores oferecem. Enquanto o crime oferecer mel e o poder público oferecer fel, a concorrência será desleal. E o número de ataques só vai aumentar.
É preciso dizer: chega de jaulas, de toras, de falso mel. Chega de castelos enfeitados com cabeças de urso usadas como troféu.
Não vislumbro uma mudança para amanhã ou mesmo para a minha geração, mas é mais que visível que esse cenário só vai mudar nas próximas gerações, se houver empenho em começar a servir o mel do conhecimento, da cultura e da educação. Então, poderemos desamarrar as toras e vivenciar um pouquinho do que é ordem e progresso.
Prof. Msc Noé Comemorável.
Escola “Prof. Jairo Grossi”
Centro Universitário de Caratinga – UNEC
Escola Estadual Princesa Isabel